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Opinião

IA: herói ou vilã?

Uma equação explosiva entre dados, direitos autorais e desigualdade está em curso, ameaçando uma indústria criativa que movimenta bilhões


1 de julho de 2025 - 9h29

(Crédito: Shutterstock)

Na superfície, o debate parece ser sobre criatividade. Na prática, é sobre grana.

Afinal, qual é o impacto da IA generativa na economia criativa?

Respondo: não se trata de vilania ou heroísmo. Trata-se de quem vai faturar.

Uma equação explosiva entre dados, direitos autorais e desigualdade está em curso, ameaçando uma indústria criativa que movimenta bilhões. Só no Brasil, esse setor com a publicidade como principal motor movimentou R$ 230,14 bilhões, o equivalente a 3,11% do PIB, sendo responsável por mais de 7,8 milhões de empregos. No mundo, são trilhões de dólares e mais de 30 milhões de postos de trabalho, segundo a Unesco.

Ou seja, se você trabalha com criação, seja como diretor de arte, roteirista, designer, fotógrafo ou em qualquer outro trampo dentro dessa indústria, já deve estar sentindo na pele: trabalhos sendo recusados porque um cliente “resolveu testar o Midjourney” ou gerar um script com o ChatGPT, Gemini, entre outras tantas. Dados extraídos de redes sociais, bancos de imagem e portfólios online viraram matéria-prima para treinar máquinas que, agora, competem com seus próprios criadores.

Até aí, tudo bem. A gente já viu esse filme. Não é a primeira vez que a tecnologia reestrutura a indústria criativa. A chegada da fotografia digital, do YouTube, dos smartphones, tudo isso mexeu nas estruturas. Só que agora o movimento é outro. A IA não é apenas uma ferramenta, é um novo modelo de negócios, que transforma artistas em insumos não remunerados e desloca não só o indivíduo criador, mas toda a cadeia ao redor: produtores, editores, técnicos, redatores, diretores de arte.

Se engana quem pensa que isso é marginal. Os modelos de IA voltados à publicidade já geram cerca de 34 milhões de anúncios por dia. É substituição em escala industrial.

Hoje, três empresas estão no centro dessa transformação: OpenAI (com o ChatGPT), Google/Nvidia (com o Gemini) e DeepMind (com o DeepSea). São elas que figuram nos maiores eventos de inovação, tecnologia, e, ironicamente, publicidade, vendendo as maravilhas da IA para marcas e agências do mundo todo. Falam de eficiência, criatividade aumentada, escalabilidade. Falam também de inclusão, diversidade, responsabilidade corporativa. Porém, ainda não sentaram à mesa para discutir, de forma séria e transparente, a remuneração dos criadores que alimentam seus sistemas. Nem sobre quais dados estão usando. Nem sobre como o dinheiro gerado por essa revolução será redistribuído.

Esse é o paradoxo: empresas que, em seus manifestos, defendem equidade e inclusão, mas que estão reestruturando o mercado de trabalho criativo sem considerar quem sempre sustentou essa indústria.

Entre as propostas, a criação de novos modelos de licenciamento coletivo, inspirados nas associações já existentes na indústria musical. E o fortalecimento dos direitos de personalidade para que atributos como voz, imagem, maneirismos e estilo sejam protegidos por lei, e não replicados indiscriminadamente.

E tudo isso depende de uma condição básica: transparência. É impossível negociar o que se desconhece. Sem saber com que dados os modelos foram treinados, os criadores não podem licenciar, nem cobrar.

A conclusão é que o caminho mais justo e mais potente seria que essas grandes empresas de IA, que já dominam o imaginário do mercado publicitário, se unissem a criadores, governos e organizações para construir um sistema viável, ético e sustentável. Que sentassem à mesa, não para distribuir esmolas, mas para desenhar um futuro que funcione para todos.

O modelo do Spotify, por exemplo, foi disruptivo nesse sentido. Nos anos 2000, enquanto o mercado fonográfico enfrentava uma crise causada pela pirataria com milhões de pessoas baixando músicas gratuitamente por Torrent, Napster e afins, muitas vezes enfrentando riscos de segurança digital e baixa qualidade sonora, o Spotify surgiu como uma solução revolucionária.

Em vez de combater o comportamento, a plataforma o entendeu e redesenhou a experiência, ofereceu acesso fácil, seguro e com alta qualidade, por um preço acessível, transformando o consumo musical em um hábito legalizado e conveniente. Mais do que isso, criou um modelo de negócios capaz de remunerar artistas, mesmo que ainda haja debates sobre os valores pagos, estabelecendo um novo equilíbrio entre acesso do público e sustentabilidade para os criadores.

Se queremos que a IA seja heroína e não vilã, temos que mudar a regra do jogo. E isso começa reconhecendo que o jogo, hoje, é econômico — e ainda pode ser ético.

Ou seja, não é sobre direito. Nem sobre arte. É sobre fluxo de caixa.

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