Qual o impacto da lei de cotas para mulheres em conselhos no Brasil?
Conselheiras avaliam projeto aprovado no Senado que estabelece presença feminina obrigatória em conselhos de estatais, com inclusão de negras e PCDs
Qual o impacto da lei de cotas para mulheres em conselhos no Brasil?
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Lidia Capitani
4 de julho de 2025 - 14h40
O Senado Federal aprovou, em 24 de junho, o Projeto de Lei 1.246/2021, que estabelece a reserva obrigatória de 30% das vagas de membros titulares nos conselhos de administração de empresas estatais para mulheres, incluindo os recortes de raça e deficiência. O texto, de autoria da deputada Tabata Amaral (PSB-SP), segue agora para ser sancionado pelo Presidente.
A medida vale para empresas públicas, sociedades de economia mista, suas subsidiárias e controladas, além de outras companhias em que a União, estados, municípios ou o Distrito Federal detenham a maioria do capital social com direito a voto.
A adoção da cota será feita de modo gradual. No primeiro ano, as mulheres deverão ocupar 10% dos assentos, 20% no segundo e, finalmente, 30% no terceiro. Dos postos reservados, 30% serão destinados a mulheres autodeclaradas negras ou com deficiência. A política deverá ser revisada após 20 anos.
No setor privado, as mulheres ocupam cerca de 21% das cadeiras em conselhos de administração no Brasil, de acordo com levantamento realizado em 2024 pela PwC em parceria com o 30% Club Brasil, considerando as cem maiores empresas listadas na B3.
“Estamos num contexto com números difíceis de mulheres em conselhos, especialmente nas estatais, que são empresas públicas de economia mista, marcadas por muitas indicações políticas e majoritariamente masculinas. Isso torna fundamental um projeto de lei que institua cotas para começarmos a ter mais mulheres nessas posições”, destaca Jandaraci Araújo, conselheira e cofundadora do Conselheiras 101.
Leila Loria, também conselheira e vice-presidente do conselho da Women Corporate Directors (WCD), fundação global que fomenta a diversidade de gênero em conselhos de administração, aponta que o problema não é por falta de formação das mulheres.
“O que falta é visibilidade. Muitas mulheres extremamente qualificadas continuam invisíveis para o mercado e para os formadores de opinião”, afirma. “As mulheres se preparam, às vezes até mais que os homens. Se você olhar as estatísticas, elas estudam mais. Então, por que não estão nos conselhos?”, questiona.
Para além do machismo e de outros preconceitos que impedem que mais mulheres e pessoas diversas atuem em conselhos, uma das causas dessa baixa representatividade é o processo seletivo utilizado: a indicação. “Aqui no Brasil, a maioria das posições em conselhos ainda acontece por indicação, não por headhunter, e isso dificulta um pouco mais”, pontua Leila.
A lei segue o exemplo de outros países que já adotaram a medida, como Noruega, França, Alemanha, Espanha, Itália e outros. “Muitos deles já passaram dos 40% e, inclusive, nem precisam mais da legislação. Isso nos fez entender que, para o Brasil avançar, também seria necessário algum tipo de lei, mesmo que temporária, para tirar a inércia e acelerar o processo”, afirma Loria.
Leila Loria, conselheira e vice-presidente do Women Corporate Directors (Crédito: Divulgação)
O número não é aleatório. A porcentagem é baseada numa iniciativa global chamada 30% Club, que está espalhada em mais de 20 países, e tem como objetivo colocar 30% de mulheres nos conselhos de administração em empresas pelo mundo todo. Estudos também sugerem que este é o patamar ideal para as empresas começarem a apresentar resultados positivos.
Além disso, a partir dessa porcentagem, a participação feminina deixa de ser simbólica e passa a ter impacto real na governança e na cultura organizacional, conforme destaca o relatório “Women on Boards and Beyond 2024”, da MSCI.
A lei brasileira indica que, ao alcançar o patamar de 30% de mulheres, as empresas devem almejar que 30% dessa cota seja para mulheres negras e com deficiência. “O projeto começou focado apenas no recorte de gênero, sem considerar a raça, que é a grande diferença do projeto atual. Existem muitas mulheres racializadas capacitadas, e que, em geral, não são consideradas. Por isso, destacamos a importância desse projeto, que além do reporte de gênero, inclui o racial”, aponta Jandaraci.
Apesar de estar focado apenas nas empresas públicas, a decisão também impacta o setor privado. “Essa decisão do poder público tende a provocar reflexões e movimentos semelhantes, seja por inspiração ou por pressão de mercado, investidores e sociedade. No fim, o avanço da diversidade nos conselhos representa um passo importante não apenas para a equidade de gênero, mas para a evolução da governança como um todo”, afirma Sandra Comodaro, conselheira e advogada.
Sandra Comodaro, advogada e conselheira (Crédito: Divulgação)
As empresas privadas já são incentivadas pela B3 a terem mulheres ou pessoas de grupo sub-representados em seus conselhos. “Essa decisão cria um novo padrão de governança que o setor privado não pode ignorar. Ao demonstrar que diversidade é essencial para decisões mais sólidas e inovadoras, as estatais pavimentam o caminho para que empresas privadas também priorizem a inclusão de mulheres em seus conselhos, fortalecendo sua competitividade, reputação e capacidade de liderança no mercado global”, complementa Sandra.
Por ora, os mecanismos de fiscalização punem as empresas que não cumprirem a cota pela impossibilidade de deliberar sobre qualquer matéria. “Acho que não precisa de mais do que isso”, avalia Leila. “O que eu espero é que, com o tempo, nem se pense mais na punição. Que eles percebam que o benefício é tão grande, que não vai mais ser necessário considerar a penalidade para tomar essa decisão”, adiciona.
Para Jandaraci, a transparência sobre os processos é fundamental para avaliar a efetividade da lei. “Além da regulamentação, é essencial que os processos sejam transparentes e abertos, e que as vagas não sejam preenchidas por indicações políticas, mesmo em estatais, mas que sejam ocupadas por mulheres qualificadas”, destaca.
Aumentar a diversidade em conselhos de administração traz resultados positivos para as empresas, sejam financeiros ou reputacionais. De acordo com o estudo da MSCI, as empresas com pelo menos 30% de mulheres no board obtiveram retornos financeiros acumulados 18,9% maiores do que aquelas sem, entre 2019 e 2024.
“A médio e longo prazo, isso pode se refletir positivamente na reputação, na eficiência e até nos resultados dessas organizações. Afinal, a presença de mulheres nos conselhos muda substancialmente a qualidade do debate e das decisões, trazendo mais diversidade de pensamento, maior sensibilidade a riscos sociais e reputacionais, além de estimular uma cultura organizacional mais inclusiva e ética”, aponta Comodaro.
“Além disso, há um benefício claro no clima do conselho. Elas se preocupam muito mais em gerar um ambiente harmonioso e colaborativo dentro dos conselhos, sem a menor dúvida”, complementa Loria. “As mulheres, com uma visão mais abrangente e sensibilidade para lidar com pessoas, que é algo essencial nos conselhos hoje, têm muito a contribuir, especialmente com temas como sucessão e retenção de talentos”, continua.
As mulheres conselheiras também são mais cuidadosas e tendem a ser avessas ao risco. Um artigo publicado na Revista de Ciências da Administração por Coletta e Lima (2021) destacou que o aumento da participação de mulheres em conselhos administrativos está associado a uma diminuição de risco de mercado, pois a diversidade de gênero tende a atuar como um mecanismo moderador de decisões.
Para Jandaraci Araújo, o maior desafio para a implementação desta lei é cultural, para que as empresas parem de usar como desculpa a “falta” de mulheres preparadas para ocupar esses cargos.
“Os homens, que muitas vezes nunca tiveram seu poder ou status questionados, precisam entender que as mulheres geralmente estão overqualified (superqualificadas), que estudam e se preparam muito mais para estarem nessas posições. Por isso, quando uma mulher está no sistema, não se deve subestimar seu conhecimento ou abordagem”, destaca.
Já existem diversas iniciativas de formação para conselhos com foco em gênero e raça. O próprio WCD reúne no Brasil um grupo de 400 mulheres que atuam em conselhos, e o 30% Club Brasil também tem uma rede própria de conselheiras. O Programa Diversidade em Conselho Elas (PDeC), do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC), completou dez anos de atuação.
Jandaraci Araújo, conselheira e cofundadora do Conselheiras 101 (Crédito: Divulgação)
“Para incluir verdadeiramente as mulheres nos conselhos, as empresas públicas precisam ir além do cumprimento formal da lei, assegurando que elas tenham voz ativa e poder real de decisão”, adiciona Sandra. “Isso passa por nomeações criteriosas, que valorizem competência e experiência, mas também por um ambiente organizacional preparado para acolher a diversidade. É essencial promover uma cultura de escuta, respeito e equidade, com conselheiros conscientes dos vieses de gênero e dispostos a rever práticas tradicionais”, segue.
Para isso, as especialistas destacam o papel do letramento em diversidade e gênero. “As empresas precisam oferecer, como em qualquer lugar, um bom treinamento e conscientização sobre a importância da equidade de gênero, porque, apesar de ser uma dinâmica do dia a dia nas organizações, é fundamental que todos entendam que diversidade é essencial”, aponta Jandaraci.
“Acredito que, em 20 anos, vamos ver o mesmo resultado que outros países tiveram: algumas mulheres serão reeleitas pelo desempenho, e vamos acabar ultrapassando os 30%”, avalia Leila.
“Essa é a experiência que a gente ouve de outros países: com o tempo, a presença de mulheres em conselhos se tornou algo normal. A gente não está abrindo mão da meritocracia. O que queremos é uma meritocracia inclusiva. Queremos que, entre os candidatos, estejam também mulheres competentes. E se, eventualmente, uma candidata não estiver pronta para aquela vaga, existem outras. Estamos falando de 30% em seis anos. Se nos últimos dez, já formamos tanta gente, em mais seis anos vamos formar ainda mais”, conclui Loria.
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