2 de julho de 2025 - 6h00
De gafanhotos a javalis, a história recente da humanidade é repleta de pragas. Pois uma nova está chegando com força, embora muitos ainda não tenham percebido. Talvez porque, diferentemente dos animais que devastam plantações, os novos sejam “discretos e silenciosos”, como diria Jorge Ben Jor. Porém, ao contrário dos alquimistas, eles já estão morando bem perto dos homens: os textos escritos por inteligência artificial e publicados nos mais diversos canais.
É uma verdadeira infestação. De abordagens comerciais via LinkedIn feitas a rodo e e-mails com linguagem robotizada (a exemplo do clássico “Espero que esta mensagem lhe encontre bem”) até artigos de opinião sem qualquer traço de personalidade. Fomos de um extremo a outro em pouquíssimo tempo: se antes as pessoas tinham inibição de escrever, agora “escrevem” muito — mas muito mal.
O preguiçoso se depara com a faca e o queijo na mão quando descobre o ChatGPT. E não se trata de nenhum tipo de reacionarismo de minha parte: ferramentas como essa trazem um enorme ganho de tempo. Em relação aos sistemas tradicionais de busca e a tudo que estava disponível cinco anos atrás, representam um aumento brutal de eficiência no acesso a informações. O problema está justamente no uso indiscriminado, que vê o material gerado ali não como um ponto de partida, mas de chegada. Grave erro.
Aos desavisados: o texto de IA deixa rastros. Dos “Títulos com Maiúsculo e Minúsculo” às estruturas manjadas de frases do tipo “não apenas X, mas Y e Z” e “mais do que um X, o Y é Z”. Mas, para muito além dessas pegadas, quem lê o conteúdo costuma ficar com uma sensação. É como comer o salgadinho Fandangos: é até bom durante o desespero da fome, mas não sacia — e chega a ser indigesto depois. Ou mesmo apreciar uma obra de arte toda correta nos detalhes, mas que não comove, não inspira, não suscita nada. Tem técnica, mas não tem alma.
Textos de IA têm aquelas características da água que aprendemos lá pela terceira série: são insípidos, inodoros e incolores. Ao terminarmos a leitura, parece que nada retém. É frio, impessoal, distante. Sim, a partir de todos os inputs que vamos deixando ao longo da interação e com a leitura que é feita do nosso perfil, há um viés de personalização. Mas falta autoralidade. O resultado é uma commodity: uma roupa meia-boca que cai mais ou menos bem em várias pessoas.
Há alguns dias, um alto executivo revelou a mim – com um tom entre feliz e aliviado – que seus problemas de escrita estavam acabados. Antes, sofria para produzir algumas linhas; agora, dedicando poucos minutos ao chatbot, o problema estava resolvido. Outra vez, assisti a uma palestra de uma liderança pública: ao final, ela contou a todo o público que a apresentação foi 100% feita por IA. E disse com orgulho de si mesma, como se tivesse cometido uma grande inovação. Na minha avaliação? Um papelão.
Uma boa reputação — seja na área corporativa ou política — se constrói sobre a base da verdade. Depende da projeção da nossa essência. Quando delegamos aos outros (ou a outras coisas) a tarefa de pensar por nós mesmos, estamos indo no caminho errado. É uma escolha consciente pela ilusão. E, também, desprezamos um exercício valioso que sempre integrou a rotina das figuras mais iluminadas que passaram por nosso planeta: refletir ao colocarmos as ideias no papel. E isso não significa dar as costas para os avanços trazidos pela tecnologia, mas usá-los de uma forma que potencializem o melhor de cada um de nós.