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O dilema de Mr. Pritchard. Ou porque nossa indústria vive seu pior momento em décadas.

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Meio e Mensagem – Marketing, Mídia e Comunicação

O dilema de Mr. Pritchard. Ou porque nossa indústria vive seu pior momento em décadas.

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MARK PRITCHARD
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6 de fevereiro de 2017 - 6h59

Nossa indústria é uma cadeia. Cada elo não só se liga um ao outro, como todo e cada qual é interdependente entre si, para que a cadeia não se rompa. Mais que isso, para que ela funcione ok para todos.

Esquecemos disso por algum momento no passado recente e estamos todos pagando essa conta.

Ilusão que a culpa é ou só das agências, ou só dos veículos ou só dos anunciantes, embora cada qual pose de impoluto e acuse, dedo em riste, que quem melou tudo foi o outro. Seja o outro quem for. Você escolhe aí.

Ilusão que é só aqui, porque é em todo lugar. Trata-se de uma crise histórica e estrutural, global, do negócio.

Ilusão que será episódica, porque como toda crise estrutural, não vai acabar tão cedo.

Ilusão que haverá vencedores. Todos estamos perdendo um pedaço de algo importante para nossos negócios.

Ah! … e todos somos responsáveis. Não vem não. Todos sempre soubemos.

Você é ingênuo? Duvido.

O Mr.Pritchard do título, para o desavisado de plantão, é Mark Pritchard,  Chief Brand Officer da Procter & Gamble, o maior anunciante mundial. Semana passada, como publicado em detalhes por Meio & Mensagem, o graúdo executivo anunciou – como bom anunciante que é – que fudeu. Vai mudar tudo. As regras do jogo que regiam até então sua relação com suas agências, as bases de investimento de suas polpudas verbas, as normas para controle e fiscalização brava do que é investido e as métricas para isso, a lógica da relação de poder entre sua empresa e suas agências (e entre elas), tudo com mão pesada na cadeia ilógica e ladina da mídia digital (bem, parte dela, para não sermos injustos aqui). Esse espalhafato todo porque, admitiu, estava sendo enganado por seus fornecedores. Uma parte enorme deles. Descobriu e resolveu tomar providências, o Mr. Pritchard.

Quer saber, certo ele. O que você faria se descobrisse que suas agências e toda a cadeia de negócios sustentada por sua companhia e por seus investimentos amealha um indevido naco indébito da sua grana o tempo todo, sem te contar, e que isso vem se multiplicando ao longo dos últimos anos, num ritmo e numa proporção que parece querer escalar mais e mais, num surrupio sem fim?

Eu faria o mesmo, fosse ele.

Só que não creio na santa ingenuidade do Mr.Pritchard. Nem da P&G. Jura que o maior anunciante do mundo só soube de tudo isso semana passada? Assim, tipo … noooothssssaaa!!! Com linguinha entre os dentes, manja?

Duvido.

Poliana ele? Nope.

Mas como chegamos aqui?

Sempre estivemos aqui. As camadas de intermediação da nossa indústria sempre existiram e, sempre, de alguma forma, se beneficiaram da complexidade da cadeia, muito difícil de ser vigiada de ponta a ponta o tempo todo, e morderam o seu. Todos sabemos do que estou falando.

Ocorre que aí chega esse tal de mundo digital com sua ainda mais complexa e ininteligível cadeia de pontos e mais pontos da rede, tecnologicamente mega-complexos e de difícil entendimento e acompanhamento, e aí tudo se complicou ainda mais.

Mas porque toda essa crise estrutural global só explodiu agora?

Pelo seguinte. Como comecei dizendo, nossa indústria é uma cadeia. Regida por um encontro de interesses e de trocas. Toma lá, dá cá. Como no Congresso. Entre todas as partes. Não há amor e carinho. E ninguém é cego. Nem Poliana.

A P&G, a Unilever e … sei lá … todos os grandes anunciantes mundiais, acomodaram esse jogo. Porque, de alguma forma, julgavam-se no controle e, mesmo cientes dos desvios da estrutura e dos processos, ainda assim, o resultado final parecia compensar. Justificava. Resolvia. Entregava. Tipo, melhor não mexer. Até porque mexer significaria, de alguma forma, admitir que foram deixando isso acontecer e não tomaram as devidas providências lá atrás, o que denota ou incompetência, ou conivência. E nenhum gestor de marketing do mundo, nem nenhuma corporação, quer para si a pecha de uma coisa, nem de outra. E assim, foi ficando. E foi crescendo.

Acabei de descrever o dilema do Mr.Pritchard e da indústria como um todo.

Mas é que há o inferno dos acionistas. Nele podem vir a se queimar executivos como Mr.Pritchard e também aqueles no comando dos grandes grupos de agências e veículos, se não tomarem seus devidos cuidados. Joanas D´Arc de plantão, em algum momento foram recentemente chamados à realidade e instados a tomar providências. Seja para colocar alguma ordem na suruba, seja para não arderem em chamas.

Isso porque cresceu tanto a bagaça, que ficou evidente que algo de muito errado estava corrompendo a amarração da cadeia. Como na Lava Jato, revelou-se que os elos podres ameaçavam a estabilidade do equilíbrio de forças e do status quo de sempre.

Vilão dessa história, a mídia digital liderou (e lidera) a bandalha. (Parte da mídia digital, ok.) Porque nos escaninhos da miríade fragmentada dos infinitos pontos de contato da rede digital esgueiram-se monstros famintos de bits e mais bits de dólares alheios. Fome algoritímica sem fim, a deles.

Como o PT, foram com mais sede ao pote que seus antecessores (que também enfiavam a mão) e, como disse há dois anos Randall Rothenberg, Presidente do IAB dos EUA, em brilhante e corajoso artigo … “nós ferramos tudo!”.

Vai ruir. Já ruiu.

Pois foi exatamente em evento do IAB semana passada que Mr.Pritchard veio a público comunicar que as regras iriam mudar. No caso da P&G, decisão até que tardia, porque muitos outros anunciantes já haviam tomado publicamente as suas medidas, no mesmo sentido. Sem falar nas investigações que a associação nacional dos anunciantes do EUA levou a cabo (você acompanhou), cujos resultados foram reveladores do que todo mundo já sabia: a estrutura estava toda corrompida top-down e as plataformas de tecnologia, publishers e agências mantinham ativo esquemão tipo empreiteiras, cada qual levando – e lavando – o seu.

Quando você se lembra de ter visto uma Lava jato na sua vida? Se disser que se lembra, está mentindo, porque não houve.

Idem no caso da nossa indústria: nunca antes na história deste negócio rolou tal barbárie.

Todos plantamos, todos estamos colhendo. Quis? Agora toma. Como diria Eike.

 

 

 

 

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