“Estamos na era da dancinha”, diz Thomas Roth
Produtor, músico e jurado, sócio da Lua Nova analisa os impactos das redes sociais e mídias digitais na indústria da música
“Estamos na era da dancinha”, diz Thomas Roth
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Carolina Huertas
13 de setembro de 2022 - 6h00
Na indústria da música há 52 anos, Thomas Roth acumula experiência como músico, jurado de programas de talentos, como o Ídolos, e trabalhos para a publicidade, que vão do jingle à campanhas publicitárias. Do lado de negócios, o profissional é sócio e diretor geral da produtora Lua Nova e da Elemess Music & Services, empresa de gestão de negócios e carreiras artísticas.
Diante dos novos algoritmos, tecnologias e consumo musical no ambiente digital, o especialista analisa e detalha em entrevista Meio & Mensagem as transformações e impactos na atual indústria musical.
Meio & Mensagem – Como a digitalização impactou as receitas das indústrias fonográficas?
Thomas Roth – Nos anos 80 e 90 o artista vivia, de fato, da execução pública, show e discos. Eventualmente eles teriam sua imagem vinculada a algum produto, ainda não era uma coisa usual. No final dos anos 90 e início dos anos 2000, no começo da internet e dos primórdios da revolução digital, a coisa foi se modificando rapidamente. Além da pirataria ter comido uma parte importante da receita que as gravadoras tinham, chegou o momento em que, de fato, ninguém mais estava interessado em comprar discos. O formato do streaming pago foi uma coisa que não durou tanto tempo e, no final das contas, nós chegamos aí nos dias de hoje, onde a transformação é completa. Nós estamos no meio de uma revolução que, obviamente, não atingiu apenas o campo das artes ou da música, mas também as relações humanas, negociais, as formas de criar, produzir e distribuir. O mundo digital propiciou mudanças inimagináveis: facilitou e democratizou por um lado e, por outro, deu voz há muita gente que na verdade não tem talento, mas muitas vezes tem esperteza ou fala até bobagem, vendendo besteirol, coisas inimagináveis em outros tempos. Mas isso é um fenômeno mundial. Com com a internet e as redes você tem um universo gigantesco de gente criando e produzindo conteúdo musical.
M&M – Anteriormente os artistas precisavam passar por uma produtora, um selo. A internet e o streaming mudaram esse jogo. Quais os prós e contras dessa movimentação? Agora os números são essa aprovação?
Roth – Esse é um assunto muito grande e muito profundo, que merece uma análise cuidadosa. Porque é muito fácil a gente cair no erro e falar ‘ah hoje a gente vive números X qualidade’. Mas não. Tem coisas que tem números e também tem qualidade; tem coisas que não tem qualidade e tem números; tem coisa que não tem qualidade e não tem número e tem coisa que não tem qualidade e não tem número. Todas as hipóteses convivem perfeitamente hoje. Eu comparo a música nesses tempos de redes sociais com um gigantesco iceberg: a ponta visível tem exatamente essa quase ditadura e predominância do foco nas redes, nos números, nos algoritmos, nos seguidores. Então, você vê que tem músicas de péssima, qualidade com milhares de seguidores. Esse cara com essa música horrorosa não teria espaço nos anos 70, 80, porque tínhamos um predomínio da mídia e das majors. Você era obrigado a estar gravando por uma gravadora, tinha que estar no Faustão sábado a noite. Quem mandava e comandava o sucesso eram os grandes veículos e as majors. Agora não, democratizou completamente e isso tem o lado bom e o lado ruim. Há o lado daquele artista de música clássica que toca, compõe e que não teria nenhum espaço em nenhuma gravadora e, hoje, pode colocar sua música na internet e fazer seu público. Ele provavelmente não vai ter os números que de repente vai ter uma Anitta, um Whindersson [Nunes], a não ser que ele crie algo absurdamente bombástico e diferente, mas não pela própria qualidade artística e musical. As pessoas não estão preparadas hoje pra entender aquele trabalho, não é isso que está na moda e não é o que elas estão querendo e buscando ouvir, mas ele pode mostrar o trabalho dele e fazer o público dele. Ele não vai falar apenas com as pessoas que gostam de música clássica no Brasil, pode falar com outros artistas, pode pensar outros projetos antigamente era inimagináveis. Da mesma forma, na contramão, temos um monte de fenômenos, como “Piscininha amor”, “Caneta Azul” e outros tantos e, ao mesmo tempo, tem exemplos como o da Ana Vilela, que é uma menina que um belo dia resolveu tocar seu violão no sofá, da forma mais simples e humilde possível, com a verdade dela e virou um fenômeno porque as pessoas começaram a curtir aquela mensagem. Ela estava representando uma geração e foi maravilhoso, ela explodiu como artista sem nenhum tipo de forçação de barra, sem jabá, sem dinheiro de marketing. Isso ilustra as possibilidades que temos hoje.
M&M – Como as redes estão influenciando a criação das música?
Roth – Existe um mundo de gente que está compondo e produzido para o TikTok, para a rede XYZ, como se estivessem fazendo jingle. Estão fabricando músicas para fazer dancinhas. Estamos na era na dancinha. De cada 10 comerciais que fazemos na Lua Nova hoje, 7 tem que ter a dancinha. Particularmente sempre acho isso muito pobre: alguém inventa um filão, todo mundo vai e corre atrás desse filão. Lamento muito, acho que os caminhos são tantos, mas, ok é o que está na moda, é o que todo mundo quer. Como as ferramentas de criação, produção e divulgação estão aí a disposição de todo mundo, isso é um caminho que acontece muito. Agora, isso tem um efeito muito ruim. Eu sou curador e, por ter sido jurado do Ídolos, sou muito convidado para ser jurado e curador de festivais, o que acho ótimo porque me dá um panorama muito claro sobre a criação e a produção musical no país. Não faz muito tempo, fui curador do festival de música sertaneja. Eram 275 músicas que foram selecionadas e eu tinha que ouvir porque já tinha vindo uma primeira seleção. Todas pareciam filhotes da mesma mãe, com o mesmo approach e letra, mesma estética sobre cerveja, caçamba, mulher e balada, numa pobreza impressionante. Isso porque o universo sertanejo é riquíssimo. A música brasileira é muito rica, mas, de repente, tem essa coisa de todo mundo ir pelo mesmo caminho. Parece que fazer direito dá trabalho, as pessoas tem preguiça de pensar, mas eu continuo tentando fazer direito, continuo tentando fazer algo mais perene, algo que fique. Porque a verdade é essa: essas coisas todas vão ser analisadas daqui a 50, 100 anos exatamente sobre esse olhar – e que bom, isso era a cultura da época, isso é um retrato do que as pessoas gostavam e consumiam. Essas massificações interessam exatamente para essas grandes redes que faturam futuras em cima disso.
M&M – Como esse novo universo afeta a gestão de carreiras?
Roth – Eu tenho a Lua Nova, que é uma produtora de conteúdo e de publicidade, e sou sócio da LMS que é uma empresa de gestão de carreiras artísticas. Nós cuidamos da Pitty, Fresno, Felipe Ret, Marcelo D2, Mc Tha etc. São artistas com características diferentes, mas o tema redes é comum a todos, é algo que você não pode ignorar. São artistas com públicos completamente diversos, mas todos esses públicos estão nas redes. Então, o post nas redes, como colocar essa ou aquela música ou aquele aviso de show, passaram a ser mais uma preocupação, sem sombra de dúvida. Mas na parte do conteúdo, propriamente dito, interferimos muito pouco. Podemos emular o artista, dependendo do caso, a estar atento a esse ou aquele fato, a trazer algo novo ou diferente, eventualmente fazer um feat de pertinência. Isso hoje, na gestão da carreira, também faz parte das preocupações. Você não pode simplesmente ignorar, pelo contrário, porque é uma forma clara de atingir exatamente o maior número de pessoas que não está mais na frente da televisão, estão nas redes e na internet.
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