Pyr Marcondes
28 de agosto de 2017 - 7h42
A obra é a história de um fracasso, contada sem nenhuma cerimônia e num desabafo profundamente sincero, por quem protagonizou sua própria inadequação.
A narrativa de “Treze” é envolvente, rica em detalhes de bastidores e fatos históricos. E conclui – dando aqui um spoiler que o próprio autor não se importa em revelar- com o desfecho da desventura profissional do autor após os 400 dias em que trabalhou na Redação do Fantástico e de onde foi, pela primeira vez na vida, demitido.
Para ele, o que seria seu sonho de carreira, tornou-se um pesadelo: “Eu estava virando um cara triste. Chegava todo dia em casa esgotado. Morava na cidade do alto astral (…) e vivia angustiado (…) Quando você decidir entregar os pontos, caia fora (…) O sonho de trabalhar em televisão e de morar no Rio começava a desmoronar”.
Cuidando no Pósfácio de deixar claro que a experiência ali narrada é exclusivamente sua e que não pode, nem deve, ser extrapolada para quem quer que seja a não ser ele próprio; nem tão pouco para qualquer outro âmbito da TV além de sua circunscrita área de atuação (os bastidores do Fantástico), ainda assim “Treze” é uma importante crônica contemporânea da televisão brasileira.
Seu viés específico fica claro, mas o transbordamento para uma amplitude mais abrangente é inevitável.
Não me lembro de ter lido livros corporativos de experiências profissionais que não tenham sido um retumbante sucesso. Ninguém narra suas próprias inconsistências. A literatura profissional e empresarial só contém super-heróis. Fica evidentemente faltando a vida real. Ou, no mote dramatúrgico de Nelson Rodrigues, a vida como ele é.
O livro de Adriano é rico de vida real. Mas também é reflexivo e analítico. Faz parte de uma trilogia chamada “As Memórias do Primeiro Tempo”, que vai contar também suas passagens pela Editora Abril e pelo Gizmodo.
Abaixo, alguns trechos que falarão por si só.
“Televisão é um ambiente hierárquico (…) Quanto mais exíguo é o tempo disponível para a tomada de decisão num determinado ambiente, mais vertical será a hierarquia. Em televisão (…) não há tempo para digressões numa transmissão ao vivo, por exemplo. Quando a coisa tem que ir ao ar em segundos, uma voz de comando que unifique os direcionamentos é necessária e bem-vinda. Então o chefe manda – às vezes na base do grito mesmo – e todo mundo obedece (…) Uma vez criado o ambiente de rudeza nas relações, no entanto, essas interações mais ásperas e frias, regidas por uma lógica marcial, passam a acontecer mesmo quando a pressão de tempo não está presente (…) o verticalismo revoga o espaço para o diálogo.”
“Ali, o ambiente era organzado em castas. Havia as estrelas do jornalismo – repórteres, apresentadores, a turma que aparecia no vídeo. Esses eram os “Elfos”. (Acima desses, havia apenas as estrelas da Central Globo de Produção, os artistas da casa – os “Deuses”.) Além das prerrogativas decorrentes do fato de serem famosos (alguns mais, outros menos), os Elfos não precisavam se submeter a uma série de regras da mesma forma que os demais.
Havia os executivos, chefes e diretores – os detentores do poder gerencial. Eles podiam contratar e demitir as estrelas – mas não era estrelas. Esses eram os “Magos”.
Havia os executores – os dínamos, as sinapses, os profissionais que realmente faziam a roda girar e as coisas acontecerem. Editores e produtores, principalmente. Não tinham poder instituído, na maioria dos casos, e sua moeda de troca era o seu talento e sua capacidade de trabalho. Esses eram os “Hobbits”.
Havia os “Anões”, que estavam na base da operação, obedecendo ordens,c arregando piano e suando a camisa. O baixo clero dos produtores, editores de imagens, cinegrafistas, operadores de áudio.
E havia também aqueles que se poupavam, se escondiam n a estrutura, em vários níveis, se escudavam no trabalho dos outros, vivendo de politicagem e de tráfico de influência, e entregando pouco ou nenhum resultado efetivo para as empresa – esses eram os “Orcs”.
“Você precisava saber a que casta pertencia (…) Quem chegava de fora era visto como alguém que furava a fila (…) Novos entrantes precisavam romper essa película (…) Trabalhar ali significava pertencer a um ecossistema fechado.”
“(…) a ideia de que o artista pode vender livremente a sua imagem e a sua opinião, enquanto o jornalista, não, parece problemática. Então o apresentador do programa de auditório pode endossar qualquer coisa? A atuação e as declarações de um artista não podem comprometer a imagem da emissora tanto quanto a opinião e as declarações de um jornalista que usa a mesma tela e o mesmo microfone?”
“As questões de ética profissional, de embate entre interesses editoriais e comerciais, que valem para as empresas jornalísticas, como instituições, também valem para seus funcionários, como indivíduos.”
“O jeito der pensar, em TV, é peculiar. Era mais importante ser rápido que ser completo, publicar antes do que publicar de modo definitivo, ser prático do que oferecer profundidade. Era mais importante simplificar as questões do que sofisticar o raciocínio (…) Era como se o bom conteúdo pudesse ser concebido espontaneamente, em ritmo industrial.”
“Não é beleza que ganha o jogo na TV, ao contrário do que muitos pensam (…) Também não é exatamente a simpatia que conta (…) Carisma talvez seja a chave para desvendar o enigma (…)”
“Na mídia impressa, quem é de conteúdo não tem a menor obrigação de entender de impressão ou de distribuição. Em TV, o editor precisa conhecer muito bem todo o processo técnico de produção, edição e transmissão (…)”
“Quando Boni criou o Fantástico, em 1973, reza a lenda que partiu da ideia de que fazia falta na televisão brasileira um programa, no domingo a noite, que passasse a semana a limpo para o telespectador, de modo leve e descontraído, unindo jornalismo e entretenimento, notícia e humor. Uma revista eletrônica (…) Surgia o Show da Vida, capturando completamente o zeitgeist daquele momento da vida nacional. Um lampejo genial de Boni (…) que se tornou vitorioso como poucos na história da televisão mundial.”
“Eu não me tornei essencial. E se você não é fundamental, você é descartável (…) dia 16 de janeiro (de 2008), recebi pela manhã, em casa, um telefonema da secretária da direção de Jornalismo me convocando para uma reunião ao meio-dia. Subi à sala do diretor de Jornalismo sem passar pela Redação. Quando entrei …”.
Bom, para ver o que aconteceu e todo o resto, melhor você ler o livro.