Acredite no seu axé
Isa Isaac Silva é uma das empresárias da moda mais respeitadas no mercado, caminho que construiu com solidez e persistência nos seus valores de vida
Isa Isaac Silva é uma das empresárias da moda mais respeitadas no mercado, caminho que construiu com solidez e persistência nos seus valores de vida
8 de dezembro de 2022 - 8h39
Por Carol Scorce
Para Isa Isaac Silva, moda precisa devolver para as mulheres de alguma forma o que elas fomentam (Crédito: Divulgação)
Isa Isaac Silva, empresária, dona de uma das marcas mais bem vistas do país, e que em novembro subiu com suas criações na passarela do São Paulo Fashion Week, já foi Isaac Silva, criança queer, moradora do interior da Bahia, e que encontrou no ateliê de Morena, sua vizinha costureira, um refúgio da violência e do preconceito. “Eu via as pessoas levando tecidos, cortes, desenhos, e que ela trabalhava sozinha, em um lugar sempre calmo. Eu achava que seria costureira, era uma vida que cabia para mim”, afirma a estilista.
Na adolescência, a família de Isa se mudou para Salvador, e foi ali, no caldo soteropolitano, que ela pôde se entender como mulher trans, como mulher trans negra, e como mulher trans, negra e ativista. Estudou moda, e se dedicou a pensar a roupa incorporada à cultura afro-brasileira e indígena. Veio para São Paulo na tentativa de crescer na carreira, e teve de encarar a xenofobia. “As pessoas achavam que não tinha faculdade de moda no nordeste. Eu precisei fazer um curso de quatro anos no Senai, que era voltado para o chão de fábrica, para conseguir me inserir no mercado de trabalho”, conta.
Foi trabalhar nas fábricas controladas por coreanos no bairro Bom Retiro, e então começou a entender comercialmente o que é a moda. Em pouco tempo, entrou para uma grande marca do setor, mas não gostou do que viu. “Era o mundo lindo da moda, mas feito por pessoas tristes, porque a forma de trabalhar era triste. Eu não queria trabalhar com a coisa que eu mais amo no mundo, que me salvou, triste”, explica.
Nessa época, Isa não queria ser empresária. O caminho ainda era o convencional e aparentemente seguro: desenvolver um bom trabalho, ser absorvida pelo mercado e ganhar dinheiro. Mas isso não aconteceu. Para quem já havia superado tantas barreiras, dar um próximo passo foi natural. Ela decidiu, então, abrir uma empresa que levasse seu nome, sua trajetória e seus desejos de vida. Uma marca que pudesse carregar toda a potência daquilo que o mercado lhe disse que era barreira. A Isaac Silva, como a idealizadora define, é uma “marca de brasilidades, ou seja, é sobre a cultura indígena e negra. É sobre a mulher do Brasil.”
Muito rápido, seu trabalho foi convidado a integrar a Casa de Criadores e o São Paulo Fashion Week – que abriu outras portas, como as parcerias com as gigantes Havaianas, Magalu e agora C&A. As colaborações não poderiam deixar Isa mais satisfeita, afinal, conseguiu tornar suas roupas acessíveis por meio da logística de produção e venda de grandes empresas, um problema que assola grande parte das empreendedoras brasileiras. Esse feito, como contamos até aqui, não veio do dia para a noite. Começou lá na Bahia, com uma frase que ela carrega como um lema de vida – física e jurídica: “Acredite no seu axé”.
“São muitas as pessoas que dizem que você não vai conseguir. Uma mulher trans e negra, nordestina, vai ter obstáculos que vão desde acesso a financiamento, até dificuldades para alugar um ponto comercial, mas você tem que acreditar e seguir adiante”, afirma a baiana.
Para seguir caminhando e crescer, ela conta que precisou do apoio de uma rede que acolhia suas ideias e formas de trabalhar, e que davam visibilidade a isso, como a própria imprensa, que, segunda ela, está cada vez mais aberta à diversidade. Esse acolhimento ela retribui conectando pessoas que admira com outras que precisam de espaço. Se a moda é seu principal negócio, se relacionar com pessoas que podem alavancar propósitos como qualidade de trabalho e renda das mulheres, dar acesso a crédito para pessoas trans e oportunidade do primeiro emprego para pessoas negras é um trabalho que ela não sabe não fazer.
“Eu falo com todo mundo. Quando conheço um vereador ou um empresário, eu vou falar sobre dar oportunidades, sobre criar condições para que a gente viva em uma sociedade mais justa. A moda é a quarta maior economia do Brasil, e é fomentada por mulheres. É preciso devolver isso para elas de alguma forma, e nós sabemos que não é assim que funciona”, afirma.
Para Isa, empreender para uma mulher tem a ver com a arte de compreender que se é capaz. As dificuldades são inúmeras. Não é fácil para elas. E, mesmo sendo uma empresária reconhecida pelo seu trabalho, Isa não se livrou do preconceito por ser uma mulher trans negra e nordestina, “e ainda por cima se permitir querer mais da vida”, como ela mesma remói.
Mas, também por isso, é preciso acreditar que todas podem desejar e evoluir em seus projetos, e nunca perder de vista, aconselha Isa, “de que será uma rede apoio, aqueles que estão à volta, a segurar na mão quando todos os outros dirão não.”
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