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Opinião

Dependência de big techs é um negócio de alto risco

A vida digital agora passa, necessariamente, por Google, Facebook e outras marcas que há poucos anos eram desconhecidas, e isso tem influência perigosa sobre a estratégia digital dos meios de comunicação


20 de abril de 2023 - 6h00

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A estratégia digital dos meios de comunicação não pode ser dependente das big techs (Crédito: Divulgação)

Foi acontecendo aos poucos, sem que alguém se desse conta. De repente, a vida digital agora passa, necessariamente, por Google, Facebook e outras marcas que há poucos anos eram totalmente desconhecidas. Essas empresas – que se autoconsideram “de tecnologia” – são enormes bancos de dados e algoritmos que não produzem conteúdo. Mas ninguém oferece tanto conteúdo como elas. Lançam produtos “grátis” que “resolvem” problemas da audiência e das empresas, embora fiquem com o que acaba sendo a moeda mais valiosa: o conhecimento do cliente.

Verdade que o trabalho foi extremamente bem feito. Uma aula de ganhar confiança e dependência sem fazer carnaval com isso.

E-mail? Tem. Carteira digital? Sim, tem. Mapas com GPS? Tem também. Agenda? Claro. Até protocolo de comunicação para falar com outro país sem pagar, ferramentas para escolas, buscas segmentadas, análise de audiência, kit para criação de sites e blogs, plataforma de venda de publicidade e tantas outras coisas. O mix perfeito. E ainda as redes sociais, os programas de troca de mensagens instantâneas, tudo o que o ser humano moderno acostumou-se a ter ao alcance das mãos – com o auxílio de um smartphone.

Só que nada disso teria sucesso sem os conteúdos produzidos por empresas jornalísticas do mundo inteiro. São as notícias que ajudam a dinamizar o uso das ferramentas – ainda que as big techs jurem que conteúdo jornalístico represente menos de 5% do volume de conteúdos. As novidades, o bizarro, a curiosidade. Só que as donas das ferramentas não fazem jornalismo, preferem utilizar conteúdos de quem se dedica exclusivamente a essa tarefa – as empresas de comunicação. E pouco oferecem em troca: alguns trocados por publicidade programática e um apoio esporádico a iniciativas inovadoras, cada vez mais difíceis de se conseguir. Difícil essa relação.

No modelo de negócios tradicional de um jornal impresso, por exemplo, o encontro físico de um exemplar com um leitor se dá por bancas, jornaleiros/gazeteiros e entregadores (para assinantes). São intermediários que executam uma função mecânica, por remuneração. O conhecimento do assinante, por exemplo, é da empresa jornalística (ainda que historicamente poucos tenham dado valor a isso), o intermediário apenas efetua a entrega.

Uma hipótese absurda: Se um dia os donos de bancas, os gazeteiros e os entregadores dissessem aos executivos das empresas “Vamos entregar os exemplares de graça”, com o olhar de desconfiança, mas de olho na economia imediata, a maioria das empresas diria sim – para economizar as comissões, cerca de 30% do valor de face de cada exemplar. Uma resposta sem pensar muito.

Só que esse “pool” começaria a coletar dados dos leitores, para quem entregaria os jornais: nível de vida, hábitos de leitura, hobbies, profissão, clube etc. Aí decidiriam ir mais além: combinariam com os donos dos jornais de também vender publicidade (por que não?), em uma fórmula mágica: os donos oferecem um espaço nas páginas – sem se importar em quem seria o anunciante – e o time da entrega vende, para clientes seus. Por exemplo: meia página da 3, um quarto de página na 5, toda a página 6, e por aí vai. Oferece espaço em branco, o “pool” entrega publicidade. Tudo pareceria um mundo de sonhos, exceto por um detalhe: ao dominar o conhecimento da audiência e a relação com os anunciantes, quem começaria a colocar regras seria o “pool”.

O preço, por exemplo. O valor que seria repassado ao jornal. A ordem de distribuição dos produtos também, já que o grupo trabalha com quase todos os jornais do país. Mais: aquele anunciante histórico do jornal se daria conta de que poderia colocar anúncio no mesmo jornal pagando a metade, através da empresa dos ex-entregadores. E o anúncio sairia na mesma página, sem qualquer diferença. Opa!

Para a tempestade ficar perfeita, o “pool” decidiria criar pequenos informativos feitos sob medida para cada leitor. O conteúdo, claro, viria dos jornais tradicionais, que seriam remunerados como o “pool” decidir. O passo seguinte seria fácil de prever: em pouco tempo, as marcas deixariam de ser necessárias. O leitor já não consideraria comprar um exemplar da velha marca, já que o “novo jornal” teria tudo o que ele precisa – ou acha que precisa. Dominando a distribuição, o conhecimento do cliente e ainda vendendo publicidade e montando novos produtos com conteúdo alheio, os intermediários aos poucos matariam a razão de existir das empresas tradicionais. Essas, rapidamente, deixariam de ser reconhecidas pelos leitores, evaporando a reputação e a relevância construídas por anos.

Ufa, que bom que se trata apenas de uma suposição. No mundo impresso nem as centrais de anúncios (brokers, tão atuantes em toda a América Latina) funcionaram no Brasil – por determinação, é verdade, dos grupos poderosos da época. Só que a estratégia das big techs hoje é muito mais forte, mais organizada, mais perigosa e sem margem de negociação desde que conquistaram a audiência com ferramentas aparentemente gratuitas.

Se há algo mais claro que água límpida hoje é que a estratégia digital dos meios de comunicação não pode ser dependente das big techs. Sem entrar no mérito dos conteúdos fakes que as gigantes propagam e distribuem, sem se importar, o negócio construído por terceiros, onde o veículo não tem gestão do relacionamento, do conhecimento e da precificação, é uma tremenda furada.

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