A agência self service

Buscar
Publicidade

Opinião

A agência self service

Ela tem espaços amplos e vários servidores que piscavam luzes azuis, mas pouquíssima gente. E tem o poder de reduzir a pó toda a operação de uma agência inteira


4 de julho de 2017 - 8h00

Tive um sonho esta noite. Confesso que fiquei muito excitado (nada disso que você está pensando agora!). Sonhei com um futuro não muito distante, algo Black Mirror, mas que tinha uma estética muito Mad Men. Estava numa agência que se chamava Self Service. Espaços amplos e vários servidores que piscavam luzes azuis, mas pouquíssima gente. Duas na real. E um cachorro.

Isso remete a uma piada interna de um grande cliente de tecnologia (que vive martelando meu inconsciente) que diz que a empresa do futuro terá um homem, um cachorro e um computador. O computador para tocar a empresa, o homem para alimentar o cachorro e o cachorro para não deixar o homem chegar perto do computador.

Foto: Reprodução

Voltando ao sonho. Uma replicante meio Joan Holloway veio me explicar como funcionava a Self Service. Ela pediu que eu acessasse o logotipo da minha empresa que na verdade era um app, documento e certificado brilhante que eu tinha no celular, e em alguns minutos um time de supercomputadores inteligentíssimos criaria opções de campanhas (banners, posts, vídeos, conteúdos, anúncios, OOH, jingle, assinatura, etc.) baseadas no briefing, valores e dados da minha empresa que vinham sendo acumulados e registrados ao longo do tempo no meu applogo brilhante.

Perguntei: “Ok para uma campanha de branding, mas e se eu quiser uma campanha tipo de varejo?” Joan Fembot respondeu com a voz doce: “Nesta planilha virtual aqui você pode incluir mil ofertas diferentes e nosso sistema sugere vários modelos de segmentação e já devidamente taggeado para fazer todos os testes, simulações e acompanhamentos possíveis”.

Eu estava fascinado. Sincronizei o app-logo brilhante com um dos computadores, ela deu um enter e, numa fração de tempo, voilà! Comecei a ver os poderosos computadores recheados de dados, bancos de imagens, filmes, áudios, ilustrações, consumer insights, etc., cruzando e combinando tudo na velocidade da luz, criando na minha frente minhas opções de campanha.

Claro que o app-logo brilhante tinha também as informações para que com a campanha, viessem ainda várias opções de planos de mídia simulados para diferentes grupos de interesse da empresa e diferentes tamanhos de investimento. Além das simulações, veio também um scorecard de prós e contras de cada um dos cenários. Escolhi (?!) uma das opções de campanha, de plano de mídia e paguei nos créditos que tinha no meu app-logo brilhante.

Toda comunicação que eu via era muito parecida. Igual mesmo. Tudo exibido no mesmo lugar e ao mesmo tempo. Impossível para um pobre humano diferenciar produtos, serviços e marcas. As marcas tinham perdido sua vida, sua essência, sua alma

A campanha instantaneamente foi para o ar. Simplesmente impressionante! Mais impressionante: depois de algumas poucas horas no ar, podia ver dashboards tridimensionais surgindo e, na mesma velocidade espantosa com que fora criada, e agora baseada em mais data analytics, machine learnings e mais um monte de coisas que nem foram inventadas ainda, a campanha toda se autoajustava e se otimizava em tempo real!

Ou seja, a Self Service tinha o poder de reduzir a pó toda a operação de uma agência inteira. O que fazemos de forma vigorosa, intensa, com várias pessoas, reuniões e durante semanas, era feito em poucos minutos de forma indolor, asséptica, sem discussões e quase nenhuma decisão tomada fora do que foi definido pelas poderosíssimas máquinas da Self Service.

Até aí, tudo ia bem. Até que saí para a rua. Toda comunicação que eu via era muito parecida. Igual mesmo. Tudo exibido no mesmo lugar e ao mesmo tempo. Impossível para um pobre humano diferenciar produtos, serviços e marcas. As marcas tinham perdido sua vida, sua essência, sua alma.

Como tinha acesso instantâneo a minha campanha, vi que ela causava quase nenhum efeito nas pessoas e por consequência nas nossas vendas. Confesso que, nesse ponto, minha excitação virou preocupação e que se transformou num desconforto enorme.

Que futuro era esse? Como um ser humano conseguiria ser relevante nesse mundo Matrix? Que espaço teriam todos os gênios que sempre fizeram a diferença no nosso pequeno grande mundo publicitário?! O que aconteceria quando todas as marcas usassem esse mesmo arsenal de poderosas ferramentas pasteurizadas?

Acordei suando frio e muito impressionado, mas contente por ter sido só um sonho. Será que foi só um sonho? Será que não estamos caminhando para esse futuro brilhante e sombrio? Refletindo sobre essa experiência futurista e com um misto de esperança e ansiedade, quero crer que o futuro da tecnologia é fascinante e muito desafiador e que por isso mesmo deixa muito espaço para ideias e pessoas brilhantes.

Publicidade

Compartilhe

Veja também

  • O que as conversas de bastidores do Web Summit Rio dizem sobre o futuro da tecnologia?

    Conversei, observei e andei bastante pelo Riocentro e decidi compartilhar 3 percepções que me chamaram muita atenção nas conversas

  • Sobre barreiras transponíveis

    Como superar os maiores desafios do marketing com a gestão de ativos digitais