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Opinião

Só se pode dar aquilo que se tem 

Se eu tiver que sair do Brasil depois de tanto “ão”, já sei para onde vou


3 de novembro de 2022 - 9h22

(Crédito: Mascha Tace/Shutterstock)

Me disseram que 2022 ia ser “o ano bom”. E parecia que ia ser mesmo: a  pandemia regredindo, as pessoas voltando a se abraçar, a viajar, a celebrar.  

Mas o danadinho surpreendeu a gente. Nos trancou no combo do “ão” – recessão, eleição, polarização. Combo este que está bem difícil de engolir – e arrisco dizer que este é um dos poucos consensos que vejo nas minhas rodas de amigas: todo mundo meio bravo com este tal de 2022. 

Por isso, quando eu zapeava no Netflix há alguns dias, eu procurava algo para escapar. Colocar “o cérebro no copo”, como um amigo gosta de dizer. E esquecer um pouco dessa realidade tão difícil que está se apresentando no nosso país.  

Eu estava procurando uma coisa (uma comédia romântica, talvez?) mas, de novo, acabei surpreendida por outra: o danadinho do algoritmo me deixou frente a frente com um “docutainment” tailandês, sobre a história real do resgate dos 12 meninos e seu técnico de futebol amador de uma caverna da Tailândia.  

Vou dizer: naquele sábado, o algoritmo do Netflix sabia mais do que eu precisava do que eu mesma. Porque a série (que eu maratonei por 6 horas, sem desgrudar da tela) era exatamente o que eu precisava. Ela me devolveu a fé na humanidade – porque o que eu vi acontecer ali foi uma sucessão de milagres provocados por seres humanos. Gente boa. Altruísta. Solidária.  

(Alerta de spoiler!)  

– Milagre 1: o técnico e as crianças conseguiram sobreviver sem comida, sem água potável e sem luz por 9 dias. Mérito do técnico do time, que ensinou 12 crianças a meditar e os mantinha ativos e positivos.  

– Milagre 2: voluntários de todo o mundo vieram para salvar os meninos, numa operação que juntou Tailândia, Austrália, Inglaterra, Estados Unidos, China e Israel, liderada pelo Governador da Provincia, que já estava transferido para outra quando tudo aconteceu. Mas ele ficou lá, até o fim, e lutou pelos treze até o final, com muitos obstáculos pelo caminho.  

– Milagre 3: muitas pessoas e comunidades precisaram se sacrificar para que o resgate acontecesse. Um dos momentos mais emocionantes da série é uma cena em que uma engenheira hidráulica, que criou um mecanismo de bombeamento de água para fora da caverna para diminuir as correntezas dentro dela, precisa convencer pequenos agricultores vizinhos a permitir que ela inunde seus campos de arroz. Eles vão perder tudo. Mas uma fazendeira (mulher, obviamente) levanta e diz: “nós podemos plantar arroz de novo. Mas não podemos replantar aquelas crianças”. Ela convence os demais, os campos são inundados e os meninos, resgatados. A melhor parte: o governo indenizou todos eles.  

– Milagre 4: um grupo de mergulhadores especialistas em cavernas + um grupo de “navy seals” Tailandês resgata os 13, da forma menos ortodoxa possível: os meninos são trazidos anestesiados (!). Todos sobrevivem ao resgate. Não é incrível?  

Você que está lendo este texto deve estar se perguntando: e o que tudo isso tem a ver com este espaço aqui? Tudo. Sabe por quê? Porque a versão tailandesa da série fez uma coisa que eu nunca vi antes: retratou como mulheres pessoas que eram homens na realidade. E eu a-do-rei.  

A engenheira hidráulica de que falei ali em cima é representada por uma mulher, mas na vida real era um homem. Talvez a estagiária de meteorologia que descobre a chegada antecipada de uma enorme monção também fosse.  

A única que não parece ser, e que tem grande destaque na história, é mesmo aquela fazendeira de que falei ali em cima. É dela a frase que batiza este artigo: “só se pode dar aquilo que se tem”.  

Descobri isso porque gostei tanto da história que fui procurar outras versões cinematográficas dela. E a versão de Hollywood, adivinhem… manteve os homens.  

Se eu tiver que sair do Brasil depois de tanto “ão”, já sei para onde vou.   

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