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Das fatalidades e das escolhas

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Ponto de vista

Das fatalidades e das escolhas


30 de janeiro de 2014 - 10h06

É fato normal, corriqueiro e até esperado, que pessoas, organizações, ou países sempre expliquem seus fracassos ou insucessos a partir de uma perspectiva fatalista.

Nada poderia ou pode ser feito. As coisas são o que são e, portanto, por desenho ou destino, os resultados ruins não poderiam ser evitados. Esta abordagem tem grandes vantagens. Ela consola. A responsabilidade pelos fracassos ou insucessos é atribuída a terceiros. Sempre.

Por outro lado, culpar os outros, o ambiente ou a conjuntura não ajuda, concretamente, a resolver problemas. Faz-se um pacto com a mediocridade onde a situação é reduzida ao status de fatalidade, sem solução possível, planos ou objetivos de longo prazo a serem alcançados. Em se tratando de negócios, pode ser mortal.

É o que parece acontecer na indústria de conteúdo doméstica. Durante décadas, o Brasil operou com premissas próprias. Acreditou que a língua portuguesa seria barreira suficiente para proteção de mercado.

Focou seu desenvolvimento no mercado local, e, ao mesmo tempo, verticalizou ou a produção e distribuição de conteúdo (o que, por si só carregava a premissa de que os meios de distribuição e de produção de conteúdo não seriam mudados ou impactados por mudanças tecnológicas).

Embora seja opinião subjetiva, a qualidade da produção nacional é boa. Em tese, poderia ser competitiva com o produto de outros centros de produção no mundo e conquistar outros territórios. Mas não acontece. Fora do País, o produto conteúdo brasileiro é pouco exibido, pouco visto. Pouco competitivo, portanto. Enquanto dentro do País, mesmo considerando a qualidade da produção doméstica, conteúdo estrangeiro é consumido intensamente por brasileiros.

Está aí o grande mistério. E, diante dele, resta a resignação ou a ação. Em outras palavras, pode-se escolher entre atribuir aos outros a responsabilidade do insucesso brasileiro na criação de uma indústria de conteúdo de alcance global ou buscar causas e soluções para isto, ainda que, com ela, venha também a responsabilidade pelos erros e o peso da necessidade da ação.

Embora se fale muito de desenvolvimento da indústria de conteúdo brasileiro, o conteúdo da discussão sobre este tema frequentemente é tratado como uma questão cultural e não econômica. E, tratada exclusivamente como financiamento de bens culturais que devem ser preservados, ignora os aspectos econômicos e estruturais que determinam, em grande parte, os resultados no mercado externo.

O fato é que, como em qualquer indústria, a indústria de conteúdo precisa, para ser bem sucedida, de componentes, políticas e escolhas que fomentem sua competitividade. E é justamente a ausência destes elementos na discussão que gera uma indústria confinada ao mercado doméstico e cada vez mais pressionada pela concorrência externa, e muito dependente do financiamento público (ao qual, em princípio, não me oponho desde que ele seja um meio, não um fim em si mesmo).

Os sinais estão por todo lado. Não produzimos canais de televisão em outras línguas, ou distribuídos maciçamente conteúdo para outros países. Mas consumimos, em volume crescente, conteúdo estrangeiro. O volume de produção brasileira distribuído é baixo. Seu preço no mercado externo é barato. O País não é cenário frequente para locação de filmes.

Em outras palavras, o Brasil não está integrado à cadeia de produção de conteúdo internacional. Portanto, ao mesmo tempo, não colhe os benefícios da inevitável – e já concreta – e globalização e fica com seus custos. Falta um modelo que permita esta integração e coloque o País no mapa dos grandes produtores de conteúdo.

Vários países conseguiram realizar a proeza de elaborar um modelo que resultou numa indústria de conteúdo forte e competitiva. Minimizaram suas limitações, e, ao mesmo tempo, buscaram vantagens competitivas que lhes garantem uma indústria vibrante, relativamente estável, e lucrativa. Olharam para além de suas fronteiras geográficas. Exemplos não faltam.

Alguns países apostaram na vantagem da língua. Índia, México, e Canadá, por exemplo. A Índia, beneficiada pela língua inglesa criou, inicialmente, conteúdo para a crescente população de imigrantes de origem indiana baseada em outros países. Desenvolveu linguagem e modelos de produção próprios. Nas ultimas décadas, a Índia modificou seu foco e passou a paulatinamente expandir seu mercado. Hoje, produz e exporta volume impressionante de conteúdo de alta qualidade, consumido globalmente e fora do mercado étnico.

O México, através de estratégia de distribuição para mercado hispânico nos EUA, exporta conteúdo em volume e preço muitas vezes superior aquele exportado pelo Brasil. Para isto, apostou na criação e aquisição de canais de TV nos EUA e no desenvolvimento de conteúdo que pudesse ser consumido por todos os latinos e não apenas pelos mexicanos.

Outros países optaram pela integração com Hollywood. O Canadá é o local preferido de Hollywood para locações de suas produções fora dos EUA. Criou algumas dos “film commissions” mais ativos e eficientes do mundo. Vancouver é a terceira cidade mais filmada nas Américas, logo atrás de Nova York e Los Angeles. E viabilizou o mercado de animação através da participação da complexa cadeia de produção de animação.

A Coréia do Sul, país com alfabeto e língua próprios e pequena base populacional, se firmou no mercado de animação e produz consistentemente conteúdo moderno consumido e distribuído maciça e globalmente. Começou terceirizando serviços de animação para os estúdios americanos e, com isso, escalou a curva de aprendizado que levou ao desenvolvimento de linguagem e personagens próprios. As animações coreanas hoje têm lugar garantido no consumo das crianças do mundo todo, especialmente online.

É inevitável que as tecnologias de distribuição de conteúdo avancem, se popularizem e se aprimorem, tornando qualquer conteúdo disponível em qualquer local. Afinal, é disso que se trata a “TV everywhere”. A evolução tecnológica também barateia a produção de conteúdo e, consequentemente, diminui barreiras de entrada.

Vistas de uma perspectiva conformista e fatalista, estas mudanças são ameaças à produção de conteúdo local. Neste cenário, países como o Brasil estariam condenados à desnacionalização da produção de conteúdo. Sem condições de competir.

Vistas por outra perspectiva, as mudanças tecnológicas apagam ou enfraquecem as barreiras linguísticas e culturais. Podem representar uma grande oportunidade de integração do país a cadeia de produção global de conteúdo e resultar em indústria vibrante, competitiva e exportadora.

Talento, tecnologia e recursos humanos não faltam para isto. Falta um modelo de desenvolvimento para a indústria de conteúdo brasileira. E, claro, um debate mais objetivo. Ser ou não competitivo não é fatalidade. É escolha.

 

Elton Simoes (ca.linkedin.com/in/eltonsimoes/ ) é profissional com larga experiência nas áreas telecomunicações, mídia e entretenimento no Brasil, na Europa, nos EUA, no Canadá e na América Latina. Atualmente atua como consultor, árbitro e mediador, baseado em Vancouver, Canadá. 

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