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Opinião

Novos velhos problemas

O quanto estamos de fato mobilizados a discutir os modelos de trabalho? Ou até o balanço saudável entre eficiência e equilíbrio pessoal e profissional nas nossas empresas?


29 de setembro de 2022 - 8h09

(Crédito: Azat Valeev/Shutterstock)

Não é novidade para ninguém que nos últimos anos passamos por uma transformação radical na forma que pensamos as relações de trabalho. A privação da vida social, o acúmulo de funções, e muitas horas olhando o próprio rosto em calls intermináveis no zoom trouxeram consequências graves, e ainda não completamente mensuráveis, para os profissionais pós-pandemia. Chocados, mas não surpresos, temos visto o glossário de doenças relacionadas ao trabalho se ampliando em uma velocidade mais rápida do que, talvez, estejamos preparados. Com isso, a sensação é que estamos cada vez mais expostos a síndromes relacionadas ao excesso, falta de gestão ou mesmo de propósito do trabalho.

Entre as novas descobertas, cheguei no boreout. Apesar de existir na literatura desde 2007, mencionado por Peter Werder e Philippe Rothlin no livro “Diagnosis BoreOut”, só começou a ser mais divulgado recentemente. A síndrome é conhecida como “tédio no trabalho”, quando falta estímulo adequado na função atribuída ao profissional e ele acaba trabalhando abaixo de sua capacidade de maneira apática. É quase o oposto do burnout, mas que igualmente traz consequências desastrosas para a pessoa que o enfrenta.

Um estudo realizado pelo LinkedIn, em 2021, apontou que, durante os dois últimos anos, 62% das pessoas estavam mais estressadas com o trabalho do que antes. Ao mesmo tempo, a conversa sobre saúde mental e a importância de debater este tema nos RHs das empresas está também ganhando força. Movimento natural, uma vez que agora temos mais diagnósticos e literatura sobre o tema. Mas o assunto não é novo e não é necessariamente um mal da nova geração.

O mercado corporativo e, principalmente a publicidade, foram sempre marcados por práticas de trabalho que impediam um bom balanço entre a vida profissional e a privada, por vezes repressoras e tóxicas. Desde romantizar o excesso de tarefas, normalizar longas jornadas de trabalho e proporcionar “viradas de noites”, para que profissionais pudessem entregar concorrências que não necessariamente converteram em remuneração para a agência, eram práticas corriqueiras e que não havia questionamento. A saúde mental era tabu e quem adoecia tratava de encontrar um termo mais palatável para justificar sua ausência. Ouvi recentemente, de uma amiga próxima, que quando ela tinha crises de ansiedade no trabalho e precisava se ausentar, recebia sugestões do chefe para dizer que estava com doenças ginecológicas, porque ninguém questionaria muito. E isso ainda é a realidade de muitas pessoas.

O fato de hoje conseguirmos debater as consequências das práticas tóxicas, e categorizá-las em novas síndromes, facilita o reconhecimento da doença e assim o processo de tratamento e cura. Mas talvez a única maneira de conseguirmos evoluir nessa discussão realmente seja repensar as estruturas corporativas. O quanto estamos de fato mobilizados a discutir os modelos de trabalho? Ou até o balanço saudável entre eficiência e equilíbrio pessoal e profissional nas nossas empresas? Qual é a nossa intenção real no combate deste cenário para o futuro das relações trabalhistas? Acho que todos devemos ter responsabilidade no combate de práticas tóxicas para que o trabalho se torne um ambiente mais acolhedor, saudável e sustentável.

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