Para as marcas, mulheres negras realmente são mulheres?
Por que julho, único mês dedicado à mulher negra por conta do Dia da Mulher Negra Latino Americana e Caribenha, é ignorado pelas agências e pela imprensa?
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Imagine essa situação: se você fosse comerciante, tivesse uma loja no seu bairro e a sua maior cliente, aquela mulher que mais gasta no seu estabelecimento e ainda ajuda sua marca a ser conhecida entre a vizinhança, fizesse aniversário. É bem provável que você pensaria em alguma forma de fazê-la se sentir reconhecida, mesmo que fosse só algo estratégico.
Vamos levar essa estratégia para uma visão mais ampla de mercado. Mulheres negras compram muito. Uma pesquisa do Think Google feita em 2021, sobre como mulheres negras consomem maquiagem, usou como parâmetro dados de um estudo do Instituto Locomotiva que aponta que anualmente, nós, negras, movimentamos R$ 704 bilhões por ano sendo o grupo que mais consome produtos de higiene e beleza.
Esses dados nem são novidade. A questão é por que em julho, o único mês dedicado a esse público, por conta do Dia da Mulher Negra Latino-Americana e Caribenha, 25, é ignorado pelas agências de publicidade e pela imprensa?
Essa data existe desde 1992, instituída pela ONU depois do primeiro Encontro de Mulheres Negras Latinas e Caribenhas, realizado em na República Dominicana, em 25 de Julho e está no calendário nacional desde 2014, conhecido também como o dia de Tereza de Benguela.
No século XVIII, Tereza manteve um quilombo próspero, com uma defesa militar inteligente e uma gestão democrática durante 20 anos, na região do Mato Grosso. A “Rainha Negra do Pantanal” instalou um parlamento que foi um dos recursos que garantiu a paz e longevidade da sua comunidade, sem contar na sobrevivência de centenas de negros e indígenas que eram procurados por seus donos e caçados por bandeirantes. Ela também sabia fazer negócios evitando a fome e a escassez. Sua morte aconteceu depois que seu quilombo foi atacado, mas não há consenso de como ela morreu exatamente.
O que se sabe, é que ela foi um dos grandes nomes de resistência do Brasil pré-abolição, assim como Zumbi dos Palmares. Uma guerreira, estrategista, uma mulher que soube usar do comércio tão bem como da a agricultura de subsistência para manter o mínimo de dignidade possível aos que dependiam da sua liderança em tempos tão violentos.
Já com o 8 de março é diferente. Quem não conhece essa data? Eu particularmente não me sinto representada por esse dia, e conheço muitas negras influentes e poderosas que também não celebram. Não estou diminuindo a importância do que o Dia da Mulher significa, mas é importante elucidar que para nós, mulheres negras, não podemos ignorar que para a branca ter condições de ir às ruas protestar e usufruir do fruto dessa luta entrando no mercado de trabalho, tivemos uma negra que ficou em casa cuidando dos filhos, da comida e da roupa dessas mulheres e seus maridos. No período pandêmico foi o grupo de mulheres negras, o que mais sofreu economicamente. Somos descendentes da Tereza ainda lutando por nossa humanidade e sendo a base da pirâmide social.
Junho foi o Mês do Orgulho e as principais marcas do Brasil não economizaram, literalmente, em campanhas e até produtos personalizados com cores do arco-íris para celebrar a diversidade da comunidade LGBTQIA+, um dos grupos que mais morrem em razão da intolerância.
Como jornalista negra que há 20 anos trabalha com conteúdo sobre a comunidade negra do Brasil e do mundo, é frustrante sentir que mesmo depois de George Floyd, Black Tuesday, programas de diversidade aqui e acolá, a bolha que domina o mercado de comunicação ignora fatores históricos sobre o público que mantém o negócios dos seus clientes aquecidos.
Esquecer do dia 25 de Julho é ignorar a existência de um grupo que compõe a maioria dos brasileiros, sem contar ser um sinal alarmante de ignorância histórica, social e política.
Parafraseando a afro-americana abolicionista Sojourner Truth: “eu não sou uma mulher?”. Se aqueço o mercado, porque minha existência e resistência não é celebrada?
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