Amazônia e o poder do branding
Conectando a floresta ao mundo, e isso passa por responsabilidade, respeito e muito cuidado com estereótipos e greenwashing.
Conectando a floresta ao mundo, e isso passa por responsabilidade, respeito e muito cuidado com estereótipos e greenwashing.
No mês de setembro celebramos o Dia da Amazônia. A cada ano, a data é uma oportunidade não apenas para honrar essa região vital, mas também para reconhecer o fato de que, recentemente, ela voltou a ser uma prioridade governamental e tem sido destaque em eventos como a Climate Week em Nova York.
Nestes últimos anos pude conhecer empreendedores amazônicos e suas marcas. Junto com aqueles que compartilham dessa jornada, me apaixonei pelos produtos, negócios e desafios que enfrentam. Por suas lutas, seus propósitos, seus impactos e suas dificuldades. E entendi que todos têm algo em comum – não precisam inventar uma história, seu storytelling é de verdade.
A ironia começa aqui: enquanto grandes marcas com orçamentos milionários de marketing buscam “ações ESG” e tentam criar ativações que, dada a proporcionalidade, se mostram irrelevantes em termos de impacto, vemos inúmeras iniciativas brotando no seio da floresta que podem ajudar a resolver questões cruciais para o futuro do planeta. No entanto, essas iniciativas frequentemente carecem de escala e visibilidade.
Vamos voltar um pouco no tempo, para 2019, quando eu era uma entre milhões de brasileiros que nunca haviam explorado a Amazônia. Quando falo Amazônia, me refiro a Amazônia legal, que compreende nove estados e ocupa 60% do nosso território, o que só torna o fato ainda mais grave. E não era por falta de vontade ou curiosidade. Por ser distante ou complexo, a Amazônia não apareceria como prioridade nos meus roteiros de viagem. Até que, naquele ano, fui convidada para participar de um Lab em Manaus, que abordaria “Os desafios de logística e comercialização para os produtos da sociobiodiversidade”.
Já fui me sentindo um peixe fora d’água, não conhecia a região, não entendia nada de logística e nunca trabalhei com comercialização de produtos. Chegando lá, havia um grupo de pessoas das mais diversas organizações, entre ONGs, governos, marcas de produtores locais, grandes empresas de logística e de outros segmentos. Eu não conhecia praticamente ninguém e me senti mal ao pensar que não teria como contribuir. Uma impostora naquele encontro de gente cheia de questões reais para resolver.
No decorrer do dia fui conhecendo os enormes desafios locais, incluindo a desbancarização, as gigantescas distâncias, a falta de estradas, de infraestrutura, de internet, de capacitação técnica, de acesso a mercado. Percebi também a falta de visão de marketing e de construção de marcas. Mas vi também que lá havia uma oportunidade de cada um se apoiar para criar algo maior, e isso passava também por branding.
O Lab ainda teria um segundo encontro em Manaus e, quem diria, ainda naquele ano, eu iria uma terceira vez para o Amazonas. Senti na pele as dificuldades de logística da região – tivemos que pegar sete modais diferentes para chegar em Nova Olinda do Norte, de onde pegaríamos mais um barco para visitar uma plantação de cacau a beira rio. E acabei indo duas vezes para o Pará como destino de férias. Vi o quanto aquele lugar era fascinante – nem tão longe, nem tão impossível de chegar, afinal. Valia a pena. E que pena que nem todo mundo sabia disso.
E por que será que pouco sabemos? É bem verdade que aqueles que buscam empreender e reinventar a lógica na Amazônia precisam, sim, de muito suporte. Mas o branding pode ser também uma ferramenta valiosa para aumentar sua visibilidade e relevância. Diante dos desafios que já foram mencionados aqui, até pode parecer que o branding é somente um cosmético. De que adianta, porém, darmos capacitação técnica, programas de apoio e aceleração se os produtos não se tornarem desejáveis, se não conseguirem comunicar suas incríveis histórias e se não chegarem a diversos mercados?
Floriana Breyer, ex-consultora do Climate Ventures que capitaneou o projeto “Amazônia em casa, floresta em pé”, um dos mais exitosos oriundos do Lab desde 2019, ressalta: “O branding é extremamente importante! Não podemos abrir caminhos para o mercado, que é nosso objetivo, sem fortalecer as marcas e mensagens que traduzam o valor agregado dos produtos e do impacto que elas estão gerando na ponta”.
Outra ironia: o fato de hoje a Amazônia ser uma das principais marcas do país, com altíssima visibilidade em todo o planeta, no bom e no mau sentido. Se por um lado produtos se apropriam da Amazônia já carregando em si uma série de atributos positivos, como impacto, preservação, saudabilidade, misticismo e ancestralidade, por outro também podem receber atributos como desmatamento, grilagem, ilegalidade e violência contra os povos originários.
E, nesse sentido, é preciso trabalhar a marca Amazônia como um todo. E isso passa por responsabilidade, respeito e muito cuidado com estereótipos e greenwashing. Passa também pela necessidade de se criar um olhar mais positivo, mais cool. Não queremos que as pessoas comprem a “marca Amazônia” por caridade, seguindo uma visão assistencialista e colonialista, e sim por orgulho e por suas inegáveis qualidades.
Marcia Soares, do Fundo Vale, que há treze anos fomenta e investe em projetos de impacto socioambiental na região, enfatiza a importância de se mudar a cultura e tornar a floresta amazônica uma fonte de orgulho. Para ela, é essencial que as marcas sejam capazes de comunicar seu valor de forma eficaz. “Deveríamos ter orgulho da floresta e ter produtos dela em nossas prateleiras, em casa”, defende, “mas isso envolve mudança de cultura, e aí o papel do branding é muito representativo, em usar estratégias de comunicação para envolver, seduzir, mobilizar corações e realmente mostrar o valor que estas marcas estão trazendo.”
Felizmente, a noção de como o branding pode ser uma ferramenta de impulsionamento das marcas amazônicas vem evoluindo. Hoje vemos que pessoas que atuam lá há quase vinte anos, como Mariano Cenamo, fundador do Idesam e CEO da AMAZ, reconhecem a importância do branding para transmitir a verdade da região. “Um dos grandes desafios que os negócios da Amazônia enfrentam é aproveitar a oportunidade e o enorme interesse das pessoas em geral, que se preocupam com a região. É preciso transmitir, pelas marcas, o valor do ecossistema de negócios de impacto para resolver problemas sociais e ambientais relevantes”, explica Cenamo.
Oportunidades de apoio não faltam. O que falta é boa vontade e diretrizes mais claras dentro das empresas sobre como impulsionar a bioeconomia. No país onde o agro é pop, precisamos de estratégias mais claras sobre como cada setor da economia que atua direta ou indiretamente na Amazônia deve se posicionar e impulsionar soluções de negócios sustentáveis que acabarão por impactar positivamente suas próprias cadeias de valor.
Como atores do segmento de comunicação, podemos fazer parte disso também, por meio de capacitações, projetos pro bono, projetos com valores subsidiados, projetos em parceria financiados por organizações filantrópicas de fomento. O importante é pensar em como dar acesso a essas importantes ferramentas para os empreendedores da sociobiodiversidade que, a duras penas, mostram que é possível criar valor e manter a floresta em pé. É claro que queremos ver esses negócios escalando e se tornando autossuficientes, mas um empurrãozinho pode ajudar e muito.
“Num contexto em que você não tem empresas especializadas em branding na região, principalmente com foco nesse estágio inicial dos negócios, é muito valioso ter acesso a bons parceiros”, reivindica Mariano Cenamo.
Não à toa, nesses últimos anos também vimos a maior parte das premiações de branding e design criarem categorias ligadas a impacto socioambiental. É evidente que os negócios terão de assumir seu papel na sociedade e isso deve estar refletido nas suas marcas. Mas fica o convite para todos nós, especialistas em comunicação: como vamos contribuir com essa mudança positiva?
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