14 de novembro de 2023 - 14h00
Não restam dúvidas de que a redução das emissões de gases de efeito estufa na atmosfera tem sido um dos principais desafios enfrentados na atualidade por indivíduos, empresas e governos comprometidos em refrear o acelerado processo de aquecimento de global, que segue em curso desde meados do século XVIII, quando o mundo assistiu à eclosão da Revolução Industrial. De lá para cá, passaram-se cerca de 250 anos e a temperatura média do planeta já sofreu uma alta de 1,1°C.
Caso as emissões sigam seu ritmo atual, a estimativa é de que esse aumento atinja a casa dos 2,4ºC em 2050 e 4,4°C até 2100. Diante da gravidade e da urgência da situação, os países e blocos comerciais responsáveis por grande parte das emissões globais, como EUA e União Europeia, se comprometeram em zerá-las até o ano de 2050, em conformidade com as metas estabelecidas pelo Painel Intergovernamental para a Mudança de Clima (IPCC) da Organização das Nações Unidas (ONU) e pelo Acordo de Paris, assinado em 2015.
Se cumprido, esse compromisso, popularmente conhecido como “net zero” (abreviação de net zero carbon emissions, ou “zero emissões líquidas de carbono”, em tradução livre do inglês), deve estabilizar o aquecimento global em 1,6°C, ainda no meio deste século, podendo reduzi-lo para 1,4°C até o fim de 2100. No entanto, para chegar até aí, é preciso enfrentar um intrincado processo de transição, que envolve não só uma revisão das formas como produzimos, consumimos e nos deslocamos, mas também uma transformação de praticamente todos os princípios nos quais os mais diversos setores econômicos e sociais vêm se baseando, ao longo dos últimos séculos.
Recentemente, temos assistido ao surgimento de diversas inovações, como os processos de captura e armazenamento de carbono (CCS) e a produção de proteínas alternativas, com potencial para tornarem-se divisores de águas no cumprimento das metas net zero. Pensando nisso, me parece razoável também incluir nesse rol a inteligência artificial.
É bem verdade que as tecnologias da informação e comunicação (TICs) já foram apontadas como responsáveis por um volume que corresponde a algo entre 3% e 4% do total de emissões globais de gases de efeito de estufa, de acordo com organizações como Boston Consulting Group (BCG) e o think thank The Shift Project. E isso, em grande parte, por conta do alto consumo de água e energia pelos data centers, cuja expansão está diretamente ligada ao treinamento e execução dos novos modelos de linguagem que o avanço da IA tem apresentado ao mercado.
No entanto, em paralelo a esse desafio enfrentado pelas empresas de tecnologia – que vêm se deparando com a necessidade de limitar os impactos ambientais decorrentes do aprimoramento dos recursos de inteligência artificial –, não há como ignorar os benefícios que as aplicações de IA têm trazido para o cumprimento das metas net zero, em diversos segmentos de mercado.
Um deles é o setor energético, que tem realizado investimentos significativos em tecnologias de machine learning, conectando usinas a sensores e desenvolvendo parques eólicos com turbinas interconectadas, além de redes inteligentes, capazes de estabelecer um maior equilíbrio entre a oferta e a demanda local de eletricidade. A melhoria da eficiência energética de edifícios também vem sendo beneficiada pela inteligência artificial, por meio de sistemas de monitoramento baseados em IA, capazes de identificar e analisar os padrões de utilização de eletricidade.
Com a ajuda dessa tecnologia, esses padrões podem ser ajustados para otimizar o consumo dos moradores e frequentadores do imóvel e os sistemas de aquecimento, ventilação e iluminação controlados de acordo com as condições climáticas locais. Há, ainda, aplicações de IA capazes de prever a demanda futura de eletricidade em um prédio, a partir da análise de dados e padrões de consumo por modelos de machine learning.
Assim, torna-se possível ajustar a configuração geral do imóvel de maneira consciente e produtiva, além de auxiliar na tomada de decisão para a redução de gastos com energia. Tudo isso aporta grande valor para tornar os edifícios mais eficientes, tendo em mente que, só no ano de 2022, a manutenção do funcionamento de prédios contribuiu com cerca de 26% das emissões globais relacionadas ao consumo de eletricidade, segundo a Agência Internacional de Energia (IEA).
Como se vê, é certo que nem a inteligência artificial, nem qualquer outra tecnologia digital isolada, será capaz de oferecer uma solução universal para a transição energética e para o cumprimento das metas net zero. Entretanto, somada a outras iniciativas e a uma revisão mais ampla da forma como lidamos com o meio ambiente, não há dúvidas de que a IA desponta como uma importante facilitadora para alcançarmos um modo de vida mais sustentável.