Lidia Capitani
16 de fevereiro de 2023 - 8h06
Patrícia Moura é Head de Conteúdo da Gut (Crédito: Divulgação)
Com mais de 17 anos de carreira, Patrícia Moura já passou por agências como Artplan, A-Lab, Heads Propaganda, Borghi/Lowe e Arabella Agency. Hoje, ela é Head de Conteúdo na Gut e compôs o júri da categoria “The Entertainment Lions” no Festival de Cannes de 2022. Mais recentemente, ela foi selecionada para ser jurada no Gerety Awards, prêmio que busca destacar campanhas publicitárias que dialogam com o público feminino e as pautas de gênero.
Carioca de nascença, ela veio para São Paulo fazer a carreira e se tornou especialista em redes sociais, estratégia e conteúdo digital. Nessa trajetória, foi a responsável pela estratégia de conteúdo do festival Rock In Rio durante dois anos.
Nesta entrevista, Patrícia Moura fala sobre como as marcas podem abordar a criação de conteúdo no contexto altamente dinâmico das redes sociais. Ela também expõe sua perspectiva sobre a relação entre inteligência artificial e a criatividade. Por fim, traz reflexões sobre como trazer mais diversidade para os júris dos festivais de criatividade, e faz uma provocação: a responsabilidade também é das agências.
A liderança de Patrícia Moura
Quais características ou habilidades você considera essenciais numa liderança? Como você as desenvolve e as alimenta regularmente?
Na liderança, exerço algo que considero ser básico para a vida: tratar as pessoas como gostaríamos de ser tratados. Sem empatia, escuta e proximidade é muito raro que expectativas entre líder e liderados estejam alinhadas.
Para além disso, a visão estratégica é algo que se desenvolve rotineiramente em cargos de gestão. E consiste no olhar atento ao cenário de agência e cliente, assim como nos fatores que os influenciam e o quanto conseguimos agregar valor para os negócios envolvidos. Para que eu conseguisse avançar nisso, recorri a livros e cursos formais, mas, sem dúvida, considero ter passado por um processo de mentoria como “o grande fator influenciador” na minha evolução. Foi um período transformador e que recomendo muito a quem tiver oportunidade.
E no mais, o dia a dia nos gera aprendizados constantes. Me mantenho sempre aberta a ouvir feedbacks do time. Quando tenho papos mais longos e individuais com as pessoas que lidero, costumo perguntar como posso melhorar como líder. É uma prática que aprendi com um ex-líder e que, sinceramente, só vi acontecer uma vez em mais de 17 anos de mercado. Acho que vou fazer essa pergunta pra sempre. A gente sempre vai ter o que melhorar, mas, muitas vezes, só vai saber onde e como se alguém se dispuser a contar pra gente.
Você foi júri em Cannes no ano passado e agora integra o Grand Jury do Gerety Awards. Como mulher negra, você vê avanços por parte destes festivais em trazer mais diversidade na composição dos jurados? Quais os próximos passos para promover mais representatividade nestes espaços?
Os festivais têm olhado pra isso, contratado consultores locais e dado algum espaço para talentos negros. Entretanto, existe um fator indissociável que é o mercado abrir mais espaço para que novas lideranças negras surjam. Sobretudo num Brasil onde metade da população se declara preta ou parda, mas que não tem as mesmas oportunidades nem de longe.
Se o mercado não abrir espaço para que pessoas negras cheguem a cargos executivos, os festivais não conseguirão se mover o tanto que precisam. Ou, ainda, irão repetir as mesmas pessoas todo ano. É preciso que haja mais “Dilma Souza”, mais “Heloisa Santana”, mais “Patrícia Moura” e mais “Felipe Silva” no mercado, para que estes possam ser indicadas por suas agências. E, por consequência dessa indicação, para que eles consigam ocupar um espaço de júri em Cannes ou em qualquer outro festival internacional.
Em resumo: se não há espaço, não há indicação, se não há indicação, não há proporcionalidade entre pretos e brancos no júri. É um dominó encadeado.
Redes sociais, dados e inteligência artificial
Num contexto com tantos produtores de conteúdo nas redes sociais, mudanças de algoritmos constantes e até instabilidades de negócios, como é o caso do Twitter, como as marcas podem se destacar e criar campanhas de impacto nessas plataformas?
Acredito que existe um trabalho de base que é o pensar a marca em cada plataforma, porque cada rede social é única e tem sua vocação e peculiaridades. Eu busco dedicar tempo para desenvolver brand persona, debater com os clientes se há ou não variação do tom de voz que a marca usa em outros meios, que tipo de conversa essa marca está disposta ou não a entrar.
Ambientes como Twitter e TikTok são absolutamente criativos e dinâmicos. O tempo de ação e reação precisa ser rápido, mas sem uma base muito bem planejada é possível tanto que a marca se perca, quanto invista em empreitadas que não geram retorno para os objetivos de comunicação ou de negócio. Também busco contato direto e constante (meu e do meu time) com as plataformas, de maneira que possamos estar a par do cenário vigente e do que conseguimos recomendar seguindo boas práticas, buscando essa diferenciação, mas sem perder de vista os objetivos do cliente.
Além disso, posso citar a curadoria de influência como uma vertical importante dentro da área de conteúdo. Arrisco dizer que hoje não se cria mais nas agências sem pensar como ampliar essas conversas com criadores nativos, que são verdadeiros formadores de comunidades dentro de cada rede social. Então, os especialistas do meu time estão a postos para compreender como inserir esses produtores de conteúdo no processo, seja atuando desde o briefing ou direto na execução.
Vemos muitas discussões sendo levantadas sobre o avanço da inteligência artificial e a importância dos dados na criação de campanhas. Qual o papel da criatividade neste contexto?
Dados nos auxiliam a aprofundar sobre tensões humanas, descobrir evidências e levantar hipóteses, mas é a criatividade que faz a mágica acontecer a partir disso, e não o contrário. Com o avanço da tecnologia e da inteligência artificial, chegaremos aos dados de forma mais rápida. Também teremos mais ferramentas de checagem da informação (acredito eu), mas por incrível que pareça, o papel da criatividade humana continuará sendo extrair o máximo de soluções dessas ferramentas.
Se a gente parar pra pensar, já fazemos isso desde a Enciclopédia Barsa até o surgimento do Google e do ChatGPT. O que mudou foi a intermediação de homem-livro para homem-máquina. E agora a relação “homem-máquina” deu um passo a mais, mas a criatividade segue sendo indispensável.
Ainda não inventaram nenhum tipo de tecnologia que seja capaz de alcançar nossa capacidade de se colocar no lugar do outro e considerar inúmeras variáveis contextuais e emocionais para resolver problemas complexos. Eu realmente creio que será a colaboração entre humanos e softwares a responsável pela inovação que iremos observar nos próximos anos.
Inseguranças e inspirações
Você já teve algum tipo de sentimento de autossabotagem? Como lida com essa situação e quais dicas dá para as mulheres que se sentem assim nos projetos, áreas e lugares em que atuam?
Atire a primeira pedra quem puder responder “nunca”. Ainda que não seja algo recorrente, sim, consigo me recordar de um momento específico da minha carreira, há uns 10 anos atrás, quando mudei pra São Paulo pela primeira vez, em que travei diante de um ‘job’ e disse para mim mesma que não conseguia. Eu não só consegui desenvolvê-lo, como fui fundamental para ganharmos a concorrência de uma marca líder no segmento de cinema. Como lidei com essa situação? Terapia, meditação e ajuda de amigos.
Normalmente, esse tipo de sentimento ocorre em momentos de extrema pressão ou sobrecarga. É muito importante que a gente consiga reconhecer que isso está acontecendo logo no início da situação e que busquemos ajuda de pessoas que confiamos e de profissionais especializados. Se chegamos aonde chegamos, contra tudo e contra todos, num cenário de extrema desigualdade econômica entre homens e mulheres no mundo, é porque somos capazes. É preciso respirar fundo, buscar orientação e seguir colocando em prática o que sabemos e o que acreditamos.
Quais mulheres inspiradoras você segue, lê e observa? Como elas te inspiram?
Hoje, me sinto feliz em poder citar tantas mulheres negras as quais admiro, acompanho e me inspiro. Na minha formação profissional, não tive essa possibilidade. Quando me perguntavam quem eu queria ser quando crescesse, eu respondia Walter Longo, pela falta de referências femininas na publicidade. Nada contra o Walter, mas vejo que esse já era um reflexo da falta de representatividade na nossa indústria. Mas, vamos à minha lista atual:
Djamila Ribeiro, sem sombra de dúvidas é um ícone, uma das maiores intelectuais que esse país já teve. De uma sensibilidade imensa para aquelas mulheres que sofrem com machismo, com o racismo e com tantas dificuldades econômicas decorrentes da desigualdade. Recomendo a todos que leiam um dos seus livros, pelo menos, uma vez na vida.
Na comunicação, há muitas mulheres que sigo e acompanho de perto. Hoje, se alguém me perguntar quem eu quero ser “quando crescer”, minha resposta seria que quero ser um pouquinho Samantha Almeida (Diretora de Criação e Conteúdo da Globo), um pouquinho Débora Fernanda (Head de Diversidade & Inclusão da GUT), um pouquinho Vivi Duarte (Idealizadora do projeto Plano de Menina e Head de Connection Planning da Meta), um pouquinho Dilma Souza (CEO da Outra Praia e Head de ESG da B&Partners) e um pouquinho Débora Moura (Head de Diversidade & Inclusão do Grupo Dreamers).
Além destas, tenho aqueles ícones distantes, com quem sonho um dia ter um contato, uma foto, um autógrafo ou, quem sabe uma “collab” dos sonhos: Shonda Rhimes, Bozoma Saint John e Viola Davis. São mulheres que busco compreender jornadas e perspectivas porque suas existências são de extrema importância para mim e para muitas outras mulheres no mundo.
Dicas culturais
Por fim, tem alguma dica de séries, filmes, livros e/ou músicas que consumiu recentemente e te fizeram refletir sobre a condição e o papel das mulheres?
Sou uma grande fã de documentários. Muito mais do que de histórias de ficção. E, nas histórias reais, temos um prato cheio para observarmos o quanto os problemas sociais afetam as mulheres todos os dias, independente de raça, nacionalidade ou classe social.
Então, eu poderia citar uma lista grande, mas vou direto no último conteúdo da Netflix que assisti: na nova temporada de “Mistérios sem Solução”, há um episódio sobre filhos sequestrados pelos próprios pais, em situação de divórcio. Ainda que não seja algo que afete só as mulheres, me fez refletir o quanto a mulher sofre inúmeras violências, entre elas o próprio feminicídio, quando ela opta por encerrar uma relação.
O Brasil, infelizmente, bateu recorde de feminicídios no primeiro semestre de 2022, segundo dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Então, esse é um assunto que diz respeito a todos nós enquanto sociedade.