“A empatia é uma das tecnologias sociais mais importantes”
Carla Tieppo, neurocientista e CEO da Ilumne Consultoria, discorreu sobre a perda de vínculos e a importância do resgate da empatia nas esferas sociais e profissionais
Em um mundo social e corporativo marcado pela busca pela alta performance e tecnologias emergentes, há espaço para a criação do vínculo humano?
Foi a esse questionamento que a neurocientista e CEO da Ilumne Consultoria, Carla Tieppo, buscou responder sobre o palco da cerimônia de homenagem do Women to Watch 2025, no painel “Relações humanizadas e ocitocina” conduzido pela apresentadora Tati Machado. O evento ocorreu na última quarta-feira, 20.

A apresentadora Tati Machado subiu ao palco do W2W 2025 ao lado da neurocientista Carla Tieppo (Crédito: Máquina da Foto/Eduardo Lopes)
A ocitocina é popularmente conhecida como o “hormônio do amor”, mas também se mostra presente para nutrir amizades e afetos de forma geral, estando diretamente relacionada com a empatia que, por sua vez, é uma das possibilidades da criação de vínculos com as pessoas.
Na origem, pela definição da neurociência, somos empáticos por benefício próprio, em um movimento egóico, lembrou Carla. “É a partir da empatia que conseguimos reconhecer os modelos funcionais do outros e imitá-los. A partir disso, conseguimos agregar comportamentos que têm valor adaptativo para nós”, explicou.
Em linhas gerais, a empatia se manifesta sob dois fenômenos com estruturas distintas: a afetiva e a cognitiva, do modelo mental e pensamento holístico, entendendo como o outro pensa o mundo a partir de sua própria visão. A grande virada de chave é a busca da empatia ao se colocar na posição de doador, e não de beneficiado.
Efeitos colaterais da tecnologia
O mundo encara a contemporânea epidemia de solidão, que assola cerca de 16% das pessoas em todo o mundo, de acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS). Tendo as redes sociais como pano de fundo, Carla chamou a atenção para o movimento da busca pelo protagonismo exagerado e a centralização do ego.
Neste sentido, citou a dificuldade de se relacionar nos tempos atuais, uma vez que pessoas buscam controle total nos relacionamentos.
E da falta de controle, nasce a ameaça da inteligência artificial. Segundo Carla, estamos perdendo o monopólio da inteligência — e nos sentindo traídos por isso.
A empatia corporativa existe?
Assim como a IA, os ambientes corporativos também são construídos artificialmente. A neurocientista alerta para a romanização da empatia e do cuidado do outro e lembra que, de forma geral, ela não é uma prioridade das lideranças, sendo, até mesmo, terceirizada.
Mas ela entra como motor em situações como a construção de times, exercício da liderança, reconhecer pontos de contato de forma efetiva e dinamização de relações, o que acaba levando ao investimento. “A mudança de paradigma e perspectiva faz com que as pessoas tenham mais interesse em desenvolver a empatia, senão fica nesse lugar romântico, de que sou bonzinho, tenho carisma e sou altruísta com relação às pessoas”, disse.
“Não precisamos de nada disso para poder operar socialmente com qualidade. A empatia é uma das nossas tecnologias sociais mais importantes”, complementou. A CEO da Ilumne Consultoria ainda alertou para a criação de vínculos como o grande trunfo da humanidade — trunfo, este, que está sendo sucateado. Já o vínculo no trabalho, lembrou, é um recurso para operar na dificuldade.
Questionada sobre como manter a empatia em cenários de pressão extrema, como acontece em mercados como o de marketing e comunicação, Carla apontou que a entrega sob pressão tem menos qualidade do que a entrega pelo desejo.
“Fomos abominando o desejo porque ele parece nos deixar vulneráveis. O desejo é a fonte dos vícios, das impulsividades. Então, sempre achamos que o desejo é um mal na nossa vida. E aí, traduzimos para ‘propósito’, parar ficar fofo. É o seguinte: normalize esse propósito. Traz ele para o desejo e comece a trabalhar a entrega pelo resultado que esse time quer obter no cliente, na performance, na experiência e selecione as pessoas pelo desejo”, recomendou à audiência.
Já no que diz respeito às lideranças femininas, Carla propõe um olhar para arquétipos. Do ponto de vista do pragmatismo biológico, mulheres e homens são iguais até a puberdade, dada a falta de hormônios. A grande diferença está na cultura e na classificação de pessoas pelo gênero, em que mulheres recebem o estereótipo do cuidado, por exemplo.
“A expectativa da performance do feminino abala a gente, porque somos cobradas o tempo todo num lugar de que não somos potentes”, argumentou. “Existem mulheres que são mais masculinas no aspecto arquetípico. E isso não é demérito algum. Assim como existem homens que são mais femininos no aspecto arquetípico. E isso não é demérito nenhum, porque no fundo, na beirada da metanoia e daqui do alto dessa idade toda, eu posso dizer para vocês: no final você vai querer ser um pouco de tudo”, concluiu.
Neste sentido, acredita que lideranças devem ser maestros de emoções, que devem ser afinadas e trabalhadas de acordo com as necessidades, bem como das intenções. Ela pregou também a busca pela sensibilidade na emocionalidade do time, em um contexto em que, muitas vezes, os próprios líderes não contam com escuta emocional.
A visão do futuro
A convidada afirmou se manter otimista quanto ao cenário atual: “Eu sempre olho com otimismo, porque eu acho a nossa potência como sociedade muito grande. Já chegamos muito longe. Quem está olhando para o que estamos vivendo de forma pessimista não está entendendo, porque saímos de um lugar muito pior. A vida humana na Terra já foi muito difícil e desgastante”, defendeu.
Carla declarou que a abundância seja distribuída em prol de uma sociedade mais saudável. “Meu otimismo vem da abundância que podemos fazer com a tecnologia”, disse, apresentando contraposto do acúmulo de riqueza de bilionários donos de big techs, por exemplo.