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Equilíbrio imperfeito: a coragem de atrasar esta coluna 

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Opinião

Equilíbrio imperfeito: a coragem de atrasar esta coluna 

Precisamos normalizar a impossibilidade de fazer tudo perfeitamente e abraçar a coragem de deixar alguns pratos caírem


7 de maio de 2025 - 8h50

(Crédito: Shutterstock)

Nas férias escolares de 1994, lá em Jundiaí, minha mãe, que trabalhava em 3 lugares diferentes, me colocou em um curso de circo. Logo de cara me encantei com as “pernas de pau” e adorei me aventurar lá de cima olhando por uma perspectiva diferente da altura dos meus 10 anos. A maioria das crianças optaram pelo malabarismo, jogando bolinhas e argolas para cima e para baixo, tentando dar conta da próxima que chegava. Hoje posso dizer que deveria ter treinado mais esta habilidade.  

Fazer malabarismos de muitos pratos girando ao mesmo tempo virou uma atividade full time nos últimos tempos aqui. E por aí? Aquela sensação de estar sempre correndo, a lista mental que nunca acaba, a cobrança constante – dos outros e de si mesma – para dar conta de tudo. Sempre foi um pouco assim, mas com a responsabilidade de liderar uma agência, um time grande e talentoso, musculação e uma filha adolescente (e aí, vcs também assistiram a série da Netflix?)… tudo parece mais intenso. 

Eu adoro escrever esta coluna, me tira da zona de conforto, me faz bem dar voz aos sentimentos e saberes que gosto de compartilhar, mas não estava conseguindo dar conta de enviar no prazo. Furei 3 vezes a data combinada. 

Sei que não estou sozinha e acho importante refletirmos juntas sobre a realidade de muitas mulheres no mercado corporativo brasileiro. Uma sobrecarga invisível que vai muito além das horas registradas no ponto ou das reuniões no calendário. Segundo dados da Think Olga, a sobrecarga de trabalho doméstico e a jornada de trabalho excessiva representam o segundo maior fator que impacta a saúde emocional das mulheres brasileiras, atrás apenas das preocupações financeiras. 

De acordo com pesquisa nacional, as mulheres gastam em média 21,4 horas semanais em tarefas domésticas e de cuidado, enquanto os homens dedicam apenas 11 horas – praticamente metade do tempo. Essa diferença se traduz em uma carga mental esmagadora: a responsabilidade de gerenciar, planejar e executar múltiplas tarefas simultaneamente, muitas vezes sem reconhecimento. 

Entre as executivas, o cenário é ainda mais preocupante. Um levantamento realizado em 2021 revelou que mais de 50% das mulheres em posições de gestão relatam esgotamento frequente. Excesso de responsabilidade, busca constante por reconhecimento, pressão por resultados, aliados às expectativas sociais de excelência em todos os âmbitos da vida. 

A matemática simplesmente não fecha – e insistir nela cobra um preço alto. Não é coincidência que 45% das mulheres brasileiras apresentem algum diagnóstico de transtorno mental. A ansiedade, especificamente, afeta 6 em cada 10 mulheres no país. A sobrecarga mental não é apenas cansativa, pode impactar de fato a saúde. 

E aqui está o ponto central da questão: precisamos normalizar a impossibilidade de fazer tudo perfeitamente. Precisamos abraçar a coragem de deixar alguns pratos caírem e, de repente, atrasar a entrega desta coluna tão querida pode ser a consequência.  

Existe uma maturidade a que chegamos – algumas mais cedo, outras mais tarde – quando percebemos que não podemos dar conta de tudo, mas que não deveríamos nem exigir isso de nós mesmas. Equilibrar carreira, maternidade, casamento, autocuidado, vida social e desenvolvimento pessoal é uma equação impossível quando todos esses elementos precisam receber nota 10.  

A questão não é só sobre gestão de tempo, mas sobre coragem de priorizar. Coragem para dizer não, para delegar de verdade (sem microgerenciar depois), para abrir mão de expectativas irrealistas, para negociar entregas, para escolher conscientemente o que vai receber nossa melhor energia. 

No meu próprio caminho profissional, demorei para entender que ser perfeitamente impecável em todos os aspectos da vida era uma fantasia (e até hoje me pego acreditando em unicórnios). 

Se você tivesse que escolher três pratos para manter no ar, quais seriam?  

Para mulheres em posições de liderança, essa pergunta é fundamental porque não é sobre desistir, mas sobre escolher estrategicamente onde focar sua energia. E esse é um exercício diário. 

Quais pratos podem – e devem – cair na sua vida? Quais aspectos realmente fazem diferença para sua identidade, carreira, propósito e felicidade? O que pode ser simplificado, negociado ou até eliminado?  

A solução não é individual – precisamos de políticas públicas e corporativas que reconheçam a sobrecarga feminina, divisão equitativa do trabalho doméstico, redes de apoio e mudanças culturais profundas. Mas enquanto construímos esse caminho coletivamente, podemos começar escolhendo conscientemente quais pratos continuaremos a equilibrar. Porque tem um tipo de força que vem não de carregar mais, mas sim de escolher melhor o que carregamos. 

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