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Diversidade começa no planejamento, com Taís Santos

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Diversidade começa no planejamento, com Taís Santos

A diretora de planejamento da AlmapBBDO ajudou a conduzir o censo de inclusão produtiva LGBTQIAPN+ no Brasil e discute o panorama da diversidade nas agências 


17 de outubro de 2024 - 0h17

(Crédito: Divulgação)

“Sou Taís, uma mulher preta de origem periférica. Gosto de me definir assim porque isso reflete muito da bagagem que trago para a publicidade, da minha visão sobre a indústria e os trabalhos que faço.” Assim se apresenta Taís Santos, diretora de planejamento da AlmapBBDO e líder de diversidade e inclusão da agência.  

Mas antes de entrar na faculdade de publicidade e ser bolsista ProUni, sua trajetória profissional já havia iniciado aos 16 anos, quando trabalhou como vendedora de shopping e no telemarketing. No segundo ano da faculdade, Taís percebeu que queria viver o dinamismo das agências de publicidade, e começou na área de conteúdo. “Depois de três anos, foquei totalmente no planejamento e trabalhei com indústrias diversas, de imobiliárias a bancos”, conta. 

Há sete anos, Taís entrou na AlmapBBDO como assistente de planejamento e galgou posições até o cargo de diretora de planejamento, que ocupa no momento. Na agência, lidera a área de diversidade e inclusão, à frente de diferentes projetos, como o censo sobre inclusão produtiva LGBTQIAPN+, realizado pela AlmapBBDO em parceria com o Sebrae, Nhaí e o Pacto Global da ONU, que detalha o perfil de empregabilidade e empreendedorismo da comunidade no País. Os resultados preliminares da pesquisa foram apresentados no evento SDGs in Brazil, que aconteceu em setembro, na ONU, em Nova Iorque. 

Nesta entrevista, Taís Santos traz o panorama desse estudo e alguns insights que destacou na ONU. Além disso, ela comenta sobre o mais recente censo de diversidade das agências brasileiras, lançado pelo Observatório de Diversidade na Propaganda, e também fala sobre o papel e a importância da área de planejamento na publicidade. 

Quais os principais insights que você destaca do censo sobre inclusão produtiva LGBTQIAP+, realizada pelo Sebrae, AlmapBBDO, Nhaí e o Pacto Global da ONU? 

Temos uma parceria de longa data com a Raquel, CEO da Nhaí, que é uma mulher trans e preta. Quando falamos de diversidade, representatividade é fundamental, mas vejo isso como um primeiro passo. O segundo passo é colocar nosso conhecimento a serviço desses grupos. Foi a partir desse desejo de fazer mais que surgiu a ideia do censo. Nasceu pela carência de dados sobre orientação sexual, identidade de gênero e outras questões que o IBGE não coleta. No entanto, mais do que ter insumos, a intenção é fazer algo por esses grupos. Inclusão passa por colocar dinheiro no bolso das pessoas. Por mais que falemos de representatividade, precisamos de uma inclusão efetiva, que traga acesso e espaço para esses grupos. 

Estamos investigando a vida e a inclusão produtiva da população LGBTQIAPN+, tentando entender as dificuldades que enfrentam no trabalho e no empreendedorismo. O censo tem três fases, e agora estamos na terceira, a quantitativa. As duas primeiras tiveram caráter mais qualitativo, com conversas com especialistas e membros da comunidade, abordando tanto questões de classe quanto de representatividade da sigla.  

Algo que ficou muito claro, especialmente na primeira fase, é a importância de olharmos para a interseccionalidade. Não podemos falar de um único pilar de opressão. Quando falamos de uma mulher preta, lésbica e pobre, as barreiras se acumulam — preconceito de gênero, orientação sexual, classe social e étnico-racial. Isso torna ainda mais difícil para essas mulheres entrarem no mercado de trabalho e visualizarem uma carreira. 

O empreendedorismo surge como uma solução para muitas pessoas da comunidade, pois no mercado formal, elas enfrentam barreiras imensas, como preconceitos ligados à aparência e à maneira como se apresentam. Além disso, há obstáculos burocráticos que impedem a formalização de seus negócios, como questões relacionadas ao nome social, o que dificulta desde o acesso ao crédito até a abertura de uma conta bancária. Esse é um desafio que pessoas cis nem imaginam. 

Também foi importante apresentar esse projeto na ONU, o que trouxe visibilidade internacional para a nossa causa. O Sebrae se tornou um parceiro essencial nesse processo, não só financiando a pesquisa, mas também com o objetivo de gerar políticas públicas a partir dos dados. Queremos que esse censo leve a iniciativas concretas. 

Saiu o último censo do ODP sobre diversidade nas agências de publicidade e vimos uma queda de mulheres negras. Qual a sua percepção sobre o contexto da diversidade nas agências e o que falta para avançarmos? 

Estamos passando por um momento complicado, porque a pauta sobre diversidade e inclusão esfriou. As pessoas de grupos minorizados continuam falando, mas o mercado como um todo parece menos interessado. Para mim, isso é consequência de como tratamos o assunto nos últimos anos. A diversidade e a inclusão foram tratadas como uma tendência, mas a existência e a relevância desses grupos são uma reparação histórica, e não uma moda passageira. O problema de tratar como tendência é que, assim como outras, ela perde força. A diversidade e inclusão continuam sendo vistas como uma opção, quando, na verdade, deveriam ser parte essencial da cultura das empresas, algo que não é negociável.  

Em relação ao censo, participei do evento de lançamento e, como somos associados desde a criação do Observatório da Diversidade, acompanhamos todas as ondas. Paralelamente, temos nosso próprio censo desde 2019, quando criamos nosso comitê de diversidade. Isso é valioso porque nos permite comparar nosso progresso com o mercado.  

Os números sobre pessoas com deficiência são alarmantes, e o censo do ODP reflete essa realidade. A indústria, mesmo com uma legislação que deveria garantir inclusão, não está cumprindo. Para sermos mais inclusivos, precisamos revisar espaços e processos, e isso inclui práticas como legendagem, hashtags inclusivas e audiodescrição, que ainda são pouco adotadas. 

O dado sobre a diminuição de mulheres pretas é especialmente preocupante. Elas estão na base da pirâmide social. Como Angela Davis diz, “quando uma mulher preta se movimenta, toda a sociedade se movimenta com ela”. Por isso, são as mais impactadas por layoffs e outras mudanças. Quando olhamos para cargos de liderança, a representatividade étnico-racial cai drasticamente, com mais de 80% dos líderes brancos e apenas 10% negros. E, entre esses, o número de mulheres pretas é ainda menor. 

Falando sobre a sua área, planejamento. Para você, qual é o papel do planejamento numa agência e quais os principais desafios?  

Acredito que a área de planejamento é muito subjetiva. Tem uma importância enorme nos bastidores do que a publicidade faz. Claro, temos um papel no contato direto com o cliente, nas reuniões e discussões, mas também somos responsáveis por traduzir o que está acontecendo na sociedade, o que o consumidor quer, e o que a marca, produto ou serviço pode oferecer. Fazemos essa equação e garantimos que tudo esteja sendo implementado corretamente, acompanhando de perto o processo. 

O planejamento funciona como uma espécie de maestro, organizando e conduzindo, mas sem minimizar a importância das outras áreas, que têm um papel igualmente relevante no core da agência. Nosso trabalho é proteger e zelar pela estratégia, tanto de comunicação quanto de negócios. Uma evolução importante da nossa área é que hoje nos vemos muito mais como parceiros de negócios dos clientes, e não apenas planejadores de comunicação. A comunicação é essencial, mas para ter sucesso, precisamos integrar várias disciplinas, principalmente o negócio. Isso é ainda mais importante no mundo atual, que é volátil e cheio de estímulos, o que torna nosso papel mais complexo e difícil de ser definido. 

O planejamento é crucial para garantir que seguimos a estratégia que vai nos permitir alcançar os objetivos de marca, comunicação e as discussões que queremos gerar. Isso se conecta muito com o debate sobre diversidade e inclusão. É por isso que acho tão interessante a junção dessas duas áreas no trabalho que estou fazendo na Almap: como usamos a diversidade de forma estratégica, tanto internamente quanto para os negócios dos nossos clientes e parceiros, e como transformamos isso em uma ferramenta de inclusão e mudança social. 

É fácil se questionar se estamos realmente fazendo algo relevante e alinhado aos nossos valores. Com o tempo, percebi que a comunicação tem um papel poderoso em moldar a cultura, e a indústria publicitária foi, muitas vezes, responsável pela criação de estereótipos e estigmas de grupos minorizados. Por isso, é essencial termos representatividade nas fichas técnicas, nas agências, entre os clientes e nos veículos de mídia. Só assim podemos construir uma nova narrativa, mais inclusiva, que não coloque esses grupos como “os outros”, mas nos veja como parte de um grande “nós”. 

Como você se mantém atualizada com as tendências de comportamento do consumidor e as novas tecnologias de comunicação? 

Olha, eu poderia citar uma lista de pessoas, veículos que acompanho ou eventos, como o SXSW, onde estive no ano passado, mas acredito que vai muito além disso. O essencial é falar sobre acesso. Para nos mantermos atualizados e com um olhar apurado, é fundamental ter várias referências, e não só da área de comunicação. Por isso, faço questão de buscar experiências diferentes, porque isso traz uma visão muito mais próxima da realidade da sociedade do que apenas olhar para a comunicação. Claro que é importante acompanhar a nossa área, mas limitar-se a ela restringe nossa visão e nos faz repetir padrões. 

Por exemplo: terminei uma pós-graduação na USP (Universidade de São Paulo) no ano passado, em semiótica e psicanálise. À primeira vista, pode parecer que não tem nada a ver com o que faço, mas tem tudo a ver, porque nosso trabalho é sobre entender as pessoas, a sociedade, o que está em voga e o que precisa estar. Também fiz cursos de filosofia africana, história da arte, e até moda. Essas experiências me ajudam a ampliar meu repertório, e não se limitam apenas a cursos: visitar exposições, entender movimentos culturais, participar de eventos acessíveis, tudo isso contribui. 

Não é só sobre referências caras ou inacessíveis. Há muitos eventos incríveis acontecendo nas periferias, e eles são fontes riquíssimas de aprendizado, muitas vezes revelando tendências antes de chegarem ao mainstream. Isso não é apropriação, mas manter o olhar atento para dinâmicas de consumo que podem ensinar muito. Muitas marcas já aprenderam que outros públicos, além daqueles que elas consideravam “premium”, também consomem seus produtos. Isso poderia ter sido identificado antes, se saíssem um pouco da bolha da nossa indústria. 

Viajar também me ajuda muito, assim como conversar com pessoas de outras áreas e realidades. A música, por exemplo, reflete muito do que está acontecendo na sociedade, e as redes sociais são uma fonte acessível para entender novas tendências. Sempre que surge uma nova rede, eu fuço, mesmo que não vá usá-la pessoalmente, porque precisamos saber o que está acontecendo. 

Trabalhar nessa indústria exige que a gente acompanhe os movimentos e mudanças, mas também é importante olhar para a sociedade como um todo, além do eixo Rio-São Paulo. O Brasil é feito de vários Brasis, com comportamentos, dialetos e culturas diferentes. A internet tem um papel poderoso nisso, facilitando o acesso à informação, mesmo que a pessoa não possa viajar. Apesar das bolhas que criamos online, ainda podemos usar a internet como uma ferramenta de estudo e alcance. 

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