Meio & Mensagem
9 de dezembro de 2011 - 6h23
A realização da Copa do Mundo de 2014, no Brasil, está confirmando que o futebol é um jogo disputadíssimo também fora dos estádios. O País aceitou as condições da Fifa para a realização do evento por aqui, mas na hora de oficializar os termos, por meio do Projeto de Lei Geral da Copa do Mundo de 2014, o PL no 2.330/11, do Poder Executivo, as discussões acaloradas começaram. Isso porque a Lei Geral da Copa (LGC) contraria leis já estabelecidas localmente, como a que diz respeito à proibição da venda de bebidas alcoólicas em estádios, a qual a Fifa deseja liberar, e a restrição à venda da meia-entrada, assegurada em território nacional.
Há quem defenda que o Brasil estava ciente inclusive destes pontos polêmicos e, logo, não teria saída a não ser atender às exigências impostas pela Fifa. Por outro lado, entidades como o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) questionam o excesso de poder conferido à Fifa como um superfornecedor e a restrição de alguns direitos constituídos. Guilherme Varella, advogado do Idec, destaca, por exemplo, que, com a Lei Geral da Copa, à Fifa caberia a decisão sobre critérios de reembolso e venda de ingressos – que também prevê, no artigo 33, a venda casada, o que o artigo 39, inciso 1o do Código de Defesa do Consumidor, proíbe.
Até que ponto os interesses comerciais da Fifa e de seus patrocinadores deveriam suscitar a revisão de leis brasileiras? O Meio & Mensagem foi a campo para ouvir alguns dos mais importantes personagens deste debate e especialistas no assunto, neste momento decisivo da disputa que ocorre nos bastidores do evento. Há a expectativa de que o projeto seja aprovado pela Câmara ainda este ano, para, então, ser encaminhado ao Senado.
*Colaborou Robert Galbraith
ORGANIZADOR
“A discussão que sempre temos com o governo de cada país que recebe a Copa do Mundo é sobre como adaptar a legislação às necessidades operacionais da Fifa para organizar o evento com máxima qualidade. O marketing é apenas um dos tópicos. Muitas vezes, a percepção geral, pela qual somos sempre muito criticados, é a de que a Fifa quer mudar as leis de um país para atender seus interesses. Não é tão simples assim. Se um grande artista internacional faz uma apresentação no Brasil, ainda será um evento brasileiro e, portanto, precisa se submeter às leis brasileiras. Mas é preciso compreender que uma Copa do Mundo é um evento global, envolvendo vendas de pacotes comerciais para empresas multinacionais e com a presença de centenas de milhares de turistas do mundo inteiro. A legislação precisa ser harmonizada sob essa perspectiva, levando em conta de que houve um entendimento entre a Fifa e o Brasil para que a Copa viesse para cá. O nosso diálogo hoje com o governo brasileiro é justamente para buscarmos um meio termo para atender às necessidades específicas de uma Copa do ponto de vista legislativo. A Copa é um evento que traz um retorno fabuloso ao país-sede. Mas, para isso acontecer, é preciso haver um grande entendimento entre as partes envolvidas”.
CONSUMIDOR
“Os parlamentares, a Fifa e o governo federal devem entender que o torcedor é, antes de tudo, um consumidor, que vai adquirir produtos de um fornecedor específico – da Fifa, diretamente, ou dos parceiros da entidade. E todo fornecedor tem de se submeter ao Código de Defesa do Consumidor (CDC). O principal problema da Lei Geral da Copa é colocar a Fifa como uma superfornecedora e contrariar diretamente princípios do CDC, como o direito comercial, a propriedade intelectual e a soberania nacional. A meia-entrada, por exemplo, fica prejudicada, porque a Fifa poderá proibir ou disponibilizar uma quantidade pequena de ingressos, sem contestação. Haverá um impasse judicial, que não será resolvido em tempo hábil, e o ônus ficará com o Brasil, os consumidores e o Procon, que receberá uma série de reclamações. O argumento de que os termos estavam postos é complicado, pois esse acordo não foi discutido com a sociedade ou com o Congresso. Tudo foi feito diretamente com a Fifa e passou-se por cima da legislação nacional. Esse acordo não existe. O que há é um Projeto de Lei que tramita na Câmara dos Deputados e tem de ser contestado, pois é um absurdo.”
CONSULTOR
“É histórico esse problema em vários países. O impacto das exigências da Fifa muda de um país para outro, assim como as reações. A Copa da África do Sul foi traumatizante e a do Brasil já deve ter hospitalizado algumas pessoas. A Fifa é veemente: se não tem Lei Geral da Fifa, não tem Copa. A partir do momento que o Brasil topou, tem obrigação legal de seguir adiante. Posso estar revoltado como cidadão pela venda de bebida alcoólica, mas o Brasil aceitou e a Fifa está no seu completo direito e razão. (Modificar as regras) é não respeitar o acordo depois de ter feito, um jogo político inconcebível, inaceitável e incoerente. Continuamos trabalhando da mesma maneira que os ministérios brasileiros, que têm ministros que não sabem o que estão fazendo. Trabalhando com pessoas que não têm noção do que é uma Copa. Gestão é palavra de moda, mas é raro, tirando o setor privado, encontrar alguma gestão no País. Os que receberam o bolo da Fifa não têm noção de gestão e não há cobrança popular, já que a bonança econômica da Copa tem de ser distribuída o máximo possível.”
GOVERNO
“Estamos aproveitando o debate para aprimorar a legislação. A legislação de marca é uma delas, pois a Fifa tem mais experiência nisso. Sugeriremos alterações no Código de Defesa do Consumidor, que, por exemplo, não prevê a realização de eventos de grande porte. Nos 11 itens de compromisso assumidos pelo (ex-presidente) Lula com a Fifa estão previstos todos os tópicos, mas quando se dá início ao debate interno, nos deparamos com as competências dos entes federados. A Fifa está negociando com os Estados a questão da bebida e o Estatuto do Torcedor fala a respeito da venda dubiamente. Há estudos e posições de todo jeito, o que queremos é pacificar o diálogo – e a alteração no Estatuto do Torcedor teria esse poder. A CBF e o Ricardo Teixeira já se comprometeram a mudar sua resolução, de acordo com o que for escrito pelo legislativo. Está sendo criado, no País, outro conceito de estádio e arena multiuso. A tendência é de que seja liberado (o consumo de bebida alcoólica). Toda a polêmica que havia de que a Lei Geral fere a soberania nacional está dirimida. Ela é um grande aprendizado e avanço.”
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