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Jessica Almeida: “Recusei propostas que me colocavam como token” 

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Jessica Almeida: “Recusei propostas que me colocavam como token” 

A Associate Creative Director da Agência Gana fala sobre carreira, liderança e o papel da diversidade na publicidade 


9 de fevereiro de 2024 - 7h12

Jessica Almeida é Associate Creative Director na Gana (Crédito: Divulgação)

Do interior da Bahia às bancadas de júri de prêmios internacionais, Jessica Almeida veio para deixar sua marca na publicidade brasileira. Ela, que começou sua carreira numa agência local de Feira de Santana, na Bahia, hoje ocupa a posição de Associate Creative Director na Gana. A agência criada em 2021 nasceu com a premissa de ser composta por 100% de profissionais negros, desafiando o mercado de comunicação sobre a falta de diversidade. Além da atuação como publicitária, Jessica também participa do projeto Lúcidas, uma plataforma de conteúdo focada em explorar a importância das amizades femininas para as mulheres. 

Nesta entrevista, Jessica Almeida fala sobre sua carreira, passando por sua experiência numa campanha eleitoral e pelo seu projeto paralelo, o Lúcidas. Além disso, a criativa ainda destaca o papel que uma agência como a Gana tem no mercado publicitário e sua capacidade de retratar um Brasil autêntico e plural. 

 

Fale um pouco sobre você, suas origens, formação e trajetória profissional. 

Eu sou baiana e nasci em Feira de Santana, uma cidade no interior da Bahia que funciona como um polo comercial, por isso, tem algumas agências de publicidade. Meu interesse pela escrita me levou à faculdade de Comunicação Social em Salvador. Assim que me formei, retornei à Feira e comecei minha carreira em uma agência local. Depois, me mudei para Salvador, onde integrei a equipe da área de digital da Morya, uma das agências mais tradicionais da cidade, primeiro como redatora e posteriormente como coordenadora. 

Até que fui chamada para trabalhar numa MESA em São Paulo (da MESA Company). E logo compreendi que eu queria me projetar no mercado de lá. Assim, passei pela W3Haus como redatora, trabalhando com marcas como O Boticário, Mercado Pago e Mercado Livre. Hoje, ocupo a posição de ACD (Associate Creative Director) da Gana, uma agência com todos os profissionais negros e focada em narrativas brasileiras. A agência me deu não apenas uma oportunidade profissional, mas também um senso de pertencimento e a chance de promover narrativas diversas na publicidade. 

Em 2022, participei como coordenadora da área digital da campanha do presidente Lula, e essa experiência me trouxe novos olhares sobre a agilidade do processo criativo. Agora, estou me preparando para ser jurada em dois prêmios internacionais, o One Show e o D&AD Awards. 

Ao refletir sobre minha jornada, percebo que alcançar o posto de jurada em prêmios internacionais é algo inimaginável para uma garota do interior da Bahia. Para mim, o maior legado não é apenas ganhar prêmios, mas promover ambientes criativos saudáveis e inspirar outras pessoas a conquistarem o sucesso.  

Acredito que, no final das contas, o que realmente importa são as pessoas que estão ao meu redor e como elas lembrarão de mim. Isso me impulsiona diariamente a buscar desafios e promover uma publicidade mais brasileira, humana e inclusiva. 

Você também participa do projeto Lúcidas, sobre amizades femininas. Pode falar um pouco sobre ele?

Sempre atuei como publicitária em agências, onde os profissionais eram predominantemente homens brancos heterossexuais, principalmente na área de criação. Assim, me sentia um pouco sozinha, já que meus amigos de trabalho eram, na sua maioria, homens. Apesar de ter amigas fora do ambiente profissional, nutrir essas amizades exigia um esforço maior. A importância de cultivar essas relações foi algo que aprendi e aplico até hoje. 

Ano passado, a Larissa Magrisso, ex-VP de criação da W3Haus, me convidou para participar do projeto Lúcidas, do qual ela é fundadora, ao lado da Ana Briza. O foco do projeto é explorar a amizade feminina por meio de eixos como pesquisa, experiências e discussões sobre temas relevantes para as mulheres. Hoje, o Lúcidas é uma plataforma de conteúdo, na qual abordamos estudos e literatura sobre a importância da amizade feminina para a saúde mental, física e nas interações sociais. 

Você também trabalhou na campanha eleitoral do Lula em 2022. Quais são as diferenças entre trabalhar numa campanha de marketing político e de marcas de consumo? 

A experiência na campanha presidencial foi única e marcante, principalmente pela estrutura diferenciada em comparação ao ambiente das agências. A intensidade do ritmo de trabalho foi um dos pontos mais chocantes, que exigia uma atenção redobrada em cada detalhe da comunicação. 

Diferentemente do ambiente de agência, onde muitas vezes as responsabilidades são compartimentalizadas, na campanha eleitoral todos trabalham juntos em prol de um propósito maior. A colaboração era evidente em todos os aspectos, desde redatores ajudando na edição de áudio até a coordenação se envolvendo em diferentes aspectos da produção. 

Além disso, a preocupação com o bem-estar emocional e físico da equipe era muito importante. Estar longe de casa e da família exigia uma atenção especial aos colegas de campanha. A liderança precisava demonstrar um cuidado humano, oferecendo suporte emocional e compreensão das necessidades pessoais de cada integrante da equipe. Essa abordagem humanizada foi um aspecto muito positivo e inspirador para mim, que levo deste período. 

Como você descreveria seu estilo de liderança? 

Ao liderar, busco aplicar o que aprendi com aqueles que considero bons líderes. Compreendo a importância de considerar as realidades individuais das pessoas na equipe. Além disso, minha liderança é centrada na colaboração, incentivando a equipe a brilhar. Não busco ser uma líder premiada, mas meu orgulho está em ver as pessoas que liderei conquistando sucesso, seja vendo-os assumindo novos cargos ou recebendo reconhecimento. 

Acho muito importante extrair o melhor de cada um, e acredito que líderes egoístas e arrogantes podem sufocar grandes talentos em uma agência. Meu foco é na construção, não apenas ensinando, mas também aprendendo com a equipe, em uma troca mútua de conhecimentos. 

Acredito em uma abordagem flexível, reconhecendo que cada pessoa tem seu próprio estilo de trabalho. Estimulo meus liderados a desenvolverem suas potencialidades, ao mesmo tempo em que ofereço suporte e ensinamentos para preencher eventuais lacunas em suas habilidades. 

Na sua visão, como você conseguiu se destacar no mercado publicitário? 

Vários fatores foram determinantes. Em alguns momentos, eu estava no lugar certo na hora certa, executando trabalhos que me deram visibilidade. A virada de chave aconteceu quando fui convidada para participar de uma MESA pela primeira vez em São Paulo. A projeção resultante desse convite foi fundamental para a minha trajetória profissional.  

Acredito que meu comprometimento com o trabalho também desempenhou um papel crucial. Sou direta no que faço, e não me deslumbro com cargos ou nomes. Foco na execução, seja como redatora ou coordenadora de criação.  

Além disso, saber dizer “não” quando necessário foi uma decisão importante, pois tive que recusar propostas que me colocariam em um lugar de apagamento social ou tokenismo. Optei por continuar em agências menores, ao invés de ir para uma grande agência apenas para ser um nome na planilha. O reconhecimento de que o espaço muitas vezes aberto para pessoas negras e mulheres vem com desconfiança exigiu uma constante autopreservação minha. 

Networking também desempenhou um papel importante para o meu reconhecimento, pois pude contar com uma rede de apoio que confiava em mim para assumir grandes responsabilidades. 

Por fim, acredito que o boom na busca por profissionais diversos me colocou em destaque. Já fui comparada a um “unicórnio” por ser uma mulher negra criativa no meio da publicidade, o que me fez perceber o quão importante é estar nos espaços que ocupo. Em 2024, ainda é notável a escassez de diretoras criativas negras no Brasil, mas reconheço meu papel em desbravar esse caminho. 

Para você, como é trabalhar numa agência de publicidade 100% negra? Qual é a importância de existir uma agência assim? 

Acredito que a importância da Gana está em, primeiramente, chamar a atenção do mercado. Somos uma agência totalmente composta por profissionais negros. Mas o diferencial da empresa vai além, pois não representamos apenas negros, mas negros de todos os cantos do Brasil, como Brasília, Pará, Pernambuco, Salvador, São Paulo e Rio Grande do Sul. Essa diversidade não se limita apenas às origens, mas abrange diferentes vivências, realidades, cursos e formações. Por essa composição, a agência tem um potencial único para falar sobre o Brasil de uma maneira autêntica e verdadeira. Ao trabalhar com uma equipe tão diversificada, conseguimos criar campanhas mais autênticas, sólidas e conectadas à raiz da cultura brasileira. 

A Gana tem um papel social significativo, pois dá visibilidade a pessoas negras, mostrando que elas podem ocupar qualquer espaço. Por ser uma agência 100% negra, ela gerou questionamentos sobre a razão dessa escolha e provocou reflexões sobre a falta de agências com essa visão no Brasil, desafiando o mercado da publicidade. Ao considerar que 56% da população brasileira é negra, a Gana se destaca por compreender e abordar as necessidades desse grupo de maneira autêntica. 

Estar na Gana, para mim, representa um propósito de vida. É algo que nunca imaginei ser possível. Lembro-me de ser a única pessoa negra nas agências por onde passei, e agora, fazer parte da Gana é mais do que um sonho, é a prova de que é possível alcançar algo extraordinário. Se podemos realizar isso, certamente podemos alcançar muito mais. 

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