O que a conexão entre IA e inteligência ancestral tem a nos dizer?
A inteligência forjada pela experiência de povos originários e outras comunidades pode orientar a próxima geração de inovações tecnológicas
O que a conexão entre IA e inteligência ancestral tem a nos dizer?
BuscarA inteligência forjada pela experiência de povos originários e outras comunidades pode orientar a próxima geração de inovações tecnológicas
14 de maio de 2025 - 9h39
(Crédito: Shutterstock)
Vivemos em uma era em que algoritmos calculam, redes neuronais preveem e sistemas automatizados decidem. A inteligência artificial, outrora privilégio da ficção científica, está agora incorporada nas estruturas que moldam mercados, políticas e relações humanas. No entanto, à medida que nos entregamos ao entusiasmo da inovação tecnológica, uma questão fundamental precisa ser resgatada: quem está de fato no comando?
Tecnologia não é sujeito. Tecnologia é objeto. Sujeitos somos nós, humanos, com nossas histórias, escolhas e responsabilidades. Quando esquecemos essa distinção, corremos o risco de transformar ferramentas em fins e de delegar às máquinas aquilo que é intrinsecamente humano: a capacidade de discernir sentido, responsabilidade e direção.
É nesse contexto que surge a urgência de integrar à tecnologia outra forma de inteligência: a ancestral. Não como um retorno romântico ao passado, mas como um reposicionamento crítico sobre o futuro.
A inteligência ancestral, forjada pela experiência acumulada de povos originários, comunidades afro-diaspóricas, periféricas, quilombolas e ribeirinhas, oferece princípios que podem orientar a próxima geração de inovações tecnológicas. Ela nos lembra que futuro não é apenas uma projeção linear do progresso, mas um campo de corresponsabilidade e cuidado.
Enquanto a inteligência artificial organiza dados, a inteligência ancestral reorganiza sentidos. Enquanto a lógica do mercado privilegia velocidade e escassez, a sabedoria ancestral valoriza ciclos, abundância, interdependência e o respeito aos ritmos da vida.
O modelo predominante de desenvolvimento de IA é reativo: aprende com o passado codificado nos dados, muitas vezes reproduzindo desigualdades históricas. Cada algoritmo é, em essência, um espelho, refletindo não apenas informações, mas também as ausências, os silenciamentos e os vieses de quem construiu os sistemas.
Portanto, reprogramar a inteligência é um imperativo estratégico e ético. Não se trata apenas de otimizar performance, mas de expandir a consciência crítica sobre o impacto social, ambiental e econômico das tecnologias que moldam o futuro.
É necessário questionar: quais formas de conhecimento foram marginalizadas nos sistemas que pretendem escalar inovações? Que visões de mundo foram invisibilizadas nos datasets que orientam decisões estratégicas? Que oportunidades de impacto positivo estamos deixando de criar ao ignorar saberes que privilegiam o cuidado, a coletividade e a sustentabilidade?
Integrar inteligência ancestral na lógica da IA é ampliar o campo de inteligências consideradas válidas. É reconhecer que programar não é apenas codificar, é cuidar. Que inovar é preservar. Que avançar é respeitar ritmos, territórios e relações.
É urgente descolonizar o código: incorporar perspectivas que reconhecem a vida como valor intrínseco, e não apenas como dado a ser explorado. Isso exige abrir espaço para perspectivas que enxergam o tempo como cíclico, a natureza como ente vivo, e a coletividade e interdependência como princípios organizadores.
Inspirar-se no design ancestral é adotar princípios que privilegiam:
– Cuidado com a vida em todas as suas formas.
– Respeito aos ritmos naturais e sociais.
– Interdependência como valor central.
– Memória ativa como base para inovação.
– Coletividade como critério de sucesso.
– Responsabilidade intergeracional como norte.
Esses princípios não apenas enriquecem a prática tecnológica, mas também ressignificam o que entendemos por progresso.
A diferença é fundamental: tecnologia nos oferece meios; sabedoria nos oferece direção. Sem integração entre os dois, corremos o risco de avançar tecnicamente enquanto regredimos eticamente.
É nesse sentido que ancestralidade não é passado: é direção. É um sistema de orientação que nos ensina a perguntar não apenas “como fazer melhor?”, mas “para quem, com quem, e a que custo?”
Se quisermos algoritmos que respeitem a vida, precisamos de códigos que reconheçam a interdependência, que se orientem pelo cuidado e que sejam atravessados pela memória ativa dos saberes que vieram antes.
Como bem dizem os sábios, o futuro é ancestral. Ele é código, mas também é compromisso e cuidado.
E cabe a nós, como sujeitos de nossas escolhas, garantir que a tecnologia seja um instrumento para a melhoria das condições de vida, e não apenas para avançar sem direção. Porque um futuro verdadeiramente inovador é aquele que honra o que veio antes, cuida do que existe agora e responsabiliza-se pelo que ainda virá.
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