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Os argentinos e a mão de Deus

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Ponto de vista

Os argentinos e a mão de Deus


23 de maio de 2012 - 9h29

“Foi a mão de Deus!”. Possivelmente foi dessa maneira que os publicitários argentinos da Y&R responderam a pergunta dos chefões ingleses que controlam a agência, sobre quem foi o responsável pelo anúncio televisivo sob o título “Homenaje a los caídos y ex combatientes de Malvinas” com a sugestiva assinatura da Casa Rosada, sede do governo da Argentina.

Não foi a primeira vez que nossos vizinhos lançaram mão da proximidade com Deus para justificarem seus feitos milagrosos. Com tão preciosa intervenção conquistaram a Copa do Mundo de Futebol no México em 1986 e encerraram a polêmica sobre um suposto (SIC) gol de mão de Diego Maradona com a afirmação “se houve mão foi a mão de Deus”.

O dito anúncio que mostra o treinamento de um atleta argentino nas ilhas Malvinas tem como slogan a frase “Para competir em solo britânico treinamos em solo argentino” e atiça os humores ingleses ao mostrar paisagens típicas do território, objeto do conflito, e redutos reconhecidamente pró-Inglaterra.

Rapidamente o atleta procurou desfazer a polêmica afirmando não saber que se tratava de um anúncio com esse propósito, como se fosse possível ter todo aquele desempenho sem conhecimento sobre os objetivos das filmagens.

A Y&R argentina, por sua vez, também tentou desqualificar a competentíssima e profissional produção dizendo tratar-se de um concurso interno que depois seria oferecido aos clientes da agência. É mais crível apostar na mão de Deus.

O Comitê Olímpico Argentino, através de seu presidente, Gerardo Wertheim, criticou o anúncio pela tentativa de uso dos jogos para discutir política. Ou seja, todos fizeram “cara de paisagem” diante da peça publicitária de qualidade criativa e de produção indiscutíveis.

O anúncio é bom e bem feito e confronta uma idéia comum aos publicitários brasileiros de que propaganda não deve abordar temas polêmicos. Uma besteira. É legítimo ao anunciante, de qualquer espécie, defender seu ponto de vista e, mais comum ainda, que isso não seja um consenso. É absolutamente natural que a agência de propaganda escolhida para divulgar as marcas, produtos e serviços do anunciante se alinhe ao seu ideário, mesmo que isso não signifique unanimidade.

No entanto no Brasil produzimos uma propaganda acética, quase sem personalidade tamanha a aversão que temos pelo debate ou pela polêmica. Fazemos publicidade sem espontaneidade e isso é fácil de comprovar, experimente ficar duas horas na frente da televisão.

O anúncio do Governo Argentino não é somente peça digna de registro e premiação como um exemplo de liberdade de expressão. A gestão de Cristina Kirchner acredita que as Malvinas são parte do território do país, é de se supor que seus eleitores também. Então que mal há em divulgar essa idéia de forma criativa.

Que a homenagem aos caídos argentinos acorde os caídos publicitários brasileiros, nem que para isso seja necessário repatriar aquele que, se é verdadeiramente brasileiro, anda dando expediente na Argentina e, já faz algum tempo, produz a melhor propaganda da América Latina.

* André Porto Alegre, jornalista e publicitário, membro do Conselho de Administração e da Diretoria Executiva da APP – Associação dos Profissionais de Propaganda, Conselheiro do CONAR – Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária, Conselheiro do FAC – Fórum do Audiovisual e Cinema. Foi Diretor Comercial da Mobz S.A., Circuito Digital S.A. e Promocine, empresas operadoras de mídia cinema. Vencedor do Prêmio MaxiMidia em 2004 e 2007 pelo Melhor Uso da Mídia Cinema. Trabalhou no jornal Folha de São Paulo, na Mauricio de Sousa Produções, no Grupo Young & Rubicam e na Ammiratti Puris Lintas. É professor dos cursos de MBA da Faculdade Rio Branco e FACCAMP.

 

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