Assinar

Cannes Lions 2025: qual o papel da categoria Glass na indústria?

Buscar
Publicidade
Women to Watch

Cannes Lions 2025: qual o papel da categoria Glass na indústria?

Prêmio celebrou seus 10 anos com abordagem mais interseccional e cases com impacto social real, inovação em políticas públicas e novos paradigmas de inclusão


23 de junho de 2025 - 17h24

No Cannes Lions 2025, a categoria Glass: The Lion for Change, que completa uma década este ano, assumiu uma postura ainda mais ampla e representativa, evolução que se refletiu nos cases premiados. Além da equidade de gênero, a categoria passou a incluir temas como raça, deficiência, sexualidade e desigualdade social, refletindo a necessidade de uma abordagem interseccional na comunicação.

Com as novas diretrizes, o Glass deste ano reforçou seu papel como plataforma de criatividade social. Mais do que reconhecer campanhas, o prêmio é um esforço do festival de valorizar o uso da publicidade para gerar empatia, soluções e transformação. Nesta edição, vimos marcas, governos, ONGs e plataformas em iniciativas para construir um futuro mais inclusivo, sobretudo por meio da inovação.

No que alguns profissionais já chamam de “era pós-Glass”, a indústria tem agora a chance de aprofundar a aplicação da criatividade com propósito, impacto e respeito à diversidade.

Confira alguns dos nossos insights sobre os cases vencedores dos Leões da categoria.

Impacto real e novos modelos de inclusão

A campanha “Heralbony”, da Dentsu do Japão, levou o Leão de Ouro na categoria ao destacar a criatividade de artistas com deficiência, transformando arte inclusiva em produtos e experiências de marca.

Inspirada na experiência pessoal de um dos criativos da agência com um familiar neurodivergente, a marca nasceu com o propósito de dar visibilidade e protagonismo a esse público. A grife reúne peças de design original criadas por pessoas com deficiência intelectual no Japão.

A iniciativa identifica padrões expressivos e recorrentes nas obras desses artistas, traços muitas vezes associados à neurodiversidade, e os aplica em produtos e ambientes.

O case propõe um modelo replicável em escala global, onde incluir artistas neurodivergentes como colaboradores no mercado, com transparência financeira e respeito, fomenta uma cultura de igualdade e valorização genuína. Abre caminho, também, para que setores como design, cultura, varejo e a própria indústria da comunicação repensem suas estruturas de trabalho e valorização de pessoas com deficiência.

O prêmio reconhece uma nova fase da criatividade social: ao colocar artistas neurodiversos no centro de um sistema equitativo, a campanha rompe padrões, cria mercado, gera impacto cultural e define um novo paradigma de negócios com propósito.

ESG como estratégia de diferenciação

A ideia central do case “Three Words”, criado pela Publicis Conseil para a companhia de seguros Axa na França, que levou o Leão de Prata na categoria, foi simples e poderosa: incluir as palavras “and domestic violence” (“e violência doméstica”) na cláusula de realocação emergencial já existente nas apólices residenciais para incêndio e inundações.

Com esse pequeno ajuste, o seguro passou a oferecer proteção imediata para vítimas em risco, sobretudo diante da ausência de suporte real em situações de emergência residencial para esse tipo de vítima.

A iniciativa foi implementada de forma concreta, com cobertura imediata, suporte 24 horas e uma comunicação de alcance nacional. O case demonstra como princípios de ESG podem se traduzir em diferenciação de negócio, ao transformar responsabilidade social em benefício real para as pessoas.

Além de gerar impacto direto para as vítimas, a ação ampliou o debate público e fortaleceu o empoderamento das mulheres. As “três palavras” reconfiguraram a percepção de segurança das apólices, promovendo mudança prática e efetiva.

Mais do que um movimento de conscientização, a proposta alterou efetivamente a oferta de um produto da empresa. Segundo a companhia, a Axa já avalia levar o modelo para outros mercados, mostrando seu potencial de escalabilidade.

O poder de reparação de uma caneta

O Last Prisoner Project, organização sem fins lucrativos, criou uma ação simbólica e impactante para acelerar o perdão coletivo de pessoas presas por crimes anteriormente criminalizados.

“The Pen to Right History”, desenvolvido pela McCann Nova Iorque, é uma caneta física carregada de significado. Entregue a familiares de presos, a ideia era que eles escrevessem cartas pessoais a governadores e legisladores com a solicitação da assinatura de indultos com aquela mesma caneta.

As cartas, escritas à mão, combinaram o simbolismo do gesto com o poder da narrativa pessoal, destacando as injustiças históricas do sistema penal norte-americano. Os depoimentos foram registrados em vídeos emocionais e amplamente divulgados no País, gerando forte repercussão na imprensa e nas redes sociais.

A caneta percorreu o caminho dos familiares até os governadores, encerrando o ato simbólico de “reescrever a história”. O impacto foi concreto: em 17 de junho de 2024, o governador de Maryland, Wes Moore, usou a caneta para assinar o maior perdão de crimes relacionados à cannabis já realizado por um estado dos EUA, perdoando 175. 000 condenações.

O case, que venceu o Leão de Prata na categoria, demonstra como um objeto simples, aliado a histórias humanas e execução estratégica, pode se tornar um catalisador para a justiça histórica.

Criatividade e transformação no setor público

Em São Paulo, uma grande parcela das mulheres relata sentir-se insegura ao caminhar à noite ou frequentar determinados ambientes urbanos. O objetivo do projeto “Her Dome”, da agência DPZ para o Governo do Estado de São Paulo, era criar uma solução tecnológica integrada que aumentasse a segurança pública e a sensação de pertencimento feminino nos espaços urbanos.

Por meio de um mapeamento inteligente de rotas urbanas, com critérios de segurança como iluminação, policiamento, câmeras de vigilância, uso do solo e presença de comércio, um “domo” invisível foi criado. A iniciativa consistia em um espaço virtual marcado em aplicativos e mapas que demarcava zonas consideradas mais seguras para mulheres circularem. Essas informações eram então usadas para escolher trajetos, programar reuniões ou ter retorno sobre os riscos da região em tempo real.

    O “Her Dome” foi incluído em aplicativos de mobilidade urbana, plataformas de planejamento de rotas e sistemas municipais. O resultado da iniciativa foi a tendência de redução dos relatos de assédio em áreas com presença da ferramenta; reconhecimento público como novação urbana, e o posicionamento de São Paulo como referência global em políticas urbanas com viés de gênero.

    Ao conectar dados urbanos, tecnologia e políticas públicas, o case, que ganhou o Leão de Bronze em Glass, tornou-se relevante globalmente na luta por ambientes urbanos mais seguros e inclusivos.

    Conquista simbólica e real

    No Brasil, os capelos usados em formaturas acadêmicas sempre foram desenhados para cabelos lisos, um detalhe que, na prática, exclui e invisibiliza mulheres negras, que hoje representam a maioria entre os estudantes universitários.

    Com criação da Gut São Paulo, a Vult identificou essa lacuna estética e simbólica: o capelo tradicional não acomoda adequadamente cabelos afro, reforçando uma barreira visual e emocional em um dos momentos mais significativos da trajetória acadêmica. A solução foi redesenhar o acessório, com mais espaço e tecido flexível, para contemplar diferentes texturas e volumes.

    Segundo as empresas envolvidas no projeto, que levou Leão de Bronze na categoria, mulheres negras participaram diretamente do desenvolvimento e da validação dos novos capelos, o que garantiu autenticidade e representatividade ao projeto.

    A campanha, batizada de “Respeita meu capelo”, transformou uma necessidade prática em símbolo de afirmação, representatividade e pertencimento. Com ampla repercussão na mídia nacional e internacional, o case impulsionou conversas sobre identidade, cultura e inclusão na educação superior.

    Crescimento e transformação constantes

    Em 2004, uma pesquisa global revelou que apenas 2% das mulheres se consideravam bonitas. O insight motivou a Dove a transformar a cultura da beleza e reposicionar sua marca no mundo.

    Tradicionalmente vista como uma marca de sabonetes, a marca decidiu desafiar os padrões irreais de beleza, frequentemente moldados por manipulação digital e estereótipos, e promover uma nova abordagem: fazer da beleza uma fonte de confiança, e não de ansiedade. A campanha “Real Beauty”, que segue ativa há mais de 20 anos, atravessou diferentes fases culturais e acompanhou e contribuiu para as mudanças nas mulheres e na sociedade.

    Com ações mais recentes, como #ReverseSelfie, que alerta para os efeitos de filtros sobre a autoestima de jovens, e #ToxicInfluence, que combate padrões prejudiciais difundidos pelas redes sociais, o case segue como exemplo de comunicação, autoridade cultural, impacto comercial e contribuição para educação social.

    A campanha transformou uma marca de sabonetes em um símbolo cultural, com mensagem emocional autêntica e um forte alinhamento entre produto e propósito, demonstrando que é possível crescer comercialmente enquanto se gera impacto social real.

    Sob liderança da Ogilvy UK, o case “Real Beauty: How a Soap Brand Created a Global Self-Esteem Movement” conquistou o Grand Prix de Glass, consolidando seu lugar como um marco no marketing de propósito. Até hoje, serve como referência para quem acredita no poder da criatividade, das marcas e da indústria para promover mudanças sociais significativas.

    Publicidade

    Compartilhe

    Veja também

    • Como empresas brasileiras têm promovido a inclusão de refugiados

      Como empresas brasileiras têm promovido a inclusão de refugiados

      Companhias como GPA, Assaí, BRF, A.C. Camargo e Solar Coca-Cola já implementam políticas de inserção desse público

    • Falta de tempo afasta brasileiras da prática de exercícios físicos

      Falta de tempo afasta brasileiras da prática de exercícios físicos

      Levantamento da Tembici revela que 59% das mulheres não estão satisfeitas com a frequência de atividades físicas, e 97% desejam se exercitar mais