Sustentabilidade e um novo jeito de construir marcas fortes

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Opinião

Sustentabilidade e um novo jeito de construir marcas fortes

Situações de crise representam oportunidades para construir posicionamentos claros


13 de novembro de 2020 - 18h18

(Crédito: Aurielaki/Istock)

Já se vão exatos 20 anos. No final do século passado, os norte-americanos Hamish Pringle e Marjorie Thompson cravaram em seu, hoje, esquecido livro Marketing Social que as pessoas desejariam, cada vez mais, estabelecer relações de negócios com empresas que pensam e agem como um “indivíduo decente.” A este movimento, então promissor, os autores deram o nome de “onda ética” no processo de construção de marca — aquela que seria a terceira, na visão dos especialistas, em complemento à primeira (racional) e à segunda (emocional).

O livro não repercutiu no Brasil. Entendo as razões. Depois de devorá-lo em dois dias, com enorme entusiasmo, vibrei muito com a aplicação de sua tese central ao meu trabalho. E andei espalhando-a pelo país não só porque ela turbinava meu argumento de defesa, por exemplo, de conceitos como o consumo consciente. Mas, porque a ideia de associar causas às marcas, defensável em si, fortalecia a pregação em que eu já me embrenhara, sobre a importância da sustentabilidade corporativa: se não quiserem ficar para trás, as empresas devem levar em conta a “aspiração ética” dos consumidores; mais do que preocupados com a qualidade de produtos e serviços, mais até do que interessados em vagas recompensas emocionais, querem mesmo “casar” com marcas de “caráter”, que tenham valores fortes e sejam éticas, transparentes, respeitosas em relação às pessoas e cuidadosas na relação com o meio ambiente.

O argumento, convenhamos, faz bastante sentido. Mas não encontrou ressonância no Brasil. Dialoguei com audiências pequenas e desinteressadas. Cabe aqui um registro, digamos, de natureza antropológica: no ano 2000, a sustentabilidade corporativa não era tema de empresa (o termo conhecido era responsabilidade social empresarial), as corporações não associavam as questões socioambientais com os negócios e os líderes nem se davam ao trabalho de fingir interesse, por educação.

Alguns dos CEOs que, hoje, posam nos jornais de negócios, de porta-vozes de primeira hora do ESG ( a palavra com a qual o mercado financeiro rebatizou a sustentabilidade), desconfiavam do valor do conceito de responsabilidade social e sequer se envergonhavam de afirmar publicamente que só investiriam no “assunto” se os clientes estivessem dispostos a “ pagar “ por ele na forma de premium price.

As boas ideias, já se sabe por experiência, têm o seu exato tempo. E aquele, decididamente, não era o tempo da sustentabilidade empresarial. Corte rápido de duas décadas. Estamos em 2020, ainda no meio de uma pandemia, e as questões ligadas à sustentabilidade, por diferentes razões, passaram a ocupar espaço estratégico privilegiado na agenda dos CEOs das empresas de todo o mundo.

No meio da crise do Covid-19, minha equipe e eu mergulhamos num intenso processo de pesquisa que resultou no estudo 11 Tendências de Sustentabilidade Empresarial no “outro” normal, lançado recentemente em conjunto com o Pacto Global da ONU. Para o que se propõe este artigo, vou me ater às tendências que, a meu ver, não só confirmam, 20 anos depois, a tese de Pringle e Thompson, como também sinalizam um “futuro” que os especialistas norte-americanos nem sonharam projetar: as marcas que não souberem construir sua reputação numa base sólida de propósito, valores éticos e compromissos claros com as pessoas e o meio ambiente certamente perderão o respeito e admiração dos seus públicos. O “caráter” vai se transformar num fator mais importante do que produtos e serviços na construção de relações consistentes de confiança. E quem duvidar dessa afirmação, insistindo em práticas do declinante business as usual, poderá pagar um preço alto.

Uma das tendências apontadas no estudo indica que a reputação das empresas será cada vez mais baseada em ESG. Até a eclosão da pandemia, a análise reputacional levava em conta a percepção dos stakeholders sobre variáveis como qualidades de produtos e serviços, awareness, inovação, ambiente de trabalho e governança. Ganhou impulso, durante a crise, a capacidade de a empresa se colocar ao lado das pessoas (colaboradores, fornecedores, comunidades, governos e clientes) na construção de respostas práticas para os cenários de incerteza e vulnerabilidade. Nesse contexto, elementos antes não tão valorizados, como comportamento ético, propósito, geração de valor para as partes interessadas, cooperação, ativismo de causas, compromissos com os colaboradores, comunidades e meio ambiente tornaram-se novos drivers na edificação de reputações sólidas.

Tratada isoladamente, esta tendência já seria mais do que suficiente para inspirar mudanças radicais no jeito de gerir empresas e marcas. No entanto, outras duas tendências, registradas no estudo, ampliam o seu alcance. Uma diz respeito à valorização da ideia do propósito antes do lucro, uma bandeira do Fórum Econômico Mundial, colocada hoje no centro de um intenso processo de ressignificação do papel das empresas em todo o mundo. E a outra refere-se à ascensão de um tempo de hipertransparência. Houve consenso entre os entrevistados para o estudo de que saiu fortalecida, no calor da pandemia, a empresa que compreendeu a urgência de ser mais transparente, comunicou-se adequadamente com os seus públicos e prestou contas à sociedade. Situações de crise, nos quais colaboradores, fornecedores e comunidades esperam por cuidado e proteção, representam excepcionais oportunidades para construir posicionamentos claros, baseados em valores, e reforçar os vínculos de confiança e admiração.

O conjunto das demais tendências identificadas no estudo oferece uma espécie de check list para empresas interessadas em construir marcas admiradas no século 21. Se quiserem efetivamente usar em seu favor a “onda ética” propugnada por Pringle e Thompson, ou mesmo se desejarem estabelecer relações saudáveis duradouras com os seus públicos e a sociedade, as empresas devem:

Colocar o propósito à frente do lucro

Tratar os humanos como humanos, não meros recursos

Preocupar-se em colaborar mais do que competir na construção de respostas para os dilemas da sociedade

Compreender melhor a noção de interdependência

Não só zerar impactos socioambientais, mas regenerar

Preparar e valorizar líderes mais orientados por valores

Enfrentar, com atitude, as mudanças climáticas e o esgotamento de recursos naturais

Ser parte da solução e protagonista de uma nova economia, não parte do problema e refém de uma velha economia

**Crédito da imagem no topo:audioundwerbung/iStock

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