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O Novo Buscapé

Em menos de um ano, Naspers se reformula totalmente e transforma a Buscapé Company num gigante do comércio eletrônico internacional


5 de novembro de 2014 - 4h34

POR PYR MARCONDES
pmarcondes@grupomm.com.br

Buscapé é aquele traque de festa junina que enchouriça a vida da gente correndo doidão por entre as pernas da caipirada. Custa centavos. Como, afinal, venderam um por US$ 342 milhões é uma história que se conta até hoje nas rodas de fogueira (das vaidades?) da internet tupi.

Jeca na London Stock Exchange, uma das bolsas internacionais onde as ações do grupo Naspers, seu controlador, são treidadas, a Buscapé Company foi este ano inteiramente reformulada e pipoca agora num tacho geográfico planetário que vai do Brasil à África, passando pelo Leste Europeu. Metade da sua receita, hoje, vem de fora do Brasil. E, depois de ter chegado a ter caixa negativo de R$ 50 milhões em 2013, exibe atualmente saudáveis R$ 64 milhões. Positivos. No ano em que comemora seu décimo quinto aniversário, a empresa nunca foi tão rentável.

É assim que Buscapé Company, a startup daqueles quatro mocinhos fundada naquele País chamado Brasil, em 1999, é agora a maior operação de comparação de preços do mundo.

Solavancos
Mas chegar aí não foi assim, suave. Não só pela trajetória de anos e anos de reformulações que foram sendo exigidas pelas condições de mercado, mas também, mais recentemente, pelas baixas importantes que rolaram no Brasil. Quarenta por cento dos colaboradores foram desligados em 2014. Além disso, dois de seus sócios fundadores, Ronaldo Takahashi e Rodrigo Borges, deixaram a operação (continuam acionistas). A chapa ficou quente. O clima interno subiu. A omelete agora está pronta, não sem ovos quebrados.

O rapa está na razão direta das mexidas do Napster realizadas no final do ano passado. A operação deixou de ser estruturada sob uma lógica regional, para decidir realinhar-se sob uma lógica funcional. Regiões substituídas por disciplinas.

No primeiro modelo, a empresa tinha grandes players regionais fazendo de tudo. Agora, os ativos mundiais foram reordenados sob cinco verticais: comparação de preços, leilão, e-commerce, pagamentos e classificados. Antes, eram 12 VPs worldwide. Agora são quatro.

A Buscapé Company tornou-se a holding do vertical comparadores e incorporou operações semelhantes do grupo da Itália, Espanha, República Tcheca, Polônia, Romênia, Hungria, Turquia, Bulgária e África (África do Sul, Nigéria e Quênia).

O Napsters enxugou e focou. Nada fora do core foi mantido. Foi bom, mas doeu.

“Ronaldo Takahashi continua acionista, mas deixou o cargo à disposição”, revelaRomero Rodrigues, o mais destacado sócio-fundador do Buscapé. “Entendeu que a empresa não precisava mais dele. Decisão pessoal. Montou uma aceleradora. Já Rodrigo Borges foi parecido, acrescido do fato dele ser responsável por M&As e novos negócios em áreas fora do core da empresa. Nesse novo desenho, atividades descontinuadas. Ele continua fazendo isso, de que gosta tanto, só que num VC, o Shannon Cullen Partners. Nós nos falamos ainda toda semana, até porque ele também segue sendo acionista”. (O também sócio fundador Mario Letier saiu quando da entrada do Merryl Linch, em 2000.)

Romero explica ainda que “antes, na estrutura matricial, havia sete heads de negócios e sete heads de serviços reportando para mim. Eram ao todo vinte empresas operando nessa estrutura. Agora, somos uma empresa só, sob uma estrutura padrão. CEO, COO, CFO, CTO e tudo embaixo. Sou hoje Global CEO da unidade de comparação de preços da Buscapé Company”.

Sua Ideia Vale Um milhão. Bem, valia.
“Sua Ideia Vale Um Milhão”, o programa pioneiro de fomento a startups lançado pelo Buscapé em 2010, também foi descontinuado. A contra gosto, Romero explica: “Ele existia como emblema de identificação da companhia com uma causa, que também é muito minha, de apoio ao empreendedorismo. Nasceu num momento em que não existiam nem aceleradoras, nem Venture Capital no Brasil. Éramos a única opção. Tinha só a Monashees. A Endeavor tinha limite mínimo de R$ 2 milhões de faturamento ano para entrada das startups, o que nem é muito, mas para elas é bastante. O Buscapé demorou muito tempo para ver os primeiros R$ 2 milhões. Sua Ideia Vale Um Milhão ocupava esse espaço e era também um projeto de inovação aberta. Ideias não diretamente ligadas ao nosso core business. No redesenho da corporação, em que a palavra foco ganhou protagonismo absoluto, uma atividade com essas características deixou de ter a relevância que tinha. Decisão do acionista. Nem sempre eu concordo com essas decisões, mas enfim… Esse projeto virou uma espécie de símbolo do empreendedorismo no Brasil. Mobilizou oitocentos projetos por edição, em cada uma das três edições. Numa média de quatro a cinco pessoas envolvidas em cada um, estamos falando de um conjunto inédito de cerca de quatro mil pessoas mobilizadas”.

Num resumo geral, todos os investimentos diretos feitos pelo Buscapé – tanto no Sua Ideia Vale Um Milhão como em outros projetos – passaram por uma reavaliação. Das vinte investidas, dezesseis continuam ativas. Quatro delas, Romero considera fracassos. No âmbito das Mergers and Aquistions (M&As), as doze operações realizadas continuam ativas. E no caso das expansões orgânicas, empresas que nasceram como desdobramentos da própria operação Buscapé, das quatro criadas, duas foram fracassos. Após as mudanças, todas as empresas que ficaram ativas no portfólio têm agora, por design, que ser lucrativas.

Da África para o Mundo
Naspers é um grupo integrador de plataformas de e-commerce e mídia, que atua no âmbito da internet, TV Paga e Print. Come pela borda. Foge dos Estados Unidos e Europa Ocidental. Foca na África, China, América Latina, Europas central e oriental, Russia, Índia, Sul da Ásia e Meio Oriente. É um mapa particular, fora do mapa clássico.

No braço Internet, são ao todo 24 operações, com maioria absoluta no segmento de E-commerce (Buscapé e o conjunto de suas empresas foi consolidado nessa área de atividade). Em TV Paga,são nove e em Print são quatro (onde fica ancorada a Editora Abril).

O grupo triplicou sua receita nos últimos cinco anos, saltando de US$ 37 milhões, em 2010, para US$105 milhões, em 2014 (balanço anual fechado em março de 2014). O novo desenho deve dar novo ritmo de expansão e crescimento ao grupo em todo o mundo.

Quatro em um
Romero tem sido, ao longo de sua trajetória, tanto como empreendedor e agora também como empresário bem sucedido, um ícone da internet brasileira. Hoje, mesmo como um dos heads de uma operação global como o Naspers, consegue ainda ter várias outras atividades paralelas. Assim, quando você vê o Romero, está vendo na verdade pelo menos quatro: “Eu me divido em quatro pedaços”, fatia ele. “Executivo do Buscapé, investidor Anjo, conselheiro da Endeavor e membro de conselhos corporativos. Como investidor anjo, tenho hoje entre doze e quinze empresas. Na Endeavor, eu pago para participar do conselho. Atuo ainda como conselheiro de empresas, são três ou quatro, uma no exterior.”

Mas é como anjo, que, de fato, fica nas nuvens: “Por ser um investidor anjo, eu acho que me torno um CEO melhor. E vice-versa. Quando você faz mentoria para uma startup, claro que você aporta seu conhecimento e network de negócios. Sua história. Mas você aprende muito também, porque aquele garoto ali, que você está ajudando, nunca teve uma empresa antes, não fez MBA, não tem as soluções previamente formatadas. Ou seja, ele está pensando fora da caixa sem saber. Ele nem sabe o que é a caixa. Isso é rico em insights que eu posso trazer para o dia a dia do Buscapé. É meu Harvard Business Review da vida real. Faço investimento anjo sem planilha. Não sei quanto investi, nem qual o real retorno sobre o meu investimento. Tenho amigos que investem em relógios ou em carros. Eu invisto em empresas. Aliás, invisto em pessoas. Já estive do outro lado e acho muito valioso dividir o sonho das outras pessoas. Invisto nesses sonhos. Nessa paixão. Nesses propósitos. É minha cachaça”.

 

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