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Opinião

Ativismo e marketing

A desorientação e a falta de habilidade e lastro das corporações para lidar com o racismo são uma consequência lógica de suas trajetórias e valores, assim como do desenvolvimento da nossa sociedade


8 de junho de 2020 - 9h46

Nike foi cobrada pelos consumidores a praticar no perfil de suas próprias equipes e diretores a igualdade que prega em campanhas publicitárias (Crédito: Reprodução)

O brutal assassinato de George Floyd — asfixiado até a morte, ao longo de oito minutos, por um golpe de joelho do policial Derek Chauvin, pressionando o seu pescoço contra o asfalto, onde estava deitado e já sob custódia — motivou os maiores protestos contra o racismo em 50 anos.

Assim como as cenas de covardia e barbárie, as manifestações extrapolaram as fronteiras americanas e as páginas policiais, ganhando as ruas de várias grandes cidades do mundo, provocando debates e reflexões entre os mais diversos setores da sociedade.

Peças intrínsecas da cultura contemporânea, a partir da qual alimentam a construção de sua imagem e à qual ajudam a fomentar por meio da influência que exercem como agentes de identidade, marcas de variados segmentos tornaram públicos seus posicionamentos.

Algumas delas, como a Nike, agiram de maneira orgânica e rápida. A intimidade que a empresa de artigos esportivos tem com o tema confere mais segurança e assertividade quando é preciso construir uma mensagem que não seja meramente oportunista, uma vez que esse vínculo foi estabelecido ao longo de anos e tal propósito passou a fazer parte, inclusive, da estratégia holística para seus negócios, em anos recentes. Nada disso, porém, foi o bastante para deixar a marca imune às cobranças para praticar no perfil de suas próprias equipes e diretores a igualdade que prega em campanhas publicitárias, como demonstram alguns comentários em suas publicações.

A exposição de outras companhias com menos propriedade para falar do tema do que a Nike foi significativamente maior, acusadas de recorrerem ao ativismo como mera ferramenta de marketing. Outras, hesitantes, optaram pelo manual tradicional da comunicação e não se manifestaram, sob a premissa de que o assunto ia além de suas supostas áreas de atuação, ignorando tanto que questões como o racismo são de responsabilidade de todos os atores sociais quanto a própria evolução do zeitgeist — mais do que anúncios, as atitudes corporativas da porta para dentro passam a determinar as escolhas nos pontos de venda de cidadãos críticos e com poder de compra o suficiente para tornar o alinhamento de ideias um fator de decisão mais importante do que o preço em si.

A desorientação e a falta de habilidade e lastro das grandes companhias para lidar com o assunto são uma consequência lógica de suas trajetórias e valores, assim como do desenvolvimento da nossa sociedade, como ressalta Samantha Almeida, head de conteúdo da Ogilvy, aos repórteres Salvador Strano e Thaís Monteiro, que assinam a matéria de capa da edição semanal de Meio & Mensagem, também disponível no Acervo.

“As marcas e as empresas são ferramentas históricas da manutenção e reprodução do racismo estrutural. Esse mesmo racismo, que, ao extremo, mata em praça pública, está internalizado nas contratações das empresas”, afirma a executiva, abordando a necessidade de companhias darem o exemplo em suas operações antes de condenarem o racismo na comunicação.

Tal debate segue deveras defasado no Brasil: não deixa de ser emblemático que, por aqui, para abordar o tema, as marcas ainda precisem importar casos de violência racial registrados a milhares de quilômetros, nos Estados Unidos, quando acontecem diariamente a uma distância que pode ser percorrida a pé — a morte do menino João Pedro, em São Gonçalo, no Rio de Janeiro, ocorreu uma semana antes do assassinato de Floyd, em Minneapolis.

*Crédito da foto no topo: Eugenesergeev/ iStock

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