Game as a social media
Redes sociais apostam na adoção de ferramentas imersivas e se inspiram no universo gamer para capturar a atenção do usuário e fidelizar a audiência
Redes sociais apostam na adoção de ferramentas imersivas e se inspiram no universo gamer para capturar a atenção do usuário e fidelizar a audiência
Meio & Mensagem
26 de outubro de 2020 - 15h51
O tempo médio de atenção de um ser humano é de oito segundos, de acordo com uma pesquisa realizada pela Microsoft, em 2015. Com o objetivo de analisar o impacto das tecnologias modernas no tempo de atenção do público, o estudo apontou um salto considerável desde o início dos anos 2000, quando o resultado com humanos havia marcado 12 segundos de concentração. O levantamento foi desenvolvido com base em entrevistas e no monitoramento do eletroencefalograma dos participantes. Três tipos de atenção foram analisados: a sustentada (capacidade de manter o foco em atividades repetitivas), a seletiva (habilidade de não se distrair) e a alternada (mudar a atenção entre tarefas que exigem diferentes habilidades cognitivas). Apesar de, hoje, a atenção humana ser menos duradoura que a de um peixe dourado, que registra uma média de nove segundos, a pesquisa também apontou que a população está com mais apetite para experimentar novos estímulos. O impacto dessa mudança contínua no comportamento do consumidor e é sensível no universo das plataformas digitais. A disputa por tempo de conexão dos usuários e o desafio das redes de manter as pessoas em seu ecossistema demandou a criação de mundos virtuais e a integração de dinâmicas de imersão e gamificação, cujo principal ativo são as horas dedicadas pelos usuários. Ao mesmo tempo, os games ganham cunho cada vez mais social e promovem conexões profundas entre seus usuários e demais players, como marcas que decidem adentrar esse universo.
Parte da relevância dessas plataformas está sustentada no conceito de comunidade. Nelas, os usuários compartilham uma base de interesses, convicções e simbologias comuns. Isso soma força e engajamento para as dinâmicas que são desenvolvidas nesse ambiente. Para Alessandro Sassaroli, head de gaming do YouTube para a América Latina, o senso de pertencimento é uma chave importante para essa relação. “É na comunidade que as pessoas celebram rituais, se conectam e têm linguagem própria (visual, escrita ou de narrativa). Há um senso de pertencimento do indivíduo em relação àquele meio. Quando pensamos em games, isso não é diferente.”, conta o executivo. Criada em 2011 com foco na transmissão de partidas, a Twitch, da Amazon, também bebe dessa fonte. “O maior diferencial da Twitch é a nossa comunidade. A Twitch cria um ambiente que imita reuniões da vida real. As comunidades formadas na plataforma podem ser tão impactantes quanto as que temos offline”, conta Wladimir Winter, diretor de parcerias e conteúdo da plataforma. Outra materialização desse potencial de criar e nutrir comunidades são os grupos, no Facebook, que completam dez anos em 2020. Só no nicho de gaming, são mais de 630 mil grupos na plataforma trocando experiências sobre o assunto.
Mesmo em plataformas tradicionais, a relevância que os games tomaram na construção de comunidades e seu papel como rede social é clara. “Games transbordaram para outras verticais. Hoje os dois mundos se conectam, como é o caso do Free Fire com o DJ Alok , Mano Brown e MC Jotapê. Os shows de abertura do CBLOL, Campeonato Brasileiro de League of Legends, são um capítulo à parte da competição. No Carnaval deste ano, em Salvador, Ivete Sangalo vestiu-se como uma das personagens do jogo Clash Royale. Games, enfim, assume seu lugar de protagonismo. Produtos, celebridades, promoções, conteúdos, filmes, licenciamento, shows e uma lista infindável de negócios são desenvolvidos pelo Brasil para o público gamer”, conta Alessandro.
Simbiose digital
Em resposta a essa percepção, o movimento das redes foi de trazer cada vez mais elementos do universo gamer para dentro de suas estruturas. O Brasil foi um dos primeiros mercados a receber as iniciativas do Facebook Gaming, como os programas da plataforma para jogadores e um aplicativo independente que permite aos usuários jogar, assistir a partidas e interagir em grupos do tema em uma interface única. “Todo mês, mais de 380 milhões de pessoas jogam e cerca de 200 milhões assistem vídeos de gaming ao vivo no Facebook, e queremos construir uma comunidade cada vez mais forte e diversa na plataforma. Temos investido constantemente em novas experiências para que as pessoas possam continuar conectadas e se divertindo com amigos e seus gamers preferidos, que também contam com recursos de monetização”, afirma William Pimenta, gerente de parcerias do Facebook Gaming. Nessa linha, durante o Mês do Orgulho LGBTQI+, a companhia promoveu o Pride Gaming. Na ação, a gamer Mandy Candy e as drag queens Samira Close e Rebeca Trans fizeram lives com debates sobre jogos, quarentena e representatividade na plataforma. Recentemente, a companhia reforçou a aposta com a ferramenta Torneios, que oferece suporte a eventos e campeonatos de gaming ao vivo. A proposta da iniciativa é permitir que qualquer usuário possa iniciar ou participar de um torneio virtual, desde o chaveamento até as tabelas de classificação.
Por suas características, o YouTube também decidiu investir na transmissão de partidas. A companhia vem estruturando formas de monetização, como o Super Chat, Clube de Canais e Super Stickers, para que os fãs possam contribuir com seus canais favoritos. A empresa também criou a possibilidade de que o usuário vincule sua conta no jogo ao login do YouTube. Com isso, em eventos especiais como o Mundial de League of Legends 2020, quem acompanha a transmissão pode ganhar benefícios no game em tempo real. Na Twitch, esses elementos fazem parte do core do negócio. “Temos algumas ferramentas de gamificação na Twitch que fazem parte da nossa cultura. Em primeiro lugar, para ser um afiliado da Twitch, você precisa atingir alguns objetivos antes de poder desbloquear esse status. Se você se inscrever em um canal, receberá um emblema para mostrar seu apoio e emotes exclusivos para interagir com outras pessoas”, explica Wladimir Winter. Além disso, em 2019, a companhia investiu em experiência do usuário com uma atualização de marca que trouxe, por exemplo, o player de vídeo de ponta a ponta que coloca o streamer na frente e no centro da página, auxiliando na imersão.
O metaverso de Fortnite
Em agosto, a Apple e a desenvolvedora Epic Games iniciaram uma batalha, com direito a repercussão judicial e no mundo da propaganda, depois que a gigante removeu o Fortnite de sua loja de aplicativos. A decisão da Apple foi tomada após a desenvolvedora ter criado seu próprio sistema de pagamento, que dribla a taxa de 30% cobrada pela gigante da tecnologia para os desenvolvedores que vendem apps em sua loja. No tribunal norte-americano, a Epic Games recebeu uma derrota parcial, o que levou a empresa a incluir uma nova moção ao processo. Para a Epic, mais do que um game, Fortnite é uma plataforma social, o que justificaria a ação anticompetitiva da Apple. “No futuro, a Epic planeja oferecer muito mais eventos e novos recursos em Fortnite, com o objetivo final de criar o Metaverso Fortnite, um meio social completo, robusto, em tempo real, tridimensional e com seu próprio sistema econômico, onde as pessoas serão capazes de criar e se envolver em um grande número de experiências compartilhadas”, escreveu Tim Sweeney, CEO da Epic Games, em uma declaração anexada ao documento.
A ambição da plataforma vem ao encontro do comportamento dos usuários do game. Estudo realizado pela National Research Group, em 2019, e publicado pela Forbes no Brasil, apontou que 40% dos adolescentes de 10 a 17 anos jogam Fortnite semanalmente, uma porcentagem maior que a média para outros jogos. Dois em cada três usuários ativos consultados afirmaram estar jogando o título com mais frequência que no ano anterior, fato que contraria a tendência de que os jogos percam força com o passar dos anos. A presença do game na vida dos pré-adolescentes e adolescentes também chama atenção. Em média, o jogo ocupa 25% do tempo livre dos jogadores regulares mais jovens (21% do total). Os fãs de Fortnite não só jogam ou assistem outros jogadores, como saem uns com os outros no lobby online por horas. Consultados pela pesquisa, os usuários avaliaram o game com três áreas-chave de sentimento: “me conecta”, “vale a pena experimentar” e “divertido de usar”.
No Brasil, a conta de comunicação da Epic Games e de Fortnite é gerida pela Cheil. Claudio Lima, CCO da agência no Brasil e América Latina, aposta nos games como cola social para as relações que se dão nesse ambiente. “Acredito que games sejam hoje uma das maiores e mais ativas redes sociais, onde os participantes mais interagem entre si e ficam conectados por horas, porque enquanto em outras redes sociais você precisa entrar e aí procurar pessoas com os mesmos interesses, num jogo a própria rede social já é o interesse. Fortnite por ser um dos maiores e mais importantes jogos do mundo, com uma base gigantesca e super engajada faz muito bem esse papel”, afirma o executivo. Ele também destaca o papel da Cheil nesse contexto. “Nós como agência exploramos mais essas conexões que os usuários têm entre si e com influenciadores, criando mensagens baseadas nas experiências compartilhadas dentro do jogo, que ecoam super bem com os players”, afirma Claudio.
Cultura pop e música
Ao mesmo tempo em que os games se integram cada vez mais às redes sociais, eles também são assimilados pela cultura pop e a música. Apesar de essa conexão existir desde o surgimento dos primeiros videogames, o crescimento do alcance comercial dos jogos alavanca essa dinâmica. “Acho que os games vão ter um papel muito importante para a música e cultura pop. Vimos por vários anos os games indo ao encontro dessas outras indústrias, com games em eventos como BGS e CCXP, games como tema de campanhas e como prêmio em promoções. E agora nós vemos o movimento contrário. De tudo isso vindo e entrando nos games. Lançamentos de música dentro de games, eventos dentro de games, lançamentos de produtos dentro de games. É uma simbiose muito mais profunda em que os games deixam de ser só a mensagem e viram o meio pelo qual essas iniciativas ganham vida”, aposta Claudio Lima, CCO da Cheil Brasil e na América Latina.
Marcos Medeiros, sócio e CCO da CP+B Brasil, agência responsável pela comunicação da desenvolvedora de jogos Activision, fala sobre como essa integração também estimula uma base compartilhada de assets e narrativas a serem exploradas. “Estas indústrias nunca estiveram tão conectadas. O próximo Call of Duty, por exemplo, será sobre a guerra fria, com personagens reais como Ronald Reagan e Vladimir Putin. O jogo Brutal Legend, outro exemplo, já em 2013 trouxe o Jack Black como personagem e tinha na sua trilha lendas como Ozzy Osbourne e Lemmy, do Motörhead”, comenta o criativo.
No campo da música, a afinidade é tão sensível que se tornou parte das preocupações das próprias plataformas. Recentemente, o Facebook Gaming anunciou parceria com empresas do setor para oferecer um catálogo de músicas de diversos gêneros aos usuários em mais de 90 países, incluindo o Brasil. A ideia é que os criadores de conteúdo de jogos possam incluir as músicas em suas transmissões. Por enquanto, a ferramenta está disponível para gamers selecionados, parceiros da plataforma, mas o objetivo é expandir para um número maior de criadores de conteúdo no futuro. A aproximação com o mundo da música também tem se dado por meio de celebridades. Em setembro, a cantora Anitta realizou transmissões ao vivo no Facebook Gaming, reunindo fãs e buscando novas audiências. Alessandro Sassaroli, do YouTube, destaca o trabalho de empresas como a Riot Games em sua plataforma que, além das transmissões ao vivo, disponibiliza o catálogo inteiro de músicas de seus jogos para os fãs e transforma seus competidores em estrelas, com entrevistas e conteúdo sobre os bastidores e a rotina de cada pro-player.
Entre as plataformas, a Twitch, que se vinculou aos games ainda muito cedo, vem experimentando o caminho contrário. Nos últimos anos, a vertical registrou um crescimento orgânico fora dos jogos, especialmente nos nichos de música e esportes, e a companhia decidiu investir no desenvolvimento desse tipo de criação. Como resultado, o conteúdo não relacionado a jogos quadruplicou desde 2017. “Os jogos estão no centro do que fazemos e continuarão a ser o foco, mas não somos uma empresa apenas de jogos. A Twitch é para qualquer um – qualquer um que seja um fã, qualquer um que seja apaixonado por qualquer coisa”, afirma o diretor de parcerias e conteúdo da Twitch.
A Loud, atualmente uma das maiores organizações de games do Brasil, vem investindo na música como ponto de conexão com o mundo dos games. Desde dezembro de 2019, com o lançamento da música “Sou da Loud”, feita em parceria com Gilklan, a Loud já lançou ao todo seis músicas. “A música, está muito associada ao lifestyle da Loud, de nossos fãs e do cenário de Free Fire no geral e nosso objetivo é construir mais um pilar de entretenimento para eles, abraçando totalmente esta cultura underground do trap, que acaba sendo deixada de lado no Brasil”, afirma Jean Ortega, COO da Loud, que lidera a iniciativa dentro da organização.
A música “Sou da Loud”, criada como uma espécie de hino da organização no final de 2019, conta com a participação de todos integrantes e já soma mais de 32 milhões de visualizações.
Em uma era de atenção volátil, um dos desafios para as plataformas é conseguir medir e entender o engajamento dos fãs. O YouTube dispõe do YouTube Analytics, que reúne dados como tempo médio por vídeo, números de comentários, compartilhamentos, visualizações e outras informações disponíveis na ferramenta. Já a Twitch aposta em métricas como o tempo assistido. Em 2019, foram 600 bilhões de minutos com quase 500.000 streamers transmitindo ao vivo e 1,5 milhão de pessoas sintonizando Twitch a qualquer momento do dia, em média. Mas, Alessandro Sassaroli destaca o papel de ferramentas qualitativas. “O mais importante é entender que há um ser humano no outro lado da tela e que alguma motivação o trouxe até aquele canal. Entender as dinâmicas de um grupo de fãs, seus anseios e características, é fundamental para entender se criador de conteúdo e audiência estão sintonizados e falando a mesma língua”, aposta o executivo.
Esse contexto também estimula o debate sobre formas de monetização para o trabalho dos gamers e produtores de conteúdo. O Facebook, por exemplo, oferece o Facebook Estrelas, onde os usuários podem adquirir estrelas durante as transmissões que são revertidas em dinheiro para os criadores, e expandiu as assinaturas de fãs para gamers no País. Nesse formato, os usuários oferecem suporte em forma de pagamento mensal e recebem vantagens como conteúdos exclusivos, adesivos personalizados e selo de apoiador.
Delivery de entretenimento
As redes sociais não são as únicas que têm buscado incorporar elementos do universo gamer para capturar a atenção dos usuários. Os jogos também estão ganhando espaço nos superapps, conceito que se popularizou com o WeChat na China e caracteriza aplicativos que reúnem em uma plataforma única uma variedade de serviços. No Brasil, em julho, o Rappi anunciou o lançamento de uma vertical de entretenimento. Entre as novidades apresentadas, a companhia estreou uma ferramenta de jogos online no seu aplicativo. Julia Canalini, head de entretenimento do Rappi, conta que a decisão foi tomada a partir da demanda dos próprios clientes. “Notamos, por exemplo, que nossos usuários estavam pedindo por mais opções de entretenimento e os games estavam constantemente inseridos nessas solicitações, por isso foi essencial dar atenção a essa vertente durante o lançamento do Rappi Entertainment”, explica a executiva.
O Rappi Games disponibiliza cerca de 150 jogos de diferentes gêneros. Eles podem ser jogados de maneira individual ou em grupos criados pelos usuários com amigos que também utilizam a plataforma. A vertente conta com um ranking de pontuações entre os jogadores e premiações. Os vencedores podem ganhar, inclusive, créditos no aplicativo, que podem ser trocados por produtos e serviços reais. A proposta da companhia é oferecer games rápidos, que possam atender a todos os públicos e atrair os usuários em momentos de distração cotidiana. “Nosso objetivo, além do entretenimento, é integrar funções, captar a atenção do usuário no game, assim como proporcionar uma vantagem em outra vertical, como o caso do RappiCréditos. Como superapp queremos que o consumidor tenha uma experiência completamente satisfatória, seja jogando no Rappi Games, pedindo um delivery ou assistindo a uma live. As verticais se complementam e a imersão desejada envolve todas”, conta a head de entretenimento do Rappi.
Futuro conectado
Assim como fez com diversos movimentos que aconteciam no universo digital, a pandemia da Covid-19 também acelerou o consumo de conteúdo de jogos nas plataformas sociais. Nas quatro primeiras semanas de distanciamento social, a Twitch registrou um aumento de 57% nas horas assistidas, em comparação com as quatro semanas anteriores. Wladimir Winter aposta em um processo de fidelização. “Nós definitivamente esperamos que os hábitos online das pessoas se ajustem à medida que a vida retorna a um senso de normalidade e a interação no mundo real se torna mais segura. Isso é saudável e estamos ansiosos para que aconteça. Dito isso, os principais comportamentos que vimos na Twitch historicamente mostraram que novos usuários vêm à plataforma, encontram sua comunidade e formam laços duradouros com os criadores de conteúdo. Acreditamos que há uma grande probabilidade de que eles mantenham esses relacionamentos — e continuem engajados na Twitch — depois que o distanciamento social diminuir”, afirma o executivo.
Segundo o Facebook, mais de 800 milhões de pessoas usam diariamente o Facebook Live e Instagram Live e, em junho, as transmissões ao vivo de páginas em todo o mundo dobraram em comparação com o mesmo período de 2019. Nesse sentido, a plataforma está trabalhando para aprimorar o desempenho das ferramentas. Com mudanças em curso no mundo, o head de gaming do YouTube para a América Latina prevê um futuro ainda mais conectado e com foco nos games. “À medida que a indústria vem amadurecendo, Games têm atraído profissionais (em diversos estágios da carreira) de diversas áreas. Ser gamer ou trabalhar com isso, já é o sonho viável de gerações presentes e do futuro. As marcas também têm entendido como gamificar suas experiências e como estar de forma legítima junto a esses consumidores. Produções de conteúdo ficarão cada vez mais ricas e complexas em termos de narrativas, atraindo a TV, cinema, plataformas de streaming, redes sociais para esse verdadeiro modo de vida gamer”, aposta Alessandro.
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