Pyr Marcondes
22 de junho de 2020 - 8h04
Sou jornalista e me orgulho disso.
O jornalismo é, conceitualmente, e na essência de sua primeira constituição e concepção, das mais valiosas instituições que as sociedades democráticas contemporâneas conseguiram produzir. Veja-se, historicamente, seus serviços prestados.
Mas eu hoje, que sou mega do ramo há 45 anos, honesta e sinceramente, não me sinto mais tão identificado assim com a atividade que pratico, e da qual vivo, a ponto de, corporativamente, salvaguardá-la como bastiã de nada.
Não a Imprensa como instituição, mas esta praticada nos dias que correm.
Nos tornamos reféns da polaridade e da nossa própria letargia exo-investigativa.
Como reflexo da constituição das novas forças sócio-políticas do País, que parecem ser apenas duas e nada mais, isso por um lado e, por outro, como reflexo da pressão econômica promovida pela revolução digital e das redes sociais, enfrentamos hoje um grave impacto nos meios de produção, comercialização e distribuição da informação, resultando, ao fim e ao cabo, numa espécie de dupla penalização sobre a imprensa: o risco de asfixia das corporações guardiãs da notícia e da reflexão editorial jornalística, e a morte da reportagem.
A imprensa dramaticamente se ideologizou e nós, jornalistas, não saímos mais da redação.
As empresas do setor e seus controladores escolheram seus lados. Nós, jornalistas, optando ou não, cooptados ou não, estamos sendo levados no turbilhão. Salta do barco quem pode, obedece quem tem juízo.
Destaco, just for the records, que ainda assim, é mesmo a imprensa, com todos seus vieses, o maior e mais lúcido serviço de informação pública em operação no País hoje.
E, igualmente just for the records, vem da cabeça das brilhantes mentes dos amigos jornalistas analíticos, algumas das melhores reflexões sobre a crise que nos assola.
Mas meu ponto aqui não é esse.
Meu ponto não é pontual. É estrutural e histórico.
Na prática do ofício, nós, jornalistas, nos tornamos arautos palacianos dos salões constituídos, das fontes viciadas e (mal ou bem) intencionadas de quatro paredes. Sejam quais quatro paredes forem.
A reportagem investigativa e reveladora, a da rua e de campo, extra fontes oficiais e que espelha realidades sociais muito mais verdadeiras do que qualquer declaração palaciana, para além e de forma complementar à capacidade analítica da imprensa, uma atividade intelectual por essência, é, aquela mais que esta, o pilar inspiracional e sustentáculo do grande valor desta atividade. O jornalismo.
Hoje bem menos.
É o que vejo. Ou não vejo, talvez melhor dizendo.
Quando a Revolução Sandinista, na Nicarágua, ocorreu e derrubou o ditador assassino Anastasio Somoza em 1979, a imprensa no Brasil parou de ver naquela obscura e distante república bananeira, que tantas manchetes lhe havia rendido, qualquer linha de interesse.
Fui lá então, com 23 anos de idade e 4 de jornalismo, e passei semanas tentando entender o que estava acontecendo no epicentro, na época, da maior revolução popular no planeta, depois da Revolução Russa, da Chinesa e da Cubana.
Não era pouca coisa.
Havia então um repórter em mim, do qual ainda restam tíbios e envelhecidos traços.
Independentemente aqui de qualquer conjectura ideológica, o tal sangue da investigação fervia em mim (está aqui ainda, só que de outra forma). Caco Barcellos esteve lá na mesma época e escreveu também, como eu, um livro sobre a Revolução Sandinista, e é hoje um dos poucos baluartes da reportagem com alma e essência do nosso jornalismo. Salve, Caco!
Busco cumprir minha função hoje tentando ser uma voz inquieta num setor que move setores, que é a nossa indústria do marketing e da comunicação.
Acho que venho dando lá minhas tacadas. Mas virei refém de mim mesmo.
Minha história jornalística, que contém talvez algumas dezenas de outras “nicaráguas” investigativas, no entanto, me autorizam a dizer que me frustra hoje ver esse espírito jornalístico investigativo, inquieto, e analítico porque revelador, vagando penado por aí, sei lá por onde.
Certamente não nas redações.
O papel da imprensa hoje, diante do País que temos, do Governo e as demais instituições que temos, e diante também da dramática crise sanitária que enfrentamos, é tão ou, quem sabe, ainda mais vital do que sempre.
A investigação é e será sempre a essência de tudo nesta profissão. Enquanto as polarizações serão, de sua parte, o enterro da imprensa e de seu valor histórico.
Não acredito que haja empresas jornalísticas isentas. Nunca houve, jamais haverá.
Mas acredito na constituição de elos extremamente valiosos para a democracia entre empresas e profissionais que sigam preservando os valores mais básicos da imprensa. Não para preservá-los, em si. Mas porque preservá-los será a única forma de transformar a sociedade em que vivemos.
E ao aprimorá-la, transgredi-la a si própria, para que tenhamos um lugar no futuro.
E para concluir, sobre futuro, comento o seguinte: é só um nome pomposo e frú-frú para o presente.
(*) Foto Shutterstock