Algoritmos da discórdia

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Algoritmos da discórdia

Em lados opostos na batalha do PL das Fake News, plataformas digitais e produtores de conteúdo jornalístico vivem em codependência nos ambientes onde as pessoas mais se relacionam, se informam e consomem


9 de maio de 2023 - 15h00

Dados algoritmos influenciam na opinião, no comportamento e no consumo das pessoas. (Créditos: Pixabay/Pexels)

Regulamentar posteriormente uma atividade já estabelecida não é simples. Menos, ainda, instituir novas regras para a publicação e moderação de conteúdo pelas plataformas digitais usadas por milhões de pessoas, que passam boa parte de seus dias em redes sociais, aplicativos de troca de mensagens e ferramentas de busca na internet, onde se relacionam, se informam e consomem. No Brasil, o viés político, motivado pela influência da disseminação de notícias falsas nos processos eleitorais, ganhou protagonismo nesse debate nos últimos anos quando especialmente as escolhas de presidentes da República revelaram um País dividido e polarizado como nunca antes registrado.

A polarização e os grupos de pressão sobre a opinião pública voltaram fortemente à tona na semana passada, quando a Câmara dos Deputados se preparava para votar o Projeto de Lei número 2.630/2020, que pretende instituir a Lei Brasileira de Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet, apelidado de PL das Fake News. Seus defensores creem que o texto contribui com o combate à desinformação, inibe discursos de ódio e a proliferação de conteúdos criminosos. Já os haters o chamam de PL da Censura, para ressaltar os riscos que enxergam para a liberdade de expressão.

Entre pontos controversos, o projeto abre a possibilidade de as plataformas digitais serem responsabilizadas por conteúdos produzidos por terceiros, terem de pagar pelo material jornalístico que replicam e, ainda, deixa em aberto outra questão sem consenso sobre a entidade que teria o poder fiscalizador. Tudo somado, a nova lei aumenta as responsabilidades das empresas donas das plataformas digitais e diminui seus lucros.

Embora ressalte que compartilha com o atual governo o objetivo de combater a desinformação, e reconheça que o fortalecimento do jornalismo de qualidade é uma parte importante desse esforço, o Google, em postura mais aguerrida do que a habitual, chamou para si o protagonismo público no grupo contrário ao texto do projeto ao investir em uma campanha de marketing, que incluiu anúncios em veículos tradicionais, como rádios e jornais, e em mídia digital, incluindo suas próprias plataformas e redes sociais. Um dos pontos mais polêmicos da estratégia foi a veiculação na home do buscador, sem a devida identificação de se tratar de ação publicitária, de um link para texto da empresa contra pontos do Projeto de Lei — retirado após determinação do Ministério da Justiça. A manifestação do Google alerta, entre outros itens, para a restrição da capacidade das plataformas de remover conteúdo publicado por fontes supostamente jornalísticas.

Apesar de questionada por analistas, a movimentação engrossada pelo Google alcançou o objetivo inicial pretendido: com a latente fragilidade da base governista na Câmara apontando para provável derrota dos apoiadores do PL, o presidente da casa, Arthur Lira (PP-AL), adiou a votação do texto prevista para terça-feira passada, dia 2 — vulnerabilidade de articulação comprovada no dia seguinte, quando foram derrubados trechos de decretos do presidente Lula que alteraram a regulamentação do marco legal do saneamento básico.

Embora seja muito difícil enxergar consenso quando a polarização se instala, há evidente troca de valor entre as plataformas digitais e os produtores de conteúdo jornalístico profissional. Os sites de notícias precisam do tráfego gerado pelos buscadores e agregadores para atrair a audiência que monetiza suas páginas, seja com publicidade ou assinaturas. E, nesse contexto, a publicidade digital tem importância não somente como principal financiadora de ambos, plataformas e produtores, mas também como parte interessada no PL. Além disso, é preciso situar a discussão brasileira no cenário global de rearranjo das big techs, que inclui desde reduções nas equipes até receitas publicitárias em velocidade mais lenta. Um contexto já tenso, que esbarra agora em possíveis regulações aos algoritmos que influenciam a opinião, o comportamento e o consumo das pessoas.

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