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COP30: Tempo de regenerar

Conferência no Brasil marca urgência da agenda ambiental e clima em colapso exige ações corporativas para além da sustentabilidade


19 de maio de 2025 - 8h34

Por Dimalice Nunes

Brasil receberá a COP30 após o mundo viver o ano mais quente da história (Crédito: Shutterstock)

A data está marcada desde maio de 2023: de 10 a 21 de novembro deste ano, Belém, capital do Pará, no coração da Amazônia, será o endereço da 30a Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP30). A sede é emblemática: com sua farta biodiversidade e matriz energética limpa, o Brasil reúne condições para liderar uma agenda efetiva de controle do aquecimento global. A COP30 marca, ainda, dez anos do Acordo de Paris, tratado internacional que uniu esforços para limitar o aumento da temperatura global a 1,5ºC acima dos níveis pré-industriais.

A edição deste ano tem o peso de suceder a polêmica COP29, no Azerbaijão, país não plenamente democrático e dependente de combustíveis fósseis. Outro dado reforça a intensidade dos holofotes: 2024 foi o ano mais quente da história, com média global já acima do limite acordado em Paris. Essa conjunção de fatores torna o evento não apenas uma esperança por tratados e financiamento de ações pela sobrevivência do planeta, mas um fórum único de encontro das três variáveis da equação: setor público, empresas e sociedade civil.

“Sustentar não é mais suficiente, é preciso regenerar”, sentencia Angela Pinhati, diretora de sustentabilidade da Natura. “Isso significa que o papel das empresas precisa ir além de reduzir impactos: é necessário reconstruir relações com a natureza para mitigar os impactos das mudanças climáticas”, defende a executiva. “Sustentabilidade não é opção, é necessidade para que as empresas e toda a sociedade sobrevivam no longo prazo”, concorda Michele Salles, diretora de ecossistema e inclusão da Ambev.

Michele Salles, da Ambev: sustentabilidade não é opção, é necessidade (Crédito: Divulgação)

Segundo a edição mais recente do Global Sustainability Gap Report, 85% da perda de biodiversidade e 70% das emissões de gases do efeito estufa são associadas ao nosso modo de vida. “E quem provê, hoje, as soluções para as necessidades cotidianas? São as empresas”, provoca Andrea Alvares, presidente do conselho deliberativo do Instituto Ethos e líder do Fundo Fama Gaia Sociobioeconomia.

Mas se as corporações são parte do problema, também são peças-chave da solução. “As empresas precisam entrar nessa conversa não como vilãs, mas como partícipes da mudança do modelo de negócio para que as soluções para a nossa existência sejam feitas de outra forma”, defende Andrea. “Esse planeta do qual a gente depende, se for destruído, não haverá negócios. Não existem negócios, mesmo sustentáveis, num planeta morto”, afirma.

Da teoria à prática

Andrea reforça que as empresas seriamente comprometidas com a agenda ambiental começam atuando na própria cadeia de valor. Ela lembra que, antes, negócios, sociedade e planeta eram vistos como esferas separadas. “Hoje, a verdade é que os negócios estão dentro da sociedade, que está dentro do planeta. É uma interdependência total”, define. É sob esta lógica que as empresas devem agir, independentemente do setor, já que está tudo interligado.

Na Natura, a meta é ambiciosa: a empresa se comprometeu publicamente a ser um negócio 100% regenerativo até 2050. Para chegar lá, a companhia é carbono neutro desde 2007 e compensa suas emissões priorizando créditos de alta integridade, aqueles que reduzem ou removem carbono de forma comprovada, com benefícios sociais e ambientais associados. Em 2023, foi a primeira empresa da América Latina a receber a certificação Platina da Iniciativa de Integridade dos Mercados de Carbono Voluntários (VCMI). No ano seguinte, lançou seu Plano de Transição Climática para zerar as emissões líquidas de carbono nas operações diretas até 2030 e reduzir em 42% as emissões indiretas. O plano inclui uso de biometano na logística, o redesenho de embalagens para maior circularidade e investimentos em agricultura regenerativa, como o sistema agroflorestal de palma sustentável (SAF Dendê), no Pará. “Mudança climática não é um tema ambiental isolado, é uma pauta central na estratégia de negócios. Regenerar vai além de ser uma escolha, é uma urgência”, afirma Angela.

É preciso reconstruir relações com a natureza, ressalta Angela Pinhati, da Natura (Crédito: Breno da Matta/Divulgação)

Numa empresa de cosméticos com ativos naturais extraídos da floresta, cuidar das comunidades e apostar em embalagens com menor geração de resíduos são ações centrais. Em uma companhia cuja principal matéria-prima é a água, os desafios partem daí. A Ambev iniciou suas ações de sustentabilidade há 25 anos. Desde então, segundo Michele, a gestão hídrica reduziu em mais de 50% o uso de água na produção de cerveja. Além disso, cerca de 500 mil m³ de efluentes tratados são reaproveitados mensalmente por comunidades nas regiões onde a Ambev atua, o que contribui para a economia de recursos hídricos das bacias locais. “Alcançamos a meta de redução no consumo de água na produção de cerveja um ano antes do previsto”, comemora. Há ações também de descarbonização das operações próprias e de fornecedores, no que Michele chama de “jornada do campo ao copo”, incluindo desde a qualidade dos insumos até a destinação responsável de embalagens.

No setor industrial, as estratégias de descarbonização são concretas e tangíveis, o que não quer dizer que outros segmentos não estejam agindo. No financeiro, a sustentabilidade avança com o uso consciente dos recursos e a criação de instrumentos financeiros verdes. “O setor privado é um agente fundamental na descarbonização e precisa estar preparado para avaliar as oportunidades e os desafios da transição em seu modelo de negócio”, afirma Luciana Nicola, diretora de relações institucionais e sustentabilidade do Itaú Unibanco.

A agenda de adaptação climática está incorporada na estratégia de negócios do banco. Luciana conta que a frente de Transição Climática, um dos objetivos do Itaú em sua pauta ESG, é dedicada a aprimorar soluções que ajudem os clientes na transição para o baixo carbono, com foco na adaptação e mitigação de riscos climáticos. Como parte desse esforço, o banco criou o Cubo ESG, um hub de inovação que conecta startups, empresas e investidores para fomentar soluções para a agenda climática. Já a área de Finanças Sustentáveis integra temas ESG aos negócios por meio de estudos, advocacy, produtos financeiros sustentáveis e engajamento de clientes. “Estamos empenhados em mobilizar ao menos R$ 1 trilhão em finanças sustentáveis até 2030”, conta Luciana.

Articular para construir

Ecossistema é um conceito que vem da biologia para definir as relações entre os seres vivos e o ambiente. Aqui, ele representa as interações entre empresas, poder público e sociedade civil por um mundo sustentável. A mobilização começa nas cadeias de valor, passa pelas comunidades que interagem com os negócios e deve chegar ao poder público. “Esse é o maior desafio, é o X da questão. Essa articulação está ancorada na capacidade de mobilização social somada a incentivos”, define Andrea.

“As empresas devem ter uma postura propositiva e influenciar a agenda de transição climática, seja por meio de advocacy ou operando em convergência com marcos regulatórios”, afirma Luciana. Para ela, um bom exemplo disso foi o processo de regulamentação do mercado de carbono no Brasil, uma demanda do setor privado que contou com contribuições de diferentes empresas e associações para garantir um modelo efetivo e funcional. “Neste sentido, o banco tem atuado de forma propositiva, com dados, capacidade técnica e inteligência de mercado”, afirma.

A regulamentação do mercado de crédito de carbono também foi citada por Angela, da Natura, como exemplo de boa articulação público-privada, pois cria oportunidades para as empresas financiarem sua transição e monetizarem ações sustentáveis. Ela também destaca a conexão entre a agenda climática e a financeira, que ainda precisa evoluir. A partir de 2026, empresas listadas na bolsa terão que relatar em seus relatórios oficiais, de forma estruturada, os riscos que o clima representa aos seus negócios e o que estão fazendo para enfrentá-los, assim como fazem com dados financeiros.

Cop30: momento de agir

“Mais do que grandes anúncios, o verdadeiro legado da COP30 será mostrar que o Brasil tem capacidade de entrega: soluções concretas, pactos multissetoriais e impacto real”, afirma Tarcila Ursini, conselheira e embaixadora do Chapter Zero/Climate Governance Brazil do Fórum Econômico Mundial/IBGC. Para Andrea, as empresas podem participar da COP de inúmeras maneiras: aprendendo, mostrando casos reais de ação e questionando sobre quais companhias estão, de fato, embarcadas nessa agenda. “É hora de discutir abertamente com a sociedade civil e os governos os incentivos simbólicos e concretos para acelerar a jornada de transformação.”

Andrea Alvares, do Instituto Ethos: atuação em ESG começa na própria cadeia de valor (Crédito: Ana Paula Paiva/Divulgação)

Tarcila defende que é o momento de transformar compromissos em estratégia de negócio, metas de longo prazo em métricas de desempenho, e escuta em pactos de colaboração. Para ela, o protagonismo empresarial deve ir além de promessas e relatórios bem elaborados. “A conferência nos convoca, como setor privado, a assumir um papel mais ativo na formulação de soluções para temas sensíveis como financiamento climático, rastreabilidade e justiça climática”, diz Angela, da Natura.

“Queremos mostrar que negócios que fazem bem para o planeta e para as pessoas são não só possíveis, como desejáveis e viáveis”, completa. Já Luciana, do Itaú, conta que o banco pretende promover diálogos entre os setores público e privado. “Se bem-sucedida, a COP30 pode representar um novo momento para o País, em que a agenda de sustentabilidade se transforma em um novo vetor de crescimento econômico”, opina.

Tarcila elenca a lição de casa para que a articulação buscada de fato aconteça: influenciar cadeias globais de valor, desenvolver tecnologias e modelos regenerativos para campo e cidade, e engajar-se na construção de soluções sistêmicas — como plataformas de financiamento climático, rastreabilidade e marcos regulatórios que fomentem uma nova economia. “Para isso, o setor privado precisa agir com visão de futuro, coragem de liderar e disposição genuína para cocriar um caminho que perdure além da COP: resiliente, inclusivo e profundamente conectado com o Brasil que somos e com o Brasil que queremos ser”, conclui.

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