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Como empresas brasileiras têm promovido a inclusão de refugiados

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Como empresas brasileiras têm promovido a inclusão de refugiados

Companhias como GPA, Assaí, BRF, A.C. Camargo e Solar Coca-Cola já implementam políticas de inserção desse público


23 de junho de 2025 - 9h33

(Crédito: Shutterstock)

Até o final de 2024, 123 milhões de pessoas em todo o mundo foram forçadas a se deslocar devido a perseguições, conflitos, violência, violações de direitos humanos e outros eventos relacionados. Nos últimos 10 anos, este número praticamente dobrou. Até o final do ano passado, 1 em cada 67 pessoas em todo o mundo haviam se deslocado à força, segundo dados da ACNUR, agência da ONU para Refugiados. O último dia 20 de junho foi escolhido como o Dia Mundial do Refugiado, dedicado à conscientização sobre a situação dos refugiados em todo o mundo.

Nas Américas, até o final de 2024, o número de refugiados assistidos pela agência da ONU alcançou 21,9 milhões. No Brasil, em 2024, houve um aumento de 16% das solicitações de reconhecimento da condição de refugiado em relação ao ano anterior, atingindo 68 mil novos pedidos. Segundo o relatório “Refúgio em Números”, da ACNUR, entre 2015 a 2024 mais de 454 mil pessoas de 175 nacionalidades buscaram proteção no Brasil. As principais nacionalidades solicitantes em todo o período foram venezuelana, cubana, haitiana e angolana.

Apesar dos homens serem a maioria dos solicitantes no Brasil (59%), entre as mulheres, quase um quarto (24%) tinha menos de 15 anos de idade, o que evidencia a presença expressiva de crianças e adolescentes entre a população refugiada. As mulheres representam 40% dos solicitantes.

Empregando refugiados

Atualmente, o Brasil emprega formalmente cerca de 200 mil refugiados. Desses, mais de 12 mil trabalham em 55 empresas e organizações que fazem parte do Fórum Empresas com Refugiados. Criado em 2021 pela Agência da ONU para Refugiados (ACNUR) e o Pacto Global da ONU Rede Brasil, a iniciativa promove estratégias de apoio à população refugiada no Brasil junto às empresas participantes, que já somam 140. Segundo dados da agência, em 2024, das pessoas refugiadas contratadas, a maioria ocupava cargos operacionais e ganhava em média de 2 a 3 salários mínimos, sendo que apenas 25% dessas empresas tinham refugiados em cargos de liderança.

Para Camila Sombra, associada de soluções duradouras da ACNUR, “a solução para a situação das pessoas refugiadas em todo o mundo depende de uma articulação de toda a sociedade, incluindo governos, sociedade civil, setor privado e academia”, afirma. Para Erika Petri, diretora executiva de RH, sustentabilidade e comunicação do Grupo Pão de Açúcar, as empresas têm papel essencial na promoção de uma sociedade mais justa, plural e inclusiva, e contratar refugiados é um dos caminhos para este objetivo.

“O apoio à população refugiada vai muito além da assistência imediata: significa criar condições reais de autonomia e inclusão produtiva, para que essas pessoas possam reconstruir suas vidas com dignidade, segurança financeira e senso de pertencimento à sociedade local. Essa atuação gera impacto social direto, enriquece os times com visões diversas e fortalece um ambiente de trabalho inovador e empático”, defende Renata Altenfelder, diretora de marketing do Instituto Lojas Renner.

Autonomia, segurança e crescimento

Para além disso, ao contratar pessoas refugiadas e imigrantes, as empresas oferecem também uma oportunidade de conquista de autonomia e de garantia da dignidade humana. “A inclusão de refugiados gera transformação não apenas para os profissionais contratados, mas também para as comunidades onde eles se inserem. A Solar entende seu papel social e acredita na força do mercado de trabalho como uma ferramenta poderosa de integração e de promoção da dignidade humana”, pontua Luiza Mamede, gerente regional de recursos humanos da Solar Coca-Cola.

Luiza Mamede, gerente regional de recursos humanos da Solar Coca-Cola (Crédito: Divulgação)

A Solar conta com 90 colaboradores refugiados e migrantes, sendo 46 mulheres e 44 homens, distribuídos nas operações do Amazonas e de Roraima e em funções nas áreas administrativa, comercial, industrial, de logística e marketing. Em termos de nacionalidade, a maioria é da Venezuela, mas também há colaboradores vindos de Cuba, Gabão, Haiti e Peru. Até o momento, 13 desses profissionais já passaram por processos de promoção interna.

Uma delas é Daibelys del Valle Nunes Henriquez, venezuelana contratada em 2023 como promotora de vendas em Manaus. “Após anos trabalhando de forma informal, ela conquistou sua primeira oportunidade formal na Solar. Em maio de 2025, foi promovida ao cargo de conferente, evidenciando o potencial de desenvolvimento profissional dos refugiados dentro da organização”, conta Luiza.

Desde janeiro de 2025, o GPA estabeleceu a pauta como um dos pilares de sua estratégia de diversidade e inclusão. “Acreditamos que promover o acesso ao mercado de trabalho formal, com respeito e oportunidades reais de crescimento, é uma forma concreta de gerar impacto positivo e contribuir para a construção de um país mais justo, diverso e inclusivo”, pontua a executiva do grupo. Atualmente, o grupo conta com mais de 400 colaboradores refugiados e imigrantes, sendo 55% homens e 45% mulheres, e a maioria venezuelanos e angolanos.

Erika Petri, diretora executiva de RH, sustentabilidade e comunicação do GPA (Crédito: Divulgação)

Britney Gonzales, de 22 anos, mãe de uma bebê de 2 anos, é uma das colaboradoras refugiadas que trabalham no Grupo Pão de Açúcar. “Antes de vir para cá, Britney enfrentava uma realidade difícil, com acesso limitado até mesmo à alimentação básica. Ao ser contratada no Minuto Pão de Açúcar, adaptamos sua jornada de trabalho para que ela pudesse buscar o filho na escola. Algo simples, mas que fez toda a diferença para sua rotina e autonomia. Hoje, Britney é uma colaboradora dedicada, que se comunica muito bem em português e demonstra, todos os dias, o quanto está comprometida com o trabalho e com seu futuro”, conta a diretora de RH do grupo.

A rede atacadista Assaí, por sua vez, implementou o pilar de refugiados e imigrantes em 2024, com foco na geração de emprego, promoção de autonomia, segurança e pertencimento. “A iniciativa reforça o compromisso da companhia com a promoção dos direitos humanos, ao oferecer oportunidades de emprego e contribuir para o acolhimento e o recomeço dessas pessoas e suas histórias em território brasileiro”, afirma Tamaly Amorim, gerente de RH e diversidade no Assaí. No último censo da empresa, haviam 800 colaboradores refugiados, de países como Cuba, Afeganistão, Marrocos, Síria, Angola, mas sendo a maioria da Venezuela e Haiti.

Tamaly Amorim, gerente de RH e diversidade no Assaí (Crédito: Divulgação)

A Lojas Renner S.A. pauta a questão há quase 10 anos e tem um olhar especial para as mulheres refugiadas. “Desde 2016, somos parceiros do programa Empoderando Refugiadas, uma iniciativa criada pelo Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (ACNUR), pelo Pacto Global da ONU e pela ONU Mulheres voltada à capacitação e empregabilidade de mulheres em situação de refúgio e migrantes no Brasil”, afirma Altenfelder.

Por meio do instituto, a organização promove capacitação em atendimento no varejo, visual merchandising e corte e costura em parceria com o Senai tanto para colaboradoras, quanto para seus fornecedores da cadeia de produção. “Somente em 2024, foram 162 refugiadas beneficiadas diretamente, 320 pessoas indiretamente, 35 contratações pelo mercado de trabalho e 98 famílias impactadas com ações de interiorização e expansão de parcerias”, continua.

“Além dos cursos de qualificação, o programa promove ações como feiras de empregabilidade, doação de roupas para entrevistas e conta com o apoio das equipes de gente e sustentabilidade, que participaram ativamente da Missão Humanitária de Empresas deste ano”, complementa a diretora de marketing. Desde a criação, o programa já capacitou mais de 500 mulheres refugiadas e suas famílias, de origem de países como Venezuela, Haiti, Síria, Congo, e as Lojas Renner contratou cerca de 120 dessas profissionais. Em 2025, estão previstas mais de sete novas turmas em cidades como Boa Vista, Rio de Janeiro, São Paulo e Brasília.

Renata Altenfelder, diretora de marketing do Instituto Lojas Renner (Crédito: Claudio Belli)

Políticas corporativas para refugiados

A primeira e mais óbvia ação que as empresas podem promover para apoiar pessoas refugiadas é contratando ou promovendo capacitação. Na A.C. Camargo, hospital oncológico, a empregabilidade é um dos pilares de atuação para a inclusão de refugiados. “A inclusão de pessoas refugiadas é parte de um dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU, a ODS 10 ‘Reduzir as Desigualdades’, e o setor privado desempenha um papel estratégico e transformador nesta frente”, destaca Anaísa Lubeck, superintendente de pessoas do A.C. Camargo Cancer Center.

“Nosso programa atua em três principais pilares: empregabilidade, que inclui orientação profissional e processos seletivos estruturados; desenvolvimento, que envolve a construção de mapa de desenvolvimento, cursos de formação em língua portuguesa e profissionalizantes, como formação de cuidador e técnico em enfermagem; e assistência psicossocial, com atendimentos do serviço social e psicológico e atividades em grupo”, conta a superintendente.

Anaísa Lubeck, superintendente de pessoas do A.C. Camargo Cancer Center (Crédito: Divulgação)

Outra iniciativa possível é contratando fornecedores de negócios geridos por refugiados. “Temos uma plataforma de refugiados empreendedores que lista negócios de pessoas refugiadas em diversas áreas e cidades do Brasil. Então, a empresa pode verificar se na sua cidade tem um fornecedor e considerar essa pessoa num processo de competição interna”, comenta Camila Sombra.

A maioria das empresas que têm estratégias de apoio às pessoas refugiadas são parceiras da ACNUR e participam do Fórum Empresas com Refugiados, incluindo Grupo Pão de Açúcar, Assaí, Solar Coca-Cola, A.C. Camargo, Renner e BRF, entrevistadas para esta matéria. Há ainda outras, como a Accor, Hospital Albert Einstein, Amanco Wavin, Cobasi, Iguatemi, Localiza&Co, ManpowerGroup, Sodexo, C&A Brasil.

“No site do fórum, as empresas podem consultar muitos desses exemplos de engajamento empresarial, de companhias que já vêm desenvolvendo ações em parceria com a ACNUR e com nossa rede de organizações parceiras em todo o Brasil, seja na capacitação, na contratação de pessoas refugiadas e de fornecedores, ou em outras formas de atuação”, destaca Camila.

Camila Sombra, associada de soluções duradouras da Agência da ONU para Refugiados (ACNUR) (Crédito: Divulgação)

Sensibilização e letramento

Para além da contratação, as empresas precisam preparar suas equipes para receber e lidar com imigrantes e refugiados. Isso pode incluir treinamentos de sensibilização com os times e lideranças. “No GPA, preparamos o ambiente de trabalho e a jornada de integração para estes profissionais com uma abordagem estruturada e atenta às particularidades. Nossos gestores e equipes participam de treinamentos focados no acolhimento e entendimento deste público, garantindo que a chegada desses profissionais ocorra de forma respeitosa e inclusiva”, afirma a diretora de RH do Grupo Pão de Açúcar.

O próprio fórum fornece treinamentos de sensibilização, do nível iniciante ao avançado, para as empresas participantes, além de capacitações sobre o processo de contratação e integração de pessoas refugiadas no Brasil. A BRF é outro exemplo de empresa com iniciativas específicas de inclusão desse público, com programas de escuta ativa, sensibilização de lideranças e influenciadores internos da diversidade, com mais de 180 embaixadores espalhados pelo Brasil, conforme destaca Heraldo Geres, VP de gente, jurídico, tributário e compliance da Marfrig e BRF.

Atualmente, a BRF conta com mais de 11,5 mil colaboradores vindos de 52 países diferentes, sendo a maioria venezuelanos, haitianos e cubanos. Um desses profissionais é Fo Kodza, operador líder na BRF, que chegou ao Brasil em 2014, vindo do Togo. “Formado em ciências econômicas, ele não falava português e ainda assim conseguiu um emprego na fábrica da BRF em Capinzal, Santa Catarina. Durante sua trajetória, Fo dedicou-se a aprender o idioma, conseguiu uma vaga no setor administrativo e se tornou operador tradutor, para apoiar pessoas vindas de outros países. Hoje, ele é supervisor de produção e ajuda outros migrantes e refugiados a construírem sua carreira na Marfrig e BRF”, conta Heraldo.

Fo Kodza, operador líder na BRF (Crédito: Divulgação)

Adaptação cultural e burocrática

Outra política importante e destacada pela líder na ACNUR é a revisão da burocracia e dos processos internos da empresa. Essas pessoas, em geral, estão em situação regular no Brasil e têm documentos pessoais e de trabalho que garantem a elas os mesmos direitos trabalhistas que os brasileiros. “Mas, muitas vezes, os recursos humanos de algumas organizações solicitam documentos que uma pessoa não terá por não ser brasileira. Exemplo é o certificado de reservista e o título de eleitor. Então, é preciso adaptar esse sistema”, aponta. A BRF, por exemplo, flexibilizou os processos de contratação para que essas pessoas pudessem usar o seu diploma original, sem a necessidade de revalidação no Brasil, além de oferecer suporte para a validação de diplomas do ensino superior.

A inclusão de refugiados também perpassa pelo reconhecimento de sua cultura de origem. Empresas como o GPA aproveitam o Dia Mundial do Refugiado, 20 de junho, para promover celebrações e atividades especiais. “Nesta data, estimulamos as equipes das lojas e centrais de distribuição a realizarem atividades especiais, como celebrações com comidas típicas, exposições de fotos e o compartilhamento de histórias de vida pelos próprios colaboradores”, afirma Erika Petri.

O reconhecimento dos idiomas de origem desses funcionários também é uma forma de promover a inclusão cultural. O Assaí incluiu o espanhol no censo de diversidade para melhorar a comunicação com esse público. A BRF também adaptou seus processos seletivos. Agora, as entrevistas são realizadas no idioma nativo do candidato e toda a documentação é traduzida para facilitar a compreensão do profissional.

Além disso, a BRF também implementou um programa com operadores tradutores, como Fo Kodza, que auxiliam na comunicação do dia a dia, especialmente nos primeiros meses de chegada ao Brasil, enquanto o migrante ainda está aprendendo o português. As empresas podem promover cursos de português, assim como a A.C. Camargo, que desde 2023 oferece aulas de língua portuguesa em parceria com a ONG Torre de Babel.

Já a Lojas Renner também adaptou sua comunicação para atender a este público. “Realizamos adequações práticas nos materiais de comunicação e nas instruções operacionais, buscando facilitar o entendimento, especialmente para quem está em processo de aprendizagem do idioma. Em determinadas situações, contamos com a colaboração de ONGs parceiras que auxiliam na intermediação cultural”, conta a Renata Altenfelder.

Outra forma de apoio que a BRF promove é o auxílio à moradia. “Apoiamos a moradia do colaborador, de acordo com a infraestrutura disponível em cada localidade, seja por meio do Prohab (conjunto de casas populares construídas e alugadas pela BRF para seus funcionários), de hospedarias, auxílio aluguel para os primeiros meses, ou com a garantia mínima de 30 dias de hospedagem em hotéis da região.

A empresa também oferece diversos outros importantes serviços, como lavanderia, alimentação, ajuda de custo e aulas de português”, destaca o VP da companhia. De forma complementar, a companhia disponibiliza vagas de jovem aprendiz para os filhos com mais de 14 anos, a fim de aumentar a renda familiar e a retenção destes talentos.

Heraldo Geres, VP de gente, jurídico, tributário e compliance da Marfrig e BRF (Crédito: Divulgação)

A saúde é outro pilar importante para a inclusão de refugiados nas empresas, destacada por empresas como o GPA e a A.C. Camargo. “Contamos também com o suporte próximo das áreas de saúde e bem-estar, RH e demais áreas estratégicas, que acompanham esses profissionais com o suporte necessário para integração e desenvolvimento”, destaca a líder do GPA.

A A.C. Camargo também implementa políticas semelhantes: “Ao longo desses anos, ampliamos nosso compromisso com a formação técnica e profissional, além de fortalecer iniciativas de acolhimento e cuidado interno, com destaque para a atuação do nosso serviço social e de saúde corporativa”, exemplifica a líder do centro oncológico.

Atualmente, a A.C. Camargo conta com 22 profissionais refugiados. A empresa estabeleceu a meta de atingir 70 funcionários migrantes e refugiados até 2027. Entre os países de origem de seus colaboradores estão África do Sul, Angola, Bolívia, Haiti, Peru, Samoa, Venezuela, distribuídos nas áreas administrativas, assistenciais, operacionais, enfermagem assistencial, recepção e portarias.

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