Mídia

Os impactos da alteração da Lei Cidade Limpa para o OOH

Proposta de flexibilização da legislação pode mudar concorrência entre os veículos em São Paulo

i 21 de julho de 2025 - 6h01

Em maio deste ano, o Projeto de Lei (PL) 01-00239/2023, de autoria do vereador Rubinho Nunes (União), cuja proposta é modernizar a Lei Cidade Limpa (nº 14.223/06), foi aprovado em primeira votação pela Câmara Municipal.

Desde então, teve início um intenso debate entre arquitetos, urbanistas e veículos de mídia sobre os prós e contras em relação à flexibilização da legislação. A lei transformou radicalmente a paisagem do out-of-home (OOH) em São Paulo e, como consequência, no Brasil, e reduziu de forma ostensiva a poluição visual da cidade.

Abrigo de ônibus da Eletromídia e relógio da JCDecaux

Eletromídia e JCDecaux são as únicas empresas com permissão de comercializar publicidade em mobiliário urbano em São Paulo (Crédito: Divulgação)

O texto original do PL do vereador Nunes sugeria a alteração de alguns artigos da Lei Cidade Limpa com o objetivo de modernizar a legislação, melhorar o aproveitamento dos espaços públicos e privados e potencializar os investimentos no município. Contudo, esses já não são mais os objetivos. O gabinete do vereador afirmou que será feito PL substitutivo focado na criação da Times Square paulistana.

“Não é uma mudança de estratégia; quem diz isso não entende nada de processo legislativo. O texto de primeira votação deve ser amplo para criar o debate e permitir escolhermos uma área para a criação da Times Square”, justifica Nunes.

Ainda assim, mudança de rota do PL de Nunes não arrefeceu os debates decorrentes da aprovação, em primeira instância, e dos indícios de possível flexibilização da lei.

A maioria das propostas de mudanças no PL original de Nunes dizem respeito aos anúncios indicativos. Apenas dois artigos do PL sugerem medidas em relação à publicidade. Um deles sugere a inclusão de novos equipamentos em termos de cooperação com marcas. São eles: parklets, totens de caregamento de veículos elétricos e jardins verticais.

Porém, a mudança de maior impacto em relação à publicidade é a revogação do artigo 18 da Cidade Limpa, que proíbe anúncios publicitários nos imóveis públicos e privados, edificados ou não. Tal revogação possibilita a volta de uma série de peças de mídia exterior na capital e, possivelmente, o retorno de exibidores que deixaram a cidade em janeiro de 2007, após a entrada em vigor da lei.

Cerca de 62 empresas especializadas e regularizadas no Sepex-SP foram proibidas veicular publicidade no espaço urbano a partir daquele ano. Apenas 10% das empresas que operavam em São Paulo na época sobreviveram, aponta o vice-presidente do Sepex-SP, da Federação Nacional da Publicidade Exterior (Fenapex) e CEO da Amplilume Painéis OOH, Leandro Formigone.

Cerca de 90% do faturamento da Amplilume caiu em 2007, com a sanção da lei. A empresa migrou seus esforços para rodovias estaduais e, em 2018, adquiriu todo o inventário de grandes formatos da JCDecaux no estado de São Paulo.

Qual foi o impacto da Lei Cidade Limpa para os players do OOH?

Um estudo da Tendências Consultoria Integrada, feito de 2006, estimava a queda de 70% do faturamento e corte de 70% dos funcionários das empresas de mídia exterior que operavam em São Paulo. As receitas anuais com locações na cidade giravam em torno de R$ 66 milhões anuais.

O levantamento indicava, ainda, que 300 mil estabelecimentos comerciais formais de São Paulo teriam que readequar suas fachadas. O custo dessa readequação era calculado, à época, entre R$ 1,1 bilhão e R$ 1,6 bilhão. Antes de 2007, a estimativa era que São Paulo abrigava de 15 mil a 20 mil peças publicitárias, diz Formigone. Atualmente, a capital abriga 5.846 faces publicitárias operadas pela Eletromidia e JCDecaux.

Mobiliário urbano em São Paulo administrados por Eletromidia e JCDecaux

Mobiliário urbano em São Paulo administrados por Eletromidia e JCDecaux (Crédito: Shutterstock)

Apenas dois consórcios de mídia têm licença para gerir e comercializar mobiliário urbano em São Paulo: Hora de São Paulo, representado pela marca JCDecaux (relógios de rua), e Pra SP, pela Eletromidia (abrigos de ônibus). A primeira empresa a vencer licitação pública pós-sanção da Lei Cidade Limpa foi a JCDecaux, em novembro de 2012, no consórcio denominado A Hora de São Paulo, formado pela empresa francesa JCDecaux, pela JCDecaux do Brasil S.A e pela Publicrono Exclusivas.

Pelo valor de R$ 71,05 milhões, o consórcio ficou responsável pela implantação e manutenção de mil relógios digitais de rua em 25 anos. O contrato vence em 2036 e a JCDecaux afirma ter duas mil faces publicitárias em relógios.

O contrato da Eletromidia foi herdado da Otima após a aquisição da empresa em 2022. Em 2013, o consórcio Pra SP, formado por Odebrecht, Rede Bandeirantes, Kalitera Engenharia e APMR,venceu a licitação no valor de R$ 172,5 milhões. Posteriormente, o consórcio criou a marca Otima. O acordo, de 25 anos, com vencimento em dezembro de 2037, inclui a instalação de até 14.700 totens indicativos de paradas de ônibus sem exploração publicitária e até 7,5 mil abrigos de paradas ou estações de embarque ou desembarque, independentemente de exploração publicitária. A Eletromidia conta com 3.846 faces publicitárias. Dessas, 1.046 são digitais.

Como ficam as concessões?

A possível aprovação do PL do vereador Nunes ou as medidas de flexibilização da Lei Cidade Limpa para a eventual criação de uma Times Square paulistana podem mudar o cenário competitivo entre empresas de OOH no espaço urbano da capital paulista. Porém, se aprovado, não está claro como se darão as concessões.

Para o vereador Nunes, essa decisão cabe à segunda fase do projeto. As empresas que mantêm as concessões podem querer renegociar os contratos vigentes, sugere Formigone, do Sepex-SP. “Acho legítimo, uma vez que a outorga paga pelas empresas vencedoras foi calculada em cenário onde não havia concorrência”, diz.

O interesse do mercado publicitário pelo incremento do mobiliário em São Paulo mobiliza todo o País. “As agências de publicidade fecharam seus departamentos dedicados à mídia exterior no período pós-sanção da lei e isso impactou financeiramente os veículos do Brasil todo. As empresas do mercado publicitário estão interessadas na volta de mais peças em São Paulo não somente porque querem operar na cidade, mas porque vai trazer atenção e dinheiro para todo o País e porque o mercado publicitário merece que o grande formato volte para São Paulo”, defende.

Eletromidia e JCDecaux se posicionam à favor da Lei Cidade Limpa

Eletromidia e JCDecaux destacam a transformação positiva provocada pela lei, que culminou no crescimento da participação do OOH no bolo publicitário, o qual dobrou nos últimos 18 anos, na geração de mais empregos e criação de campanhas com maior impacto e retorno. Para Ana Célia Biondi, CEO da JCDecaux Brasil, a legislação viabilizou melhora na qualidade dos contratos e dos equipamentos, o que permitiu que empresas investissem em serviços públicos financiados pela publicidade.

“A desorganização visual da cidade impedia que as empresas investissem no meio. Esse caos visual retirava todo valor da mídia OOH, não apenas no espaço público, mas também no privado”, aponta. A empresa argumenta que contribuir para melhorar a qualidade de vida do cidadão por meio do fornecimento de serviços de qualidade autofinanciados pela publicidade se torna inviável em cidades que não preservam e valorizam sua paisagem urbana.

A Eletromidia, em posicionamento enviado à reportagem, afirma que a clareza de regras em mercados organizados atraiu investimentos, qualificou a mão de obra e permitiu o desenvolvimento de novas tecnologias e métricas. Independentemente da regulação adotada, a empresa reitera o compromisso com soluções que fortaleçam o setor e contribuam com o futuro das cidades.

Como reagem os demais veículos de OOH?

Alguns players do mercado, sobretudo os que operam fora da capital, demonstram interesse na flexibilização, uma vez que a legislação vigente “restringe de forma estrutural a entrada de novas empresas no mercado”, segundo Felipe Davis, CEO da OOH Brasil. A empresa está em oito capitais do País. “Acreditamos em um novo modelo, mais democrático, transparente e responsável. Um modelo que integre estética urbana, inovação tecnológica, diversidade de operadores e compromissos públicos claros.”

A concentração da exploração publicitária por poucas empresas é um dos pontos levantados por empresários do setor. O chief commercial officer (CCO) da We OOH, Loli Argello, argumenta que é crucial que o debate não seja “cooptado por interesses de oligopólios já estabelecidos”. “Criar privilégios em uma metrópole como São Paulo é algo que, definitivamente, considero incorreto”, diz. Para o executivo, em qualquer cenário, as empresas que operam nesse espaço se beneficiam de uma relação com a iniciativa privada, com investimentos e fluxo de verbas publicitárias.

A Neooh, presente em aeroportos, terminais rodoviários e parques na capital, compreende que a modernização pautada em critérios responsáveis e melhores práticas possibilita evolução estruturada na cidade. “Pode representar uma oportunidade para São Paulo adotar modelos mais inteligentes, modernos e tecnológicos de mídia OOH, alinhados à realidade das grandes metrópoles globais”, diz o CEO, Leonardo Chebly.

Essa também é uma opinião da Kallas Mídia OOH que, apesar de não concordar com o teor do PL devido à carência de aprofundamentos e definições técnicas, acredita ser fundamental a modernização da legislação. “São Paulo, como cidade expoente do mercado publicitário nacional, ao se modernizar, trará benefícios a todo o mercado, não apenas à Kallas”, afirma o vice-presidente, Conrado Kallas.

Mas há exceções. Operadora dos painéis em terminais de ônibus, a RZK Digital é contrária à flexibilização, pois considera a lei um marco positivo na organização da paisagem urbana, que contribui para a valorização dos espaços públicos, a segurança da cidade e o bem-estar da população. “Antes de a lei ser promulgada, o mercado de OOH em São Paulo encontrava-se em estado caótico, poluindo a paisagem da cidade, geralmente com produtos que não tinham valor, e que, além do dano à paisagem urbana, desvalorizavam áreas e contribuíam muito pouco para as campanhas dos anunciantes”, argumenta o CEO, Paulo Queiroz.

Autora da Lei Cidade Limpa e presidente da Comissão de Proteção à Paisagem Urbana (CPPU), Regina Monteiro, também acredita que cabe a atualização para requalificar pontos da lei, o que inclui as evoluções tecnológicas do setor. A CPPU está aberta a receber os projetos e avaliá-los. “Estamos estudando, vamos ver o que quer dizer. Nada contra, nem a favor. A prefeitura que tem que dar o comando, entendeu? Agora, vamos ver o que as pessoas acham”, diz.