Alessandra Souza: o desafio de liderar o marketing automotivo
CMO da Stellantis na América do Sul aposta em marca, tecnologia e sustentabilidade para repensar a mobilidade

Alessandra Souza, CMO da Stellantis na América do Sul (Crédito: Arthur Nobre)
Formada pela Universidade de São Paulo (USP), Alessandra Souza descreve sua jornada profissional como errática — qualidade daquilo que se move de maneira irregular. Há 26 anos, ela ingressou na indústria automotiva na área de formação do Grupo PSA, ainda como Peugeot. Nesse período, passou por diversos setores: desenvolvimento de rede, qualidade, pesquisa e dados de mercado até o marketing. Em 2018, no entanto, foi convidada a atuar no departamento de desenvolvimento de negócio. “Eu fui literalmente para o coração das vendas para falar de estoque, de produção, importação, logística”, descreve.
Com o tempo, a missão envolveu também o B2B e a executiva seguiu respondendo pela mídia e e-commerce das marcas Citroën e Peugeot. Depois de um ano e meio, passou a responder como diretora de marketing de Peugeot, mantendo mídia e e-commerce de Citroën dentro do seu escopo. Durante esse período, a executiva se tornou responsável pela relação entre Brasil e Europa.
Em 2021, o Grupo PSA fundiu-se com a Fiat Chrysler Automobiles (FCA), criando o Grupo Stellantis. Alessandra foi head de experiência e digital na América Latina até receber a proposta de assumir um cargo global para a marca Fiat, na Itália, com o desafio de modernizar os canais digitais da marca. “Meu maior aprendizado, ali, não foi técnico. Foi de gestão de equipes e da minha capacidade de gerir pessoas. Foi contundente para me entender, do ponto de vista de gestora e da gestão da diversidade”, conta.
Depois de dois anos e meio, no início de 2025, veio a proposta para voltar ao Brasil como chief marketing officer da Stellantis na América do Sul. “Minha maior angústia é sempre como é que podemos pensar o que está vindo. Como nos colocamos nesse lugar de questionamento, de uma provocação saudável para não ficar acomodado”, diz.
Meio & Mensagem — Grande parte da sua carreira foi dedicada ao mercado automotivo. Quais foram as principais transformações de negócios e culturais que você viu no setor?
Alessandra Souza — São tantas coisas. Da entrada dos carros chineses, a surpresa sobre a eletrificação, a entrada de produtos mais modernos, a questão do design. Para nós, como business, foi muito contundente o fato de que o carro virou uma commodity em algum momento. Podemos criar várias teorias, mas as pessoas ainda são atreladas aos valores de marca, como aquilo me representa. A indústria tem olhado para isso com muito cuidado. Como é que, de alguma forma, criamos consistência no valor de marca, tirando o carro dessa comoditização apenas do equipamento, trazendo tecnologia? Há um tema forte para a indústria, que é a sustentabilidade. Como é que contribuímos para esse mundo futuro, no qual precisamos viver melhor em um planeta saudável, sustentável? Como é que fazemos parte desse outro lugar? Como contribuímos para sustentabilidade futura, ao mesmo tempo em que mantemos o negócio saudável? Acho que essa é a questão da mobilidade sempre.
M&M — O trabalho tem sofrido uma série de tensões com a ascensão da inteligência artificial (IA) e a chegada de novas gerações ao mercado. Como avalia o futuro do trabalho e a formação de talentos?
Alessandra — Vejo uma mudança radical no todo. Para a geração que está chegando, existe uma ilusão de liberdade sem responsabilidade. E, no modelo atual, tem uma ilusão de responsabilidade e ausência de liberdade. Tem uma junção que acontecerá onde teremos menos contratos sociais, mas teremos ligação com as empresas de acordo com nossas especialidades. Se você quiser trabalhar da meia-noite às 6h, não é um tema: você terá que entregar o job. A empresa do futuro estará muito ligada em cada indivíduo com a sua competência técnica. Será uma empresa muito mais especializada na gestão de pessoas do que, tecnicamente, em cada área, porque cada uma delas será pensada para entregar aquele trabalho. E vejo uma ausência de títulos. Olho para um futuro em que teremos mais uma visão colmeia do que hierárquica das estruturas organizacionais. Vejo um grande choque entre os modelos.
M&M — Em uma década, como imagina a evolução da presença feminina no mercado de trabalho?
Alessandra — Ela melhorou, mas ainda é muito tímida. Ponto. Melhorou nos aspectos mais baixos da pirâmide e um pouquinho no mid-level, mas no c-level, top level, essa melhora ainda é muito discreta. O mato é alto. Temos muito trabalho para fazer. E eu falo com muito orgulho, que eu tenho a felicidade e a sorte — porque tem que ter sorte nessa vida — de estar em um lugar que valoriza as mulheres. Na minha equipe, por exemplo, tenho 80% de liderança feminina. Aqui, nós temos esse ambiente mais aberto. Mas isso ainda é pouco. Realmente, ainda tem um caminho longo pela frente. Eu digo isso porque vemos a resistência que enfrentamos nestes lugares. Você entra, mas a resistência ainda é forte. E, por mais que você esteja lá, é como se ainda fôssemos um corpo estranho. Nossa presença, quando brilha muito, ainda incomoda, tem condicionamentos e vieses inconscientes. Eu sou sponsor do grupo de raça e falo isso com muita segurança. São mais de três séculos de desigualdades. O problema sobre o lugar da mulher começa na era feudal. Não serão resolvidos em dez anos. Mas isso não quer dizer que temos que parar agora, porque ainda é pouco. O meu trabalho é continuar, é mostrar quanto valor isso agrega, mesmo que eu tenha que fazer isso com mais esforço e puxar, identificar pessoas talentosas, mulheres negras, pessoas da comunidade LGBTQIA+ que também sofrem do mesmo tipo de preconceito, de estar em cargos e posições de liderança. Esse é o meu trabalho.