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Um ano da maior enchente da história do Rio Grande do Sul

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Opinião

Um ano da maior enchente da história do Rio Grande do Sul

É urgente pensarmos em um modelo eficiente e holístico, para que a resposta a desastres seja estruturada como um verdadeiro quarto pilar da democracia


15 de maio de 2025 - 13h22

(Crédito: Divulgação)

Segundo pesquisa realizada pelo Instituto Pólis e pelo IPEC,  7 a cada 10 brasileiros já viveram ou conhecem alguém que passou por um evento climático extremo. Uma pesquisa da rede globo em 2023 mostrou que 60% dos jovens associam a enchente como a principal consequência das mudanças climáticas, e que 81% dos jovens brasileiros consideram as mudanças climáticas uma consequência direta das ações humanas. Estamos, enquanto cidadãos, cada vez mais conscientes que a crise climática não é mais previsão, é realidade.  

No ano passado, compartilhei aqui o sonho realizado de fazer um intercâmbio. Tive muitos aprendizados e, de lá, pra cá procurei intencionalmente me integrar mais sobre um campo da adaptação climática que é parte fundamental no processo de salvar vidas. A gestão de desastres e a experiência do intercâmbio me trouxe alguns aprendizados que quero dividir com vocês, porque foram muitos e reveladores. 

Durante o tempo que estive em Nebraska, no coração do centro-oeste dos Estados Unidos, trabalhei na Nebraska Forest Service Agency, responsável por toda a gestão de florestas do Estado de Nebraska. Desde 2019, ela também faz a gestão das respostas aos incêndios florestais, que passaram a ser mais comuns na região. Foi lá que conheci um instrumento especial para os chamados “first responders”, o “task book” — ou livro de tarefas — um documento que define com precisão a cadeia de comando e o papel de cada agente em uma situações de desastre ou emergência.

Embora os processos ainda carecem de digitalização e as brigadas sejam essencialmente voluntárias, fiquei impressionada com a rapidez da resposta. Precisamos olhar para essa parte essencial do processo de adaptação: a gestão de desastres. Afinal, infelizmente, eles vão continuar acontecendo, com intensidade cada vez maior. 

O que observei foi um contraste marcante entre os modelos. Embora o Brasil tenha uma Política Nacional de Proteção e Defesa Civil, na prática, não há uma cadeia de comando clara e eficiente para organizar respostas rápidas e técnicas. Já em Nebraska, onde tornados e incêndios florestais são muito frequentes, todos sabem exatamente o que fazer quando a emergência bate à porta. Em tese, a cadeia de comando se transforma completamente: o chefe da divisão de resposta assume a liderança, e nem o prefeiton ou o governador têm poder de veto. Isso assegura que a resposta seja técnica, eficiente e livre de interferências político partidárias.  

O contraste com a realidade brasileira é gritante. Decisões cruciais acabam sendo atrasadas por disputas partidárias ou interesses eleitorais. No caso recente das enchentes no Rio Grande do Sul, por exemplo, já havia indicativos de um cenário de chuvas muito acima do normal. Segundo dados da época, desde o boletim de março, a MetSul Meteorologia vinha alertando sobre as chuvas intensas de abril e maio. Mesmo assim, faltou coordenação para uma ação preventiva. A informação existia, mas não foi usada como deveria.

Uma postagem da Defesa Civil do Rio Grande do Sul que buscava orientar a população, gerou pânico. A publicação indicava a imediata evacuação de diversos pontos da capital e da região metropolitana e apontava um mapa para consultar as áreas de risco. Contudo, o mapa sinalizou como inundáveis regiões altas de Porto Alegre. 

É urgente pensarmos em um modelo mais eficiente e holístico, para que a resposta a desastres seja estruturada como um verdadeiro quarto pilar da democracia. Um comando técnico e independente, com autoridade para mobilizar recursos, organizar as respostas e acessar dados em tempo real antes, durante e depois do desastre.  

Hoje, com os avanços tecnológicos, como o uso de satélites e modelos meteorológicos sofisticados, já é possível prever e monitorar a progressão de eventos extremos. O que falta é transformar essa informação em ação concreta: preparar a população, organizar protocolos e salvar vidas. Segundo dados divulgados pela própria Defesa Civil, apenas 11,2% da população do Estado estava cadastrada no sistema de alertas. Isso representaria 1,2 milhão de pessoas das 10,8 milhões que vivem no Rio Grande do Sul. 

Cada pessoa deveria saber para onde ir em caso de alagamento, deslizamento ou incêndio. Mas o Brasil ainda não tem uma cultura de prevenção. A crença de que “moro num país tropical abençoado por Deus” nos torna reativos e não preventivos. E, quando a emergência chega, nos mobilizamos. Mas sem preparo e estratégia, a tragédia se instala.  

Voltei a Porto Alegre recentemente para o South Summit exatamente um ano depois das enchentes e me assustou a normalidade das pessoas que andavam pelos galpões sem notar as marcas da água nas paredes. Com o clima mudando cada vez mais rápido, a gestão de desastres precisa evoluir na mesma velocidade. Isso exige investimento público em educação preventiva, parcerias com empresas locais, monitoramento contínuo, adaptação dos territórios e fluxo de comunicação. 

E precisa ser agora.

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