Alexandre Zaghi Lemos
2 de julho de 2025 - 6h00

Tracanella dedicou-se nos últimos sete meses a arquitetar a consultoria Al.in, que apresenta oficialmente ao mercado nesta semana (Crédito: Divulgação)
Eduardo Tracanella, ex-CMO do Itaú, onde atuou por 27 anos até ser demitido no fim de novembro do ano passado, após ser exposto pelo banco por mau uso do cartão de crédito corporativo, está de volta ao mercado.
Contrastando com a sua ruidosa saída, Tracanella preferiu a discrição nos últimos sete meses, período no qual dedicou-se a arquitetar a consultoria Al.in, que apresenta oficialmente ao mercado nesta semana.
Seu último ano no Itaú havia sido de passos grandiosos: o banco mudou a marca, celebrou cem anos, fez campanhas icônicas com Fernanda Montenegro e Madonna e promoveu show da cantora americana que atraiu mais de 1,6 milhão de pessoas à praia de Copacabana. Para o posto de CMO, o Itaú recontratou Juliana Cury.
Agora, Tracanella coloca sua experiência à disposição de outros anunciantes, veículos produtores de conteúdo e agências de publicidade, oferecendo uma visão integrada de marketing, branding, conteúdo e criatividade.
Leia, a seguir, os principais trechos da entrevista concedida por Tracanella ao Meio & Mensagem, na qual ele fala sobre a demissão e sua relação com o Itaú, as mágoas e cicatrizes deixadas pelo episódio polêmico, o entusiasmo com sua primeira iniciativa como empreendedor e as perspectivas de trabalhar em projetos para outra marcas.
“Quando você deixa o sobrenome corporativo, pessoas entram e pessoas saem da sua vida”
Meio & Mensagem – São sete meses desde a sua saída do Itaú. Com esse distanciamento, que lições você tirou desse episódio, já que a companhia expôs a razão da sua demissão?
Eduardo Tracanella – Tomei a decisão de não alimentar a polêmica, pelo respeito e pela relação que construí ao longo do tempo com a companhia e com as pessoas. De fato, esse foi um assunto de uma esfera privada que se tornou público, foi algo extremamente localizado, mas que procurei deixar para trás. Procurei seguir a minha vida da melhor forma possível, sempre muito focado na minha família, em fazer o que eu gosto de fazer, que é construir marca, que é o que eu amo fazer. O que aprendi de mais valioso com esse episódio todo foram duas coisas. A primeira delas é que a gente tem de estar atento aos nossos ciclos na vida. Talvez eu já tivesse encerrado o meu ciclo no Itaú. Talvez eu já tivesse entregado para o Itaú e o Itaú já tivesse entregado para mim tudo o que poderia ser entregue. Principalmente quando o ciclo termina com a comemoração dos 100 anos, marca nova, Madonna. Realmente, era hora de começar um novo ciclo. Outra coisa que aprendi é que quando você deixa o sobrenome corporativo de uma grande posição, por mais que o legado fique — e sou muito grato por ter deixado um legado e por ser reconhecido por isso —, pessoas entram e pessoas saem da sua vida. É natural que isso aconteça. Aprendi que tem uma beleza nas duas coisas. Tem uma beleza nas pessoas que saem, que pulam do barco, e tem uma beleza nas pessoas que entram no barco. A vida fica mais leve quando as pessoas que pulam do barco pulam, porque elas não deveriam estar com você e elas estavam por alguma conveniência. E, ao mesmo tempo, quem continua no barco e quem entra no barco são as pessoas que vão seguir a vida com você. São as pessoas que vão te transformar para melhor, que vão te levar para lugares ainda melhores. E eu aprendi muito com isso.
M&M – Você superou todas as mágoas?
Tracanella – Na vida, por mais que a gente queira, não vai poder nunca controlar algumas variáveis. A gente não consegue controlar o que as pessoas são, o que as pessoas querem, o que as pessoas pensam da gente, mas conseguimos controlar como reagir a tudo isso. Nesse processo, aprendi muito a me entender melhor. O que eu quero é ser feliz, estar bem para a minha família, para os meus amigos e para as pessoas que continuam comigo. Quero fazer coisas legais, contar novas histórias, ter outras Madonnas, outras marcas mais valiosas do Brasil. As mágoas acontecem, as cicatrizes ficam, mas a gente tem um compromisso com a vida de ser feliz. Essa é a variável que a gente controla. É isso que eu sempre busquei na minha vida e não poderia ser diferente agora.
M&M – Não ficou nenhum litígio com o Itaú?
Tracanella – Pelo mesmo motivo que tive o silêncio, a discrição, e pelo respeito à companhia, não há nenhum litígio com o banco, muito pelo contrário. Posso dizer, tranquilamente, que sou muito grato pela história que a gente construiu juntos. Virei a página, estou seguindo a minha vida, animado com o futuro. O Itaú, que é uma empresa espetacular — eu vivi muito tempo lá dentro, conheço muito bem a companhia — e a marca, que é realmente icônica, uma marca diferente, uma marca muito forte, vão continuar tendo muito sucesso, tenho certeza. Então, eu vou ter muito sucesso, vou ser muito feliz, e o Itaú vai ter muito sucesso, vai ser muito feliz, e vamos em frente.
“Empreender e trabalhar com mais marcas é o que eu tinha de melhor a fazer nesse momento”
M&M – Havia, até agora, algum impeditivo contratual com o Itaú para você voltar ao mercado?
Tracanella – Existia sim, o que a gente chama de garden leave, de non-compete, mas ele já se encerrou. Então, eu já poderia trabalhar com outras empresas e hoje eu posso trabalhar com qualquer marca, de qualquer segmento. Inclusive do setor financeiro. Eu já estou trabalhando com algumas marcas e conversando com outras. Mas a cultura da Al.in é a de falar depois de fazer. As marcas não ganham nada em eu ficar expondo que estou fazendo projetos para elas. Então, vou trabalhar com bastante discrição, porque acho que aqui tem um segredo do sucesso, de pegar esses ambientes competitivos de forma desprevenida.
M&M – Nesses sete meses, você recebeu outras propostas de trabalho? Porque optou pelo lançamento de um negócio próprio?
Tracanella – É claro que sentar novamente em uma cadeira de CMO, em uma cadeira de marketing, fez parte da minha reflexão. Naturalmente surgiram propostas, surgiram conversas, não só do segmento financeiro, mas de outros segmentos. Mas, nesse momento, decidi ir em outra direção porque concluí que tenho paixão por construir marcas. Entendo que é o que eu mais gosto, mas também o que eu melhor sei fazer. Foi por isso que eu decidi empreender, porque quero usar meu tempo menos para a vida corporativa e mais para criar e contribuir de forma mais ampla para o mercado, sem perder a minha essência, as minhas crenças sobre construções de estratégias originais, que tenham relevância cultural e potência para mexer o ponteiro. Foram duas décadas construindo a marca mais forte do País. Eu concluí que gostaria de continuar fazendo o que eu sempre fiz, mas que tinha chegado a hora de dividir esse conhecimento acumulado com outras marcas. Empreender e poder trabalhar com mais marcas e com mais desafios é o que eu tinha de melhor a fazer nesse momento, seja para mim, seja para o mercado ou seja para as marcas. Nesse momento, a melhor versão do Tracanela que elas podem ter é essa, porque é uma versão integralmente disponível para criar e para pensar em estratégias para as marcas.
M&M – É a primeira vez na sua vida que você empreende?
Tracanella – Primeira vez. Eu digo que sempre fui um baita de um intraempreendedor, genuinamente. Eu sempre me vi como dono, sempre procurei fazer coisas diferentes. Mas, obviamente, do ponto de vista de empreender mesmo na pessoa física, é a primeira vez. A possibilidade de poder empreender está me deixando muito entusiasmado.
“Eu não posso ser um player isolado, tenho que ser um player integrador”
M&M – Qual é a proposta da Al.in?
Tracanella – Estou lançando uma casa de estratégia criativa, chamada Al.in. “Al”, de alma, e “in”, de inteligência. Durante esse tempo, eu pude pensar muito sobre o que me levou a ter sucesso à frente da marca Itaú. Acabei me deparando com a crença de que marcas fortes e marcas potentes são uma resultante de um bom equilíbrio entre alma forte e inspiradora e inteligência humana, e agora artificial. A Al.in nasce para potencializar e reenergizar marcas, a partir dessa crença de que alma mais inteligência são dois ingredientes que, se tratados de forma adequada e bem equilibrada, fazem marcas serem mais fortes. Eu diria que ela é quase um download de tudo que vivi na minha carreira, entre erros e acertos, mas, principalmente, é o download das minhas crenças sobre marca. Ela vai atuar com uma metodologia própria, que traz na essência uma visão integrada sobre marketing, branding, conteúdo e criatividade. Eu não acredito mais que isoladamente essas ferramentas têm a mesma potência que quando usadas de forma combinada.
M&M – Quem você pretende atender?
Tracanella – Tive muitas conversas com os principais e as principais CMOs, líderes de agências, veículos, produtores de conteúdo, porque eu queria que a Al.in pudesse ocupar um espaço para trazer potência para o mercado. A Al.in não nasce para substituir nenhum player do mercado, mas, de fato, para potencializar, para ser uma facilitadora, uma problem solver, sempre acreditando muito na criatividade como alavanca de valor para marcas e para o mercado. Então, ela vai atuar para marcas de diferentes perfis e segmentos. Vai trabalhar diretamente com marcas, com anunciantes já consolidados, em seus desafios específicos e alguns projetos. Vai trabalhar com empresas que ficaram maiores do que as suas marcas, empresas que cresceram muito e suas marcas acabaram indo junto, mas hoje são menores do ponto de vista de valor do que as empresas, porque são empresas familiares ou não têm um marketing tão estruturado, não têm tanta experiência em ser anunciante. Ela vai trabalhar também ao lado dos suppliers do mercado, sejam as agências de publicidade, sejam os veículos, sempre procurando fazer essa ponte entre as agências e suas marcas, entre os veículos e o mercado, tentando sempre fazer essa conexão.
M&M – O contratante poderá ser o anunciante, a agência ou o veículo?
Tracanella – Por mais que seja contratado por uma dessas partes, é primordial que eu esteja amarrado no projeto como um todo. Ou seja, se eu for contratado por uma agência de publicidade, preciso trabalhar também junto com os clientes dessa agência. Eu não posso ser um player isolado, tenho que ser um player integrador. Há, ainda, outra vertente interessante, que é trabalhar com fundos de private equity, porque eles acabam adquirindo muitas marcas e, por vezes, por não terem uma estratégia de marketing bem estruturada para essas marcas, acabam comprando as marcas melhor do que vendem. Pretendo entrar em alguns projetos com fundos, para ajudá-los a fazer com que os ativos se fortaleçam e ganhem mais valor, a partir de uma estratégia de marketing e de marca bem direcionada.
“Aprendi que relações sustentáveis e de longo prazo fazem marcas mais fortes”
M&M – Esse é um investimento pessoal seu ou você tem investidores ou sócios?
Tracanella – Eu conversei com investidores e com alguns fundos e holdings. Entretanto, tomei a decisão de, nesse primeiro momento, não ter sócio e entrar em um projeto, de fato, autoral, solo, do ponto de vista societário. É claro que esse projeto pode evoluir no futuro, e ele tende a crescer. Mas, num primeiro momento, achei que seria mais sólido, do ponto de vista conceitual, se eu entrasse sem tantas variáveis. Agora, quero estabelecer um conceito, no qual acredito muito, que é o da sociedade por projeto, para aglutinar as melhores pessoas para cada projeto. Assim, as pessoas não deixam de ser sócias desses projetos.
M&M – Como você está escolhendo essas pessoas para os projetos?
Tracanella – A gente precisa encontrar novos modelos de parceria no mercado. Parcerias que sejam menos burocráticas, que consigam mobilizar com velocidade e com qualidade as melhores pessoas para cada projeto. Quero me cercar dos melhores talentos, dos talentos mais diversos, mobilizando-os com velocidade, oferecendo um modelo de trabalho simples, colaborativo. Sempre gostei muito e acho que tive a habilidade de construir bons times. Então, quero construir novos times, só que agora vão ser times diferentes para marcas diferentes.
M&M – Quantos clientes você pretende atender?
Tracanella – Eu vou estar à frente de todos os projetos. Então, não vão ser tantos projetos assim. Nesse primeiro ciclo, imagino ter, no máximo, dez clientes. E eles são excludentes por categoria, até para que eu possa ter isenção. Isso já faz um primeiro filtro, do ponto de vista de portfólio de marcas que vão estar comigo. Estou fazendo um trabalho de tentar entender onde posso ser mais útil, onde a minha experiência pode gerar mais valor. Esse é um processo que está se iniciando, porque estou tratando com muito cuidado, pois cada escolha é uma renúncia. Aprendi que as relações sustentáveis e as relações de longo prazo fazem marcas mais fortes. Quero abraçar bons projetos, para que eu possa, de fato, fazer a diferença na trajetória dessas marcas e desses players.
“O anunciante se depara com um contexto que é fascinante e um pouco apavorante”
M&M – Qual é sua perspectiva atual sobre as maiores dores das marcas?
Tracanella – Claro que existem especificidades, mas têm questões que são intrínsecas ao nosso mercado e que valem para praticamente todas as marcas. O primeiro ponto é que tem muita coisa mudando. Têm muitas possibilidades novas surgindo, mas tem uma coisa que não mudou e que eu acho que não vai mudar, que é o fator humano. Ou seja, ao longo do tempo, sempre foi necessário ter o melhor das melhores pessoas. O que significa isso? Significa trazer boas condições de trabalho, ter culturas inspiradoras dentro das empresas, culturas mobilizadoras. E ter as melhores pessoas significa estar aberto, de fato, para entender que não necessariamente todas as pessoas são as melhores para todos os projetos. Como você faz da diversidade uma alavanca de valor? Hoje, o anunciante, a pessoa que está sentada numa cadeira de marketing, se depara com um contexto que, ao mesmo tempo, é fascinante e um pouco apavorante. É fascinante porque traz muitas possibilidades novas, e a tecnologia é uma alavanca potencial enorme para isso, a inteligência artificial, principalmente. Mas, ao mesmo tempo, você se depara com um contexto de não saber por onde começar. Onde eu devo apostar? Se a minha verba é limitada, devo apostar em alcance, audiência ou em especialização? Devo ter uma estratégia de patrocínios proprietária ou de terceiros? Quais as melhores pessoas e melhores parceiros? Então, acho que tenho condições, com toda a experiência que tenho e, agora, com uma visão ampla do mercado, de também ajudar as marcas na curadoria de quais caminhos estratégicos percorrer, em relação à narrativa, a parceiros.
M&M – Você pretende desempenhar também um papel na intermediação de relações entre marcas e agências de publicidade? E entre marcas e outros fornecedores, como os influencers, os criadores de conteúdo?
Tracanella – Sem dúvida. Um dos meus diferenciais ao longo da carreira foi o de transitar muito bem em todos os players do mercado. Sempre tive relações muito produtivas, criativas, sólidas, respeitosas, com veículos, com agências, com outros parceiros. Acho que adquiri o traquejo para falar com fluência o idioma de cada um deles. Eu não queria que a Al.in fosse uma empresa que substituísse ninguém no mercado, que competisse com quem já compete hoje. Queria achar um lugar em que eu poderia, de fato, contribuir para as marcas e para o mercado. Como é que a gente pode ter estratégias criativas mais potentes? Como é que a gente pode ter mais marcas icônicas no Brasil? Eu fazia isso no Itaú e agora estou pronto para fazer isso para outras marcas. É muito entusiasmante isso.