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Ah, se revista vendesse que nem batom

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Ponto de vista

Ah, se revista vendesse que nem batom


10 de setembro de 2013 - 5h17

Alguns anos atrás, quando se começava a falar da “ascensão da nova classe média brasileira”, fui conhecer algumas cidades do interior do Nordeste. Queria ver como era a vida das pessoas a 500 quilômetros do litoral, com especial interesse no consumo de produtos editoriais. Será que as revistas que eu fazia na época, 100% dependentes de venda em banca, chegavam a lugares como Serra Talhada, Crato ou Juazeiro do Norte? Existiam potenciais novos leitores nesses locais?

Uma das primeiras paradas foi na cidade pernambucana de Caetés, ainda a 200 quilômetros da faixa litorânea. Foi em Caetés, então um distrito de Garanhuns, que nasceu o ex-presidente Lula. Com 25 mil habitantes, era impossível que o município do criador do Bolsa Família não tivesse bancas de revistas. Rodei primeiro as ruas centrais de carro, a pracinha da igreja – e nada.

Parei na rua do comércio e saí a pé, perguntando para as pessoas onde poderia comprar jornais ou revistas.

“Acho que na farmácia vende”, alguém me falou.

Fui até lá, mas não vendia mais. “Não dava retorno e eu parei de vender”, explicou o dono. “Talvez algum outro lugar venda.”

Dentro de uma lojinha, vi uma mulher lendo uma revista e fui perguntar onde ela tinha comprado. Mas não era revista, e sim um catálogo de produtos da Avon.

“Moça, você sabe onde vende revista?”

“Sei não.”

“E é fácil encontrar revendedora da Avon?”

“Vixe, elas se trombam por todo lugar.”

O mercado editorial brasileiro, como se sabe, não vive seus melhores dias. O principal motivo, claro, é a competição com os meios digitais – e na própria Caetés havia duas lan houses cheias de adolescentes navegando por sites e redes sociais. Mas acredito que, por aqui, talvez tenhamos iniciado a decadência antes da hora. Poderíamos ter ido mais longe na conquista de novos públicos, mas paramos de buscá-los cedo demais.

Somando assinaturas com vendas em bancas, são consumidos menos de 500 milhões de revistas por ano no Brasil. Dá uma média de 2,5 exemplares por pessoa. Nos Estados Unidos, país rico, claro, mas também gigantesco e, portanto, cheio de dificuldades logísticas, esse número chega a 20. Na França, mais de 30!

Por muito tempo, o limite por aqui certamente esteve relacionado com a falta de dinheiro e a falta de estudo – duas condições essenciais para surgir um leitor. Mas esse certamente não é mais o caso. Nos últimos vinte, trinta anos, a partir da chamada universalização da educação básica, o avanço é inegável – se não tanto em qualidade, com certeza em termos do aumento do número de pessoas aptas a ler e escrever com relativa facilidade. A popularização da internet está aí para mostrar. E o mesmo aconteceu com o poder de consumo dos mais pobres, como bem sabem as revendedoras de cosméticos de Caetés. Mas enquanto o segmento de esmaltes, batons e cremes viu suas vendas crescerem quatro, cinco vezes, jornais e revistas vivem há dez anos um período de estagnação de circulação.

Prosseguindo na viagem pelo interior do Nordeste, uma curiosidade me chamou a atenção. Cidades do mesmo tamanho tinham realidades opostas em relação à presença de bancas: em umas, havia vários pontos de venda; em outras, nenhum. O que explicava essa diferença?

O caso mais emblemático que eu vi foi das vizinhas Juazeiro do Norte e Crato – distantes menos de 15 quilômetros uma da outra no interior do Ceará. Juazeiro do Norte, famosa terra do Padre Cícero, tem o dobro de habitantes: 250 mil contra 125 mil. Mas, em dois dias percorrendo suas ruas, não encontrei nenhuma banca. O que esperar, então, de Crato? Para minha surpresa, a cidade com metade da população tinha seis bancas espalhadas pela região central. O mesmo se via em Garanhuns (112 mil habitantes, nenhuma banca) e Arcoverde (70 mil, duas bancas), ambas em Pernambuco.

Ao voltar dessa viagem, conversei com várias pessoas para tentar entender esse fenômeno, inclusive profissionais da área de distribuição de publicações, mas ninguém me deu explicação convincente. Então, desenvolvi minha própria teoria, que exponho aqui já alertando que é apenas um palpite (se alguém tiver uma hipótese melhor, compartilhe comigo). Acredito que, no Brasil, o período de expansão dos pontos de venda de jornais e revistas aconteceu antes da expansão do público-leitor.

Há 30, 40 anos, era comum as editoras e as empresas de distribuição de jornais e revistas colocar dinheiro do próprio bolso para financiar a abertura de bancas pelo país afora. Só que, naquela época, o Brasil era um. No interior do Ceará, a elite – ou pelo menos a parcela da população que estudava e tinha dinheiro para o consumo – vivia em Crato. Mesmo nas grandes cidades, o leitor estava apenas nas áreas centrais. Quando, finalmente, as periferias e as cidades pobres se desenvolveram, já era tarde. Empresas jornalísticas e distribuidoras já não tinham mais o mesmo apetite para a expansão – e uma parcela enorme da população permanece até hoje sem acesso a produtos editoriais.

Poderia ter sido diferente? Difícil saber. Mas, num passado remoto, outra indústria escolheu um caminho alternativo. Se não era viável abrir lojas de cremes e maquiagens em cidades pequenas, alguém achou que valeria a pena chegar às populações mais distantes de outra maneira. Deu no que deu – e hoje as revendedoras até trombam entre si para vender batom na terra do ex-presidente.

* Demetrius Paparounis é jornalista e consultor em comunicação para a nova classe média

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