Furando a bolha
Desempenho nas competições e conteúdo sobre bastidores impulsionam atletas como celebridades das redes sociais e parceiros das marcas
Desempenho nas competições e conteúdo sobre bastidores impulsionam atletas como celebridades das redes sociais e parceiros das marcas
2 de agosto de 2021 - 17h25
Há mais de 100 anos, exatamente no dia 3 de agosto de 1920, ano de sua estreia nos Jogos Olímpicos, o Brasil subia ao pódio olímpico pela primeira vez. Nesse dia, Guilherme Paraense conquistava a primeira medalha de ouro do País nas Olimpíadas, na categoria tiro esportivo, nos Jogos de Antuérpia, na Bélgica. Na semana passada, outro atleta entrou para a história do esporte brasileiro: Ítalo Ferreira, que começou a surfar em uma tampa de isopor usada pelo pai para guardar os peixes que eram vendidos à restaurantes da praia em Baía Formosa, no Rio grande do Norte, onde nasceu e mora até hoje. Ítalo tornou-se o primeiro campeão olímpico da história do surfe, recebendo a medalha de ouro ao derrotar o japonês Kanoa Igarashi nos Jogos Olímpicos de Tóquio 2020.
Diferentemente de Paraense, que realizou seu feito em uma época em que a internet nem sonhava em existir, Ítalo, além de ganhar um lugar nos livros de história, conquistou milhares de fãs nas redes sociais, jogando ainda mais luz em um dos esportes em que o Brasil é atualmente muito forte, com outros grandes atletas como Gabriel Medina, Silvana Lima, Tatiana Weston-Webb, Maya Gabeira e Filipe Toledo.
Também atual campeão mundial, Ítalo não foi o único atleta a ganhar o coração do público durante a Olimpíada de Tóquio 2020. Conhecida como fadinha, Rayssa Leal, de apenas 13 anos, conquistou milhares de fãs após se tornar a medalhista brasileira mais jovem da história dos jogos. Na semana passada, ela recebeu a medalha de prata na modalidade skate street, na estreia da categoria nas Olimpíadas. A estrela olímpica de Imperatriz, no Maranhão, conquistou milhões de seguidores no Instagram em questão de poucas horas após sua vitória e, atualmente, possui seis milhões.
O interessante é que a trajetória de Rayssa começou nas redes sociais. Em 2015, quando tinha seis anos, um vídeo da menina vestida de fadinha realizando uma difícil manobra, conhecida como heelflip, viralizou, sendo compartilhado até mesmo pela lenda do esporte Tony Hawk.
Esta edição atípica dos Jogos Olímpicos, sem público por conta da pandemia da Covid-19, e com uma torcida cada vez mais acostumada com a vida digital após mais de um ano dentro de casa, acabou criando o cenário perfeito para o surgimento de novos influenciadores no universo do esporte, como Rayssa e Ítalo. Com toda a exposição e a visibilidade da Olimpíada, num contexto de mídias sociais em ebulição, esportistas que antes eram conhecidos apenas por seu desempenho nas competições, passaram também a chamar a atenção do público e de marcas por suas personalidades e pelas causas que defendem.
Gustavo Almeida, diretor de produtos e relacionamento da MField, ressalta que essa Olimpíada talvez seja a mais digital da história tanto pela força que as redes sociais têm nos dias de hoje, quanto pela falta de público nas competições. “Os atletas que se atentarem a isso podem começar agora essa jornada do herói, para um desfecho bem legal daqui a quatro anos, mostrando toda sua preparação, o passo a passo, os desafios que ele enfrentará para conquistar o índice olímpico e contar essa história seria fantástico, além de uma grande oportunidade de ter um case de sucesso”.
Heróis nacionais
Assim como no surfe, a estreia do skate nas Olimpíadas chamou a atenção pela grande quantidade de atletas brasileiros. Além de Rayssa, Kelvin Hoefler, de 28 anos e nascido no Guarujá, litoral de São Paulo, conquistou a medalha de prata na modalidade street. Leticia Bufoni, seis vezes campeã dos X-Games, ficou na nona colocação nas eliminatórias dos Jogos de Tóquio 2020. Já Pamela Rosa, atual líder do ranking mundial de street, ficou na décima colocação.
“Ter esse reconhecimento do skate como esporte olímpico e estar ali participando com certeza vai somar muito positivamente para a minha carreira e de todos os skatistas”, comenta Leticia. Para ela, a partir de agora, a imagem do skate será outra e terá o posicionamento que merece. “Agora, o skate está sendo visto, de fato, como um esporte, como uma profissão, como uma modalidade inspiradora e aberta para todos os públicos, e como um potencial entretenimento para as pessoas”, ressalta.
Durante sua passagem pela Olimpíada de Tóquio, a skatista também ganhou seguidores nas redes sociais, chegando a quatro milhões no Instagram, e recebeu muitas mensagens de apoio e torcida dos fãs. “Ando de skate há 20 anos, em competições mundiais isso já acontecia, mas a estreia nos Jogos Olímpicos causou uma proporção muito maior e pelas redes sociais mais uma vez eu consegui estar um pouco mais próxima do público. Sempre quis ser para as meninas a referência feminina que eu não tive quando comecei a andar de skate, então, sinto que a Olimpíada deu mais um empurrão nesse sentido, inspirando pessoas e movimentando o mercado esportivo”, afirma. Leticia foi, inclusive, uma inspiração para fadinha que competiu ao seu lado na estreia da modalidade nos jogos.
Leticia entende esse papel de influência que exerce sobre seus seguidores. “Sempre recebi mensagens de crianças pedindo ajuda para convencer os pais a deixarem eles a andar de skate, e de pais me perguntando como ensinar os filhos. Acho importante ter essa consciência do papel de influência e responsabilidade sobre como se posicionar”, completa.
Para Ana Paula Passarelli, fundadora e COO da Brunch, o jogador, o artista, o cantor, a figura pública que habita a mídia e o entretenimento, como as Olimpíadas, acabam se tornando figuras quase que arquetípicas daquilo que as pessoas projetam e esperam, ou seja, tornam-se heróis, figuras emblemáticas e mitológicas. E, com as mídias sociais, essas figuras acabam ganhando proximidade com seu público que jamais tiveram antes.
“Quando vemos a Rayssa ganhando uma medalha de prata no skate, sendo uma das mais jovens atletas a ter ganhado uma medalha, inclusive, em um esporte no qual normalmente meninas não estão conectadas, não vemos só uma medalha ou uma criadora de conteúdo, vemos uma heroína, uma pessoa que está ganhando uma medalha em nome do nosso País”, analisa.
O diretor de produtos e relacionamento da MField, Gustavo Almeida, concorda com Ana Paula. “Nós temos os grandes atletas como grandes heróis, quando isso se desmistifica e o herói fica próximo do público, ele acaba se tornando popular e gente como a gente”, diz.
Apesar de não estar na Olimpíada como Rayssa, Gui Khury, de apenas 12 anos, também entrou para a história do skate na noite de sexta-feira, 16, ao completar o primeiro 1080º em uma competição vertical, ou seja, três giros no ar no halfpipe (pista em formato de U). Com essa manobra, o skatista curitibano se tornou o atleta mais novo da história a ganhar medalha de ouro no X-Games. Antes disso, Gui teve seu primeiro recorde aos 9 anos de idade, quando foi o mais jovem skatista a descer a mega rampa de Bob Burnquist, na Califórnia.
Assim como Leticia, Gui entende que atualmente as redes sociais são muito importantes para dar mais visibilidade ao atleta e ao esporte. “Vejo que isso está acontecendo comigo agora. Depois que ganhei ouro no X-Games, ganhei mais seguidores e isso pode me ajudar muito com a minha carreira de skatista”, opina. O medalhista revela que gosta de saber que está, de certa forma, influenciando outras pessoas a gostarem do skate. “Sempre recebo mensagens perguntando como foi o início, curiosos para saber como eu comecei tão novo e acho que quando compartilho minhas experiências, isso ajuda a motivar as pessoas a tentar e seguir os sonhos, independentemente da idade”, reforça.
Oportunidade para marcas
Nascido em Santa Bárbara d’Oeste, São Paulo, Douglas Souza, de 25 anos, primeiro jogador da seleção masculina brasileira de vôlei a se declarar gay, viralizou nas redes sociais após fazer postagens mostrando sua personalidade irreverente e os bastidores dos Jogos Olímpicos de Tóquio 2020 de forma bem-humorada. Em poucos dias, o ponteiro da seleção brasileira de vôlei chegou a 2,9 milhões de seguidores no Instagram.
Sua personalidade e sucesso nas redes acabou chamando a atenção da XP, que anunciou, na semana passada, que Douglas entrou para o Time XP, ao lado de Bruno Fratus (natação), Ricardo Lucarelli (também do vôlei), Mayra Aguiar (judô), Cristiane Rozeira (futebol), Sheilla Castro (vôlei) e Fernando Scherer, o Xuxa (ex-atleta da natação). A Mynd, que cuida com exclusividade da relação de Douglas Souza com marcas, foi a responsável por unir o atleta com a XP. A empresa é patrocinadora oficial do Comitê Olímpico do Brasil (COB) e do Time Brasil, com contrato que engloba, ainda, a Olimpíada de Inverno, em 2022, o Pan-Americano, em 2023, e os Jogos Olímpicos de Paris 2024.
Segundo Pethra Ferraz, diretora de marketing da XP, a escolha de Douglas foi motivada por seu sucesso nas redes sociais, mas não somente por isso. “Nos identificamos muito com o Douglas, principalmente com a questão do alto rendimento nas quadras e o grande espírito de equipe que ele transparece”. Pethra conta, ainda, que a companhia e o jogador estão criando ações em conjunto não apenas no período dos Jogos. “Vamos contar com o conteúdo divertido e irreverente que ele produz dos bastidores de Tóquio em nossa Arena XP nas redes sociais e conteúdos pós-período olímpico conectados com nosso mundo de investimentos, como um cliente XP”, reforça.
Para Ricardo Silvestre, fundador e CEO da Black Influence, assim como todo criador de conteúdo, o atleta que também trabalha com as redes sociais precisa buscar criar diálogos que façam sentido tanto para o seu público, quanto para as marcas que deseja atrair. “Acredito que o público dos atletas tem um interesse muito específico, seja pela personalidade do atleta, seja pelo esporte que ele pratica. Sendo assim, o conteúdo proposto por eles precisa atender a essas expectativas para que seus seguidores se fidelizem, engajem e percebam sinergia”, argumenta.
No caso de um atleta, Amanda Gomes, sócia e diretora da MAP Brasil, observa que as redes sociais contribuem bastante para a humanização de sua imagem, uma vez que ele compartilha conteúdos referentes ao seu dia a dia, como a rotina de treinos, os exercícios e a alimentação, como também a preparação e os bastidores das competições, e seus momentos de lazer. Victor Godoy, diretor artístico da MField, concorda com Amanda. “Postar sobre o dia a dia, agenda de jogos e competições ajuda muito o atleta a ganhar relevância e reconhecimento”, diz.
Apesar de concordar que os atletas têm essa particularidade de falar do dia a dia do esporte, para Mariana Campos, diretora artística da Mynd, o que o público busca mesmo é conhecer a vida pessoal deles e suas particularidades. “Não foi à toa o boom que o Douglas Souza teve. A repercussão do nome dele foi pela espontaneidade e personalidade divertida que ele tem. É com isso que as pessoas se identificam”, reforça.
Para criar diálogos que façam sentido tanto para o seu público quanto para as marcas, Silvestre, Amanda e Mariana concordam que os conteúdos produzidos pelos atletas devem ter sinergia com seu propósito, ser verdadeiros e genuínos. “Sempre falo que o importante é mostrar a sua verdade e ser uma pessoa interessante nas redes sociais. Se o atleta estiver ali comprometido em produzir conteúdo e interagir com o seu público, fica muito mais fácil de ganhar a atenção das pessoas e marcas”, ressalta a diretora artística da Mynd.
Tatianna Oliva, sócia e diretora da Cross Networking, pensa de forma semelhante. “Hoje, os interesses mudaram, muito mais que o seu lado profissional, as pessoas querem ver quem é o criador de conteúdo de verdade, conhecer sua rotina, preparação para treinos e seus hobbies. É compartilhar algo que fará a diferença para quem está consumindo o seu conteúdo”, indica.
Um diferencial é necessário para qualquer criador de conteúdo que queira se destacar diante do segmento, segundo Amanda Gomes, sócia e diretora da MAP Brasil. “É importante sempre inovar e trazer diferenciais que atraiam a atenção do seu público, porém, o ponto mais importante a ser levado em consideração é a verdade transmitida por meio de suas redes, pois é necessário conhecer o seu público, e entender o que ele quer consumir, pois esse ponto é importante para manter a sua base engajada, e também para atrair o olhar de marcas”.
“Trabalhar com atletas traz reputação e credibilidade muito importante para as marcas”, observa Mariana Campos, diretora artística da Mynd, ressaltando que quando marcas sabem se conectar verdadeiramente com o atleta e o apoiar, essa verdade aparece para os consumidores. A diretora afirma, ainda, que marcas que conseguem o melhor dos dois mundos de um atleta que esteja na mídia, alcance e credibilidade, têm uma vantagem competitiva muito grande frente seus concorrentes.
Ana Paula Passarelli, fundadora e COO da Brunch, ressalta que além de investir em atletas como garotos-propaganda, as marcas precisam apoiar programas de incentivo ao esporte no Brasil e investir nos atletas como grandes mentores desses projetos, ainda mais em um País que tem tanta defasagem de investimento esportivo. “É entender que eles podem ser um grande vetor de mudança para os jovens que querem ser atletas, não só como garotos–propaganda, mas sendo um grande mentor dessa geração inteira que tanto precisa de grandes modelos para seguir”, sugere.
“É uma oportunidade para as marcas serem verdadeiras investidoras do esporte que, como um todo, não só comunica valores como resiliência, colaboração e respeito, como também cria novas perspectivas de futuro mais plurais e inclusivas”, afirma Amanda, da MAP Brasil.
Gestão de imagem
Um pouco diferente da maioria dos grandes influenciadores digitais, Leticia Bufoni é a responsável pela gestão de suas redes sociais. “Sempre quis manter um relacionamento próximo com meus fãs, compartilhando conteúdos que passassem a realidade do meu trabalho e estilo de vida”, revela. As redes da skatista também têm conteúdo mais personalizado, desenvolvido por seus patrocinadores ou marcas que fecham trabalhos pontuais com a atleta. Apesar disso, Leticia reforça que gosta de mostrar em tempo real o que está fazendo, o esporte que está praticando, o lugar para onde está viajando e os meus amigos que também são atletas. “Durante a Olimpíada, convivi muito tempo com a Rayssa, por exemplo, e o público adorou e se envolveu muito bem ao ver de perto a nossa parceria, a amizade que temos e as brincadeiras que fazíamos”, destaca.
Por ser menor de idade, quem ajuda o jovem medalhista de ouro dos X-Games, Gui Khury, a gerir suas redes sociais é sua mãe. “Ela que faz a maioria dos meus vídeos e fotos e que me ajuda a pensar nos conteúdos para postar”, conta. Assim como Leticia, Gui ressalta que os conteúdos orgânicos são os mais legais. “Tentamos postar as coisas que vão acontecendo no meu dia a dia também”.
Apesar do atleta estar cada vez mais próximo de seu público pelas redes sociais, virando influenciador digital, o esporte continua sendo a sua carreira. Dessa forma, Tatianna, da Cross Networking, enfatiza que potenciais marcas e empresas que queiram se associar a sua imagem, precisam trazer um olhar mais profissional para o conteúdo transmitido, uma vez que é preciso entender o público para o qual ele está se comunicando.
“Acredito que o atleta necessita de um cuidado especial na produção de conteúdo, uma vez que ele já possui uma imagem pública, e o tom errado de qualquer coisa pode gerar uma possível polêmica ou burburinho”, ressalta, Amanda, sócia e diretora da MAP Brasil, concordando com Tatianna. A diretora afirma, ainda, que esse cuidado se deve ao fato de o atleta ter uma base de seguidores mais diversa, tanto em idade quanto em gênero, que requer que ele tenha uma linha de comunicação que converse bem com esse público. Assim como observado por Amanda, Ana Paula, da Brunch, entende que uma campanha malfeita ou um deslize na gestão de imagem desse atleta pode impactar, não só a sua figura pública, mas a sua carreira esportiva que demorou tantos anos para ser construída.
Neste contexto, é importante que as marcas tenham consciência de que os atletas, antes de serem figuras públicas, são seres humanos passíveis de erro, enfatiza Tatianna. Ricardo Silvestre, fundador da Black Influence, acredita que as marcas já entenderam que o erro é possível a todos e, sendo assim, buscam perfis que atendam às suas expectativas além das suas necessidades de entregas. “O cuidado na escolha do influenciador, uma pesquisa acerca do conteúdo criado e o histórico do criador deve ser levado em consideração na escolha por representantes e embaixadores. Vivemos o auge da cultura do cancelamento e, neste sentido, notamos uma preocupação extra das marcas em se aproximar de novos nomes”, reforça.
Após ter esse cuidado na escolha do atleta que será representante de suas marcas, Victor Godoy, diretor artístico da MField, afirma que as empresas precisam entrar na vida do atleta, entender os altos e baixos e que eles são responsáveis pela exposição também. “Toda marca precisa entender a rotina dos atletas de alto nível e, sobretudo, entender o que são, atletas, onde existe uma carga de responsabilidade enorme ao se relacionar com produtos. Marcas e atletas precisam estar 100% contextualizados e alinhados”, completa. Gustavo Almeida, diretor de produtos e relacionamento da MField, concorda com Godoy. “Sempre será uma aposta confiar sua marca a um atleta, esperando um bom desempenho dele, mas a marca que abraçar bem a carreira de determinado atleta, pode ajudar nessa construção conjunta para que o atleta chegue no nível que ela deseja de exposição”.
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