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Meu santo é forte para pesquisas

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Comunicação

Meu santo é forte para pesquisas

O caminho para a verdade demanda espera e confiança. Não é algo que se atinge em dois dias


6 de janeiro de 2015 - 3h27

*Por André Kassu

Puxando na memória, relembro embates memoráveis em torno do assunto pesquisa. Em alguns, fui para quebrar e mirei no joelho mesmo. Feito um Jon Jones com os seus pisões. Em outros, fui mais dissimulado, esquivei como um Roy Jones Jr. e dei o golpe final quando menos se esperava. Claro, a lembrança é minha e posso sair sempre vitorioso. Agora, se eu for honesto, há escondido um momento em que saía da sala com os braços erguidos, após ter trucidado um animatic. Então, do alto da minha valentia, ouço a voz de um dos meus oponentes. Disse ele: o que você faria para melhorar o sistema de pesquisas, então? E eu respondi prontamente: abá, abé, abi.

A retrospectiva de 2014 passa pela perda de um raro grande cineasta brasileiro: Eduardo Coutinho. As circunstâncias trágicas da sua morte jogaram no noticiário aquele que se escondia por trás das câmeras para revelar a humanidade que ainda reside em nós. Pensei muito na injustiça do fato de Eduardo ter o fim da sua história revelada com tintas fortes. Logo ele, que mergulhava delicadamente na intimidade do outro e só voltava de lá com a permissão para contar o que encontrou. Não achei uma razão, um motivo. Descobri, no entanto, que estava a repetir o erro de que tanto reclamo. Pesquisas tendem a criar um senso comum em ambiente controlado. Eduardo Coutinho nos ensina algo diferente. Não há como prever e esperar explicações para tudo na vida. A complexidade humana não está no Big Data, está na vida. Ao abrirmos a cortina da censura social, ao atravessarmos as couraças mais profundas, desvendamos o óbvio: as pessoas simplesmente são.

Pensar em Eduardo Coutinho é andar pelo Edifício Master. É relembrar a cena do senhor cantando My Way, da moça que define Copacabana no dilema “ou as calçadas são estreitas ou tem gente demais”. Há nesse filme uma aula do universo Coutinho. A voz sem rosto que pergunta, a sinceridade com que as pessoas se expõem e mais importante: a verdade. Estamos dentro do apartamento e da vida daqueles personagens. É tudo tão autêntico que rimos e choramos em pequenos intervalos. Eduardo atinge no documentário o que o cinema brasileiro não consegue na ficção. É isso que nos emociona e nos conecta. Buscamos reminiscências de um familiar, de um vizinho, de nós mesmos. O cinema de Eduardo Coutinho não pede pipoca, muito menos azeite trufado. Ele pede a garganta seca, o olhar atencioso, a empatia.

Guardo o impacto de ver Santo Forte no cinema. O sincretismo, a fé, a alma escancarada. Dali, carrego Thereza, uma personagem de uma riqueza difícil de acreditar. Fosse ficção, desconfiaríamos. Não sendo, é uma verdade que só nos resta aceitar. Em Babilônia 2000, as diferenças entre o Réveillon de ricos e pobres são exploradas até o ponto do incômodo. O morro abre as portas e divide o pouco que tem. O asfalto fala por interfone e oferece uma água. Eduardo caminha munido de pinça e, aos poucos, vai desencravando o que não pode ser revelado. No singelo Canções, o cenário é um banco e uma cortina escura, nem por isso o tom é inquisidor. As pessoas do cinema de Eduardo Coutinho surgem sem disfarces, sem a preocupação de interpretarem nada.

É desse universo que trago o que eu faria para melhorar as pesquisas. É preciso tirar as pessoas da sala do Focus Group e adentrar em suas casas. É necessário dar tempo para que elas fiquem à vontade. Observe primeiro. Aos poucos, a intimidade será criada. Sem perceber, o seu entrevistado estará sentado no chão, sem sapatos e apto a dizer o que não teria coragem em meio a um grupo de estranhos. O caminho para a verdade demanda espera e confiança. Não é algo que se atinge em dois dias. Inspirado por Eduar­do Coutinho, joguei as luvas de boxe fora. O diálogo é a nossa única saída. 

wraps

(*) André Kassu, sócio e CCO da CP+B Brasil, escreve mensalmente como colaborador para Meio & Mensagem. Este artigo foi publicado na edição 1641 que circula com data de capa de 5 de janeiro.

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