Pyr Marcondes
19 de agosto de 2018 - 9h43
A indústria automotiva sem donos de carros e sem motoristas – Dando um spoiler aqui, no próximo MXMD teremos uma palestra que vai nos falar sobre como a indústria automotiva está se preparando para um setor de carros elétricos, autônomos e compartilhados. É uma indústria automotiva sem a indústria automotiva que conhecemos desde Henry Ford.
A indústria dos bancos sem dinheiro e, quem sabe, sem bancos – Os bancos, em todo o mundo, estão se preparando para o momento em que haverá milhões de moedas virtuais e em que nenhuma delas será o dinheiro que usamos hoje. E também para o impacto do blockchain, que já começa a desintermediar toda a cadeia financeira, tornando-a muito mais ágil, barata e segura. As duas transformações em conjunto deverão levar a uma sociedade em que os bancos, como os conhecemos, deixarão de ter qualquer função.
A indústria de cartões sem cartões – Algo parecido está acontecendo com a indústria de cartões, que está sendo desintermediada por uma série de novas plataformas de pagamento, que tornarão o cartão sem qualquer sentido.
A indústria do celular sem celular – As telas, possivelmente, deixarão de ter o protagonismo que têm hoje e a ativação por voz e reconhecimento bio-ativado (olhos, rosto, digitais, etc.) deverão ser predominantes, num mundo em que todas as coisas estarão conectadas a tudo (IoT) e o aparelho celular se tornará obsoleto.
Poderíamos nos estender aqui alinhando mais dezenas de outras indústrias sendo desintermediadas e transformadas digitalmente de forma radical, como nenhuma delas foi antes em toda a História.
Pergunto a você, que é bem mais sagaz e inteligente do que eu: por que na nossa indústria seria diferente?
A minha resposta burra é que não será. Vai ser igual. Também seremos disrompidos, transformados e desintermediados.
Então, vamos lá a algumas conjecturas de como a indústria da propaganda será, quando não for mais indústria da propaganda.
Indústria do Advertising sem advertising – Vamos usar aqui a expressão em Inglês advertising, porque em Português existe a punheta da discussão sobre o que é propaganda e o que é publicidade, que tanto encanta os acadêmicos, mas temos mais o que fazer do que discutir essa bobagem. A necessidade das marcas falarem com seus públicos seguirá viva, Holly God!, mas não mais como esteve viva desde que nasceu a JWT, primeira agência de propaganda moderna, e isso foi lá nos idos de 1864. Anunciar é um termo e uma função que começam a deixar de ter sentido, porque as marcas, faz tempo, comunicam. É bem mais que, simploriamente, “anunciar”. Mas já estão indo mais além. As marcas estão, cada vez mais, se relacionando com seus usuários e consumidores, o que deixa a expressão “advertise” no vazio e até a ideia de “comunicar” bem meia bomba, concorda? Portanto, indústria do advertising, sem advertising.
Setor de agências, sem agências – Agenciar vem de intermediar compra e venda de advertising entre os anunciantes e os veículos (desde a JWT). Função broker. Hoje e no futuro, não só os anunciantes terão mais e mais controle sobre essa atividade, tendendo a tirar da frente o broker e fazendo eles mesmos a ponte direta com os canais de distribuição de conteúdo comercial, como também eles mesmos tenderão a ter seus próprios canais de distribuição direta aos seus usuários e consumidores, disrompendo de uma vez por todas o papel convencional das agências, como o conhecemos até agora. Portanto, setor de agências, sem agências.
Veículos sem veículos – Esta transformação anda coladinha com a aí de cima. Mídia quer dizer meio. Canal. Que aqui no Brasil, nossa indústria chama de “veículo”. Veículo vem da ideia de “veicular” que, por sua vez, tenta explicar e definir a atividade de distribuir conteúdo e advertising para uma determinada audiência. Pois os veículos vão ser desintemediados paulatinamente, até se transformarem em plataformas de ativação e negócios para as marcas e empresas. Não vão mais “carregar” conteúdo e advertising, mas serão canais de conversão e vendas. Há quem possa entender isso como o fim dos veículos. Eu prefiro imaginar que essa é uma oportunidade gigantesca das empresas de publishing e mídia de se transformarem em poderosos elos da nova cadeia de valor que está se configurando exatamente agora. Mas, seja como for, setor de veículos, sem veículos.
Anunciantes sem Marketing – Essa vai embrulhar o estômago dos CMOs e afins, mas desculpem, não sou eu quem está criando a nova regra, nem a nova função, nem as novas tarefas do que antes era o marketing. Dependendo do ponto de vista, o marketing vai desparecer enquanto função stand alone dentro das companhias. Ou, que é da forma como eu gosto de entender, o marketing vai se transformar em algo beeeeem maior e abrangente, que incorporará funções de vendas e gestão estratégica (não apenas mercadológica) dos negócios e das companhias. Portanto, um “marketing” muito mais poderoso. Mas seja como for, no nosso raciocínio aqui, anunciantes sem marketing.
Gostaria de citar aqui como exemplo bastante concreto de como transformação pode significar oportunidade, atendando você para o que está acontecendo com o GPDR, a lei de controle de acesso aos nossos dados pessoais. Você já leu um monte sobre o assunto, mas talvez não tenha ainda percebido que, após a decretação da lei na Europa, está nascendo em todo o mundo (aqui no Brasil inclusive, muito rapidamente), uma nova indústria em cima dessa nova limitação, uma indústria que começa a vender transparência, assertividade, confiabilidade, rentabilidade de investimentos e o escambau.
Ou seja, coração, sobre os escombros de uma cadeia de valor espúria e escrota, de invasibilidade e desrespeito a ética e ao direito de preservação da individualidade, está nascendo uma outra, muito mais produtiva e inteligente indústria de dados.
Há a nossa frente um horizonte de transformações profundas, que vão fazer desaparecer todos os pilares da nossa indústria, como a conheciamos até hoje.
Não seja bebê chorão, venda lenços.
Oba!