O que vem depois do unfollow da Folha?

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O que vem depois do unfollow da Folha?

Decisão do jornal, de não mais publicar conteúdo no Facebook, é o início de uma série de consequências relacionada às mudanças de algoritmos da plataforma


9 de fevereiro de 2018 - 7h31

Ao anunciar, nesta quinta-feira, 8, que deixaria de publicar seu conteúdo no Facebook, a Folha de S.Paulo reforçou seu posicionamento em relação à rede social. O jornal, que possui 5,9 milhões de seguidores na plataforma, sempre se demonstrou criterioso em relação ao Facebook. Por exemplo, não aceitando que seu conteúdo estivesse no Instant Articles por não concordar com a política inicial de não remuneração dos publishers.

Segundo a Folha, a medida foi tomada após discussões internas a respeito de distribuição de conteúdo aos leitores e usuários do portal. O jornal relata que já vinha sentindo queda na entrega orgânica do Facebook. “Em janeiro, o volume total de compartilhamentos, comentários e curtidas, obtidos pelas dez maiores páginas de jornais brasileiros no Facebook caiu 32% na comparação com o mesmo período do ano passado”, escreveu a Folha.

Outra justificativa é o fato de o ambiente do Facebook fomentar a distribuição de fake news. Ao Meio & Mensagem, Sérgio Dávila, editor executivo da Folha de S.Paulo, explica que a decisão foi baseada em todos os movimentos recentes envolvendo a plataforma que levaram o jornal a chegar a algumas conclusões sobre a estratégia. “Ao efetivamente banir o jornalismo profissional de suas páginas em favor de conteúdo pessoal e abrindo espaço para que as ‘fake news’ proliferem, o Facebook tornou-se terreno inóspito para quem está preocupado em oferecer conteúdo de qualidade”, afirma.

Em julho do ano passado, assim que o Facebook anunciou que começaria a testar paywall no Instant Articles, Dávila disse ao Meio & Mensagem que existia a possibilidade de a Folha considerar estar no programa da plataforma. Até então, ela não concordava em estar no Instant Articles de forma gratuita. “Sem essa possibilidade, a gente não abre nosso conteúdo”, disse Dávila à época. Em janeiro, ao anunciar as mudanças no feed, Zuckerberg ressaltou que o conteúdo de “empresas, marcas e mídia” têm tirado o espaço de publicações de pessoas que se conectam.

Questionado por Meio & Mensagem, o Facebook se posicionou em relação ao assunto. “Estamos comprometidos em construir uma comunidade informada, e trabalhamos em parceria com empresas de mídia na América Latina para que elas possam usar nossa plataforma para se conectar com suas audiências de maneira significativa. Também estamos adotando uma série de medidas para garantir que as notícias que as pessoas veem no Facebook sejam informativas e de alta qualidade’, diz a nota da empresa.

A iniciativa da Folha de S.Paulo é inédita do Brasil e está entre as primeiras também no mundo. A emissora dinamarquesa TV Midtvest parou de publicar conteúdo no Facebook por duas semanas em janeiro. Segundo o Digiday, com o teste, a Midtvest percebeu uma queda de 27% nos visitantes do site, uma queda de 20% nas sessões e um declínio de 10% nas visualizações de página. “Eu esperava uma queda global muito maior depois de parar a publicação no Facebook”, disse Nadia Nikolajeva, chefe de digital da TV Midtvest.

Para Eduardo Tessler, jornalista e consultor, a Folha fez uma aposta arriscada. “O que pode dar errado? Queda na audiência. O problema da Folha, e de tantas outras empresas de comunicação, é que elas utilizaram o Facebook sem uma estratégia estudada. Ou seja, publicavam qualquer coisa. Importante era viralizar o mais rápido possível. E isso não faz sentido. A overdose de conteúdos nas linhas de cada usuário é prejudicial”, afirma. Tessler ressalta que “por um lado, o Facebook mudou o algoritmo. Por outro, a Folha decidiu sair, acreditando que seu público irá segui-la em outras frentes. E esse é o risco: se o público está no Facebook, por qualquer motivo, é muito mais fácil trocar a Folha por um concorrente do que mudar de rede social”, afirma Tessler.

Os riscos do efeito manada

Uma matéria do Digiday, publicada nesta quinta-feira, 8, apontou o esforço de vários publishers em reduzir a dependência do Facebook. Muitos deles considerando, inclusive, aumentar a presença no LinkedIn, plataforma com maior foco profissional. Editores como o Financial Times, o Economist e a CNBC nos EUA estão testando vídeos nativos na plataforma que o LinkedIn lançou em agosto do ano passado.

De acordo com a análise, é improvável que os editores substituam o tráfego perdido do Facebook com o LinkedIn já que a rede ainda é uma pequena fonte de tráfego de referência para editores, representando menos da metade de 1% de todo o tráfego de referência global, de acordo com dados da Parsely.

Marcelo Coutinho

“As implicações simbólicas são mais interessantes”

Marcelo Coutinho, coordenador do mestrado profissional em administração da FGV e colunista de Meio & Mensagem, analisa a decisão da Folha e os impactos em audiência e receita do veículo.

Impacto na audiência
Após as alterações no algoritmo do Facebook, o impacto na audiência não deve ser grande. Segundo o SimilarWeb, as redes sociais geraram 3,4% do tráfego total do site www.folha.com.br, sendo o Facebook responsável por metade disso. Ou seja, numericamente o impacto não é significativo e, em termos de receita publicitária, que a Folha tinha que dividir com o Facebook, deve ser menor ainda.

“A questão agora é se esse exemplo será seguido por mais veículos. Para os que se construíram basicamente em cima da audiência das redes sociais e do jornalismo de clicks, acho que vai ser bem complicado”

Mudanças no algoritmo
A decisão do Facebook em privilegiar posts de amigos deve ser entendida em função de um contexto mais amplo: do ponto de vista do negócio, a receita publicitária gerada pelos veículos de mídia tradicional não estava compensando o risco maior em termos regulatórios. Com a eleição do Trump e as fake news, a plataforma entrou no radar dos governos como um instrumento importante na luta pelo poder. Atrás desta percepção vem o escrutínio público, com todas suas implicações e custos. Se a gente pensar bem, o Facebook nunca se definiu claramente em função do seu papel como “meio”, no sentido clássico do termo. Na verdade, é algo que ele aceitou a contragosto. A obrigação de se tornar uma nova “esfera pública” e as responsabilidades e processos de se assumir como “veículo” não foi uma escolha da direção da empresa, mas uma resultante das escolhas dos usuários e da dinâmica do mercado de veículos e anunciantes.

“O Facebook nunca se definiu claramente em função do seu papel como ‘meio’, no sentido clássico do termo. Na verdade, é algo que ele aceitou a contragosto”

O que vem agora?
A questão agora é se esse exemplo será seguido por mais veículos. Para os que se construíram basicamente em cima da audiência das redes sociais e do jornalismo de clicks, acho que vai ser bem complicado e eles vão lutar para se manter mesmo com o tráfego de origem do Facebook declinante. Para as marcas de mídia tradicionais, talvez seja a volta a um ambiente competitivo no qual elas têm maior poder de barganha e, do ponto de vista político-cultural, uma oportunidade para recuperar parte da relevância perdida nos últimos anos.

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