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Agir com compaixão e planejamento

É preciso mensurar riscos, projetar cenários e planos de ação para cada situação de crise prevista. A Copa deixou aos brasileiros a lição dolorosa do destino reservado a quem não treina com afinco


11 de novembro de 2014 - 12h30

Por Mauro Lopes (*)

Crise todo mundo tem. A palavra tornou-se tão genérica que qualquer situação de aperto, angústia ou desconforto virou crise. Mas não é bem assim. Crise é toda situação na qual causamos prejuízo à nossa relação conosco ou com os outros: é algo que pertence à esfera relacional. Portanto, um fato, um evento não abre uma crise. Se uma empresa devasta uma área relevante da Floresta Amazônica, isso é uma crise? Não necessariamente, se nenhum satélite passar pela área, se ninguém ficar sabendo. Pode ser um crime, mas não uma crise. Se o satélite flagrar e a foto cair na mídia social, aí temos uma baita crise.

A crise é a soma do efeito de uma ação sobre outrem e da percepção gerada. A percepção do prejuízo é muito mais relevante que o prejuízo avaliado quantitativamente. Um milhão de árvores derrubadas é muito mais que uma árvore. Mas, por vezes, a percepção de prejuízo de uma única árvore derrubada diante da sede de uma empresa em São Paulo pode ser incomparavelmente maior à de milhões na Amazônia. Essa percepção qualifica o tamanho da crise — quanto maior o sofrimento sentido, maior a crise.

Portanto, crise é o sofrimento e a percepção de prejuízo que a ação ou omissão de uma organização impõe às pessoas, ao meio ambiente, a uma cidade, a um país ou até mesmo ao planeta — mais uma vez, não é relevante aqui se foi proposital ou acidental, se há “culpa”. São muitas as possibilidades de prejuízo e sofrimento impostos pela ação empresarial.

Essa definição é chave. Implica acionistas, controladores e executivos admitirem que sua ação/omissão pode causar sofrimento. Significa reconhecer vulnerabilidade, imperfeição, fragilidade. Em outras palavras: trazer a compaixão para a vida da empresa.

As companhias em geral lidam mal com as crises. As palavras-símbolo às quais os executivos se acostumaram e com as quais foram formados são força, competição a toda prova, seleção dos melhores, metas, objetivos. Quando vem a crise, o sistema simbólico entra em colapso. Mas a reação inicial das organizações é manter a lógica. Fecham-se, buscam proteger-se, esforçam-se por minimizar as perdas impostas aos outros, cercam-se de advogados, defendem seus caixas.

Com isso, empresas que deveriam tratar as pessoas prejudicadas de maneira empática, acolhendo-as, cuidando delas, procurando minorar seus sofrimentos, acabam por transformá-las em adversárias. As vítimas passam a ser vistas, em boa parte das situações de crise, como “oportunistas” interessados em assaltar o caixa.

Essa postura aprofunda as crises, pois: 1) o tempo no qual as pessoas enxergavam as empresas como poder incontrastável acabou; e 2) com a explosão das redes relacionais e comunicacionais pós internet e, sobretudo, pós mídias sociais, as relações das empresas com as pessoas­ mais e mais escapa-lhes ao controle.

Pode soar estranho, mas compaixão é a palavra-chave para a gestão de crises. Se compaixão é a postura, se é o lugar a partir do qual as empresas devem construir suas estratégias, há uma conduta decisiva na gestão de crise: planejamento.

Crise é tudo ao mesmo tempo em todos os lugares acontecendo agora. Na crise, aquilo que acontece no tempo medido em semanas, meses, se torna concentração em minutos e horas. São variáveis sem medida. Portanto, a improvisação ou a mobilização de planejamentos e processos dos “tempos de calmaria” são receitas para aprofundar uma crise, não para geri-la.

É preciso ter consciência de que virão crises. É preciso prever e mensurar os riscos, projetar cenários e estabelecer planos de ação detalhados para cada situação de crise prevista. E checar e treinar e treinar e treinar. A Copa do Mundo deixou aos brasileiros uma lição dolorosa de qual o destino dos que não treinam com afinco.

Quem vai gerir a crise quando ela vier? Esses responsáveis devem fazer o que quando estourar? Qual a primeira ação? A segunda? A terceira? Qual estrutura deve estar pronta para cuidar das pessoas prejudicadas? Quem vai lidar com a imprensa e de que forma? E com as mídias sociais? A empresa que deixar para resolver na hora vai se dar mal.

Há muito para se escrever e fazer em torno do tema gestão de crise. Duas considerações basilares: o lugar onde estar chama-se compaixão; e a conduta a adotar, planejamento meticuloso.

 

* Mauro Lopes é sócio-fundador da MVL Comunicação e gestor de crises há mais de 20 anos. Este artigo está publicado na edição 1635, de 10 de novembro de 2014, de Meio & Mensagem, disponível nas versões impressa ou para tablets Apple e Android.
 

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