Vaidade
As marcas precisam buscar seu mantra, sua verdade. Do contrário, tudo será efêmero e passageiro
As marcas precisam buscar seu mantra, sua verdade. Do contrário, tudo será efêmero e passageiro
Eduardo Tracanella
17 de novembro de 2014 - 4h20
Ainda me lembro daquela semana, como se fosse hoje. Quase posso sentir o vento quente que soprava naquele pátio e ouvir de novo aquele burburinho sobre a minha descoberta: a fórmula secreta capaz de matar formigas silenciosa e quase instantaneamente.
Um fato extraordinário que, para mim, uma criança no auge de seus 4 anos, era digno de um Nobel ou, no mínimo, do prêmio máximo da feira de ciências da escola.
Claro, o tempo – sempre ele – jogou na minha cara, sem dó, a verdade: elas morreram afogadas, meu caro.
Mas isso não importava mais. Durante alguns dias, acreditei ter criado, com a combinação de shampoo, detergente e gotas de molho inglês, uma fórmula que poderia mudar o rumo da humanidade. E esse sentimento, mesmo que tenha durado pouco, fez bem para meu ego, alimentou minha vaidade e me fez sentir o maior pop-star-inventor da escola.
Pois é, a vaidade é uma pura questão de ponto de vista. É pessoal e intransferível. Não nasceu ontem, permeia nossa vida desde sempre e a sociedade muito antes dela se dizer social.
A única mudança nos dias de hoje – e uma mudança fundamental – é que a tecnologia está à disposição para distribuir em rede o que antes era centralizado male male no pátio da pré-escola ou na mesa de um bar.
Uma possibilidade que nos dá poder, ou um pseudopoder, que vicia e nos faz dependentes. É a era do espetáculo, da vaidade como propulsora de uma nova forma de viver e de consumir os meios e as marcas.
E, nesse contexto, se faz oportuno desmistificar, de largada, uma crença: não existem as ditas mídias sociais.
Digo isso por que sociais são as pessoas e não as mídias.
Uma premissa que, se verdadeira, traz consigo um novo desafio para o anunciante: construir conversas relevantes o bastante para que sejam sociais a partir das pessoas, que estão em rede, empoderadas e prontas para definir o que é fracasso ou sucesso.
Um novo paradigma, que muda o processo criativo, onde os meios tradicionais, serão utilizados cada vez mais como aceleradores e, não mais, necessariamente, como a conversa em si.
Pense bem: consciente ou inconscientemente, as pessoas interagem ou não interagem nas redes sociais – sejam elas quais forem – para construírem sua personalidade. Seja concordando com um assunto, seja se omitindo de sequer comentar. Seja compartilhando como sua própria opinião ou aproveitando para deixar claro o quanto odeia aquilo.
E, se isso for verdade, o que uma marca tem a oferecer para que alguém queira construir sua personalidade a partir dela?
Se tudo é vaidade, qual é a forma de ser verdadeiramente relevante para ajudar a construir a vaidade alheia?
Bendita a marca que entender que o caminho para o legado, para evitar o risco de sumir como fumaça, está em seus valores. E que, num mundo carente por valores, sua maior contribuição está em sacrificar seu ego.
Historicamente as marcas pautam a cultura e têm a oportunidade de mudarem o mundo de fato. Constroem e destroem desejos.
E, ao meu ver, aqui reside a oportunidade para se construir a nova comunicação: atitudes verdadeiras, a partir de um propósito inspirador.
Acredite, a relevância e os valores são os novos TRP.
E as marcas precisam buscar seu mantra, sua verdade. Do contrário, tudo será efêmero e passageiro. Tudo será apenas vaidade, de quem cria, de quem aprova.
Eduardo Tracanella é superintendente de marketing do Itaú
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