18 de junho de 2017 - 15h34
Em 1929, a Coca-Cola encomendou uma campanha à agência onde trabalhava o poeta Fernando Pessoa. Da sua mente criativa saiu a assinatura “Primeiro estranha-se, depois entranha-se”. Por razões políticas, a Coca-Cola acabou não entrando em Portugal nesse ano e a assinatura de marca ficou na gaveta.
Hoje, enquanto viajo para Cannes, veio-me essa frase à cabeça, mas de forma invertida.
Lembro-me como o meu primeiro ano em Cannes se entranhou de forma mágica. A imensidão de conhecimento condensada no Palais, os primeiros Leões da carreira, as festas, o “visu”. Uma euforia que continuou entranhada por várias edições. Mas no ano passado, voltando para São Paulo com o primeiro Leão de Ouro da AKQA SP, comecei a estranhar. Estava feliz, mas ao mesmo tempo com uma pergunta incomoda na mente: Qual o verdadeiro break-even de um Leão?
Não vou nem falar nos projetos “feitos para Cannes”, mas sim de um projeto com briefing e que não dependeu de favores para ser produzido. Depois de veiculado, a sua inscrição no Festival acarreta um enorme investimento pessoal e monetário. São semanas para lapidar um case-study, horas para escolher as categorias certas, uma grana para inscrever os projetos. Até que ponto vale a pena?
O que é que Leões trazem que o projeto em si, mais a sua repercussão na mídia não tenham já trazido?
Projetos emblemáticos (aqueles que invejamos) são mais valiosos que aquele Leão que ninguém mais se lembra. São esses que atraem negócio, clientes e criativos.
Prêmios, por si só, atraem talentos. Claro que tendo bons talentos, uma agência acaba por atrair também bons projetos e negócios. Mas será este resultado indireto o desejável?
Cannes continua sendo incrível e boas ideias existem até nas mídias e execuções mais singelas, mas deveríamos investir mais em projetos de forte impacto. Buscar, como Fernando Pessoa, aquele grande amor. Porque, acredite, muitos publicitários voltam de Cannes cheios de Leões, da mesma forma que jovens voltam de Salvador cheios colares. Sorrindo, mas com aquele vazio desconfortável pela superficialidade de “tantas bocas beijadas”.
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