Mauro Segura
6 de janeiro de 2014 - 3h00
Nunca negligencie a capacidade de entendimento do cliente.
Ouvi a frase acima no início da minha carreira em marketing e comunicação e nunca me esqueci. A frase me veio de novo à cabeça quando tomei conhecimento do caso de marketing do Dodge Durango. Não conhece? Pare tudo e leia a excelente matéria "7 Lições que um idiota pode ensinar a um CMO" – mas volte depois para o meu post 🙂
A escolha do comediante Will Ferrell para construir e estrelar a campanha do Dodge Durango foi ousada por várias razões.
Will Ferrell não é unanimidade, alguns dizem que ele se repete e perde prestígio por conta disso. Por isso a escolha de seu nome já seria questionável. Mas na verdade não é Will que estrela a campanha, é Ron Burgundy, principal personagem do divertidíssimo filme "O Âncora: A Legenda de Ron Burgundy", interpretado por Will e lançado em 2004. O filme é uma comédia escrachada e alcançou sucesso retumbante. A crítica afirma que esse é o maior sucesso da carreira de Will Ferrell.
O problema é que Ron Burgundy é o anti-herói, um perfeito idiota, um ser bizarro, incapaz de concatenar um pensamento e completamente desconectado da realidade. Ele é um âncora "old fashion", da década de 1970. É aí que surge a principal ousadia da Dodge: colocar um personagem desacreditado para falar de seu produto.
A performance de vendas do Dodge Durango já vinha numa curva crescente desde o início do ano de 2013. Os novos comerciais com Burgundy foram lançados no dia 5 de outubro de 2013. No final desse mesmo mês, as vendas de Dodge Durango já tinham aumentado 59%, comparado ao mesmo período do ano anterior.
No dia 18 de dezembro o filme "Anchorman: The Legend Continues" foi lançado nos Estados Unidos. Aqui no Brasil, chega às telonas em fevereiro de 2014 e deverá se chamar "O Âncora 2". A Dodge, sabiamente, fez a sua campanha pegar carona nesse lançamento, pois havia uma enorme expectativa em torno do filme, que vem obtendo boa repercussão e fazendo sucesso. Todo o barulho no lançamento do filme ajudou nas vendas do carro e em novembro as vendas do Durango foram 36% maiores do que o mesmo período do ano passado.
Ainda é muito cedo para afirmar que esta campanha é um sucesso de marketing e que gerou um real retorno em vendas, mas já podemos afirmar que os holofotes estão ligados e que trouxe relevância e diferenciais para a marca, especialmente por tratar-se de uma ação diferenciada e corajosa.
Dois pontos me chamaram a atenção:
1- Foram produzidos 70 vídeos, um número grande e variado de situações. Isso não é comum, normalmente as empresas optam por um número reduzido de vídeos e focam todo o esforço neles;
2- A Dodge tomou a decisão de dar liberdade total criativa para Will Ferrell. O ator escreveu, atuou e dirigiu os vídeos sem nenhuma ingerência do cliente, o que é algo bem inusitado nesse tipo de projeto.
Cabe citar que o segmento de automóveis é altamente competitivo, um mercado hostil e nervoso. As ações de marketing dos fabricantes são parecidas e focam em mostrar repetidamente os benefícios e diferenciais de seus produtos, agregando ou não um toque de humor. São raras as inserções fora dessa fórmula.
Uma bela experiência que virou um caso de sucesso no Brasil foi "Pôneis Malditos" da Nissan, lançado em 2011, algo inusitado que virou viral na web e não apenas alavancou as vendas da Nissan Frontier, que era o propósito inicial da ação, mas ajudou no aumento de vendas de todos os carros da Nissan no País. Meses depois a Nissan tentou repetir a fórmula lançando "Pôneis Malditos 2", mas não obteve tão bons resultados como na empreitada inicial.
A coragem e ousadia da Dodge em sua ação com Ron Burgundy me trouxe três boas lições:
1- Emoção com criatividade
A atenção das pessoas sobre um produto não é algo puramente racional. A emoção para criar relevância e interesse é muito ou até mais importante que a razão. A Dodge deixou a racionalidade de lado e partiu para criar algo novo e surpreendente, entregou toda a criação para Will Ferrell e optou por uma mensagem divertida, irreverente, criativa e fora dos padrões. Se fosse uma mensagem racional, qualquer concorrente poderia contra atacar, mas como competir com Ron Burgundy? A Dodge estabeleceu uma nova arena onde os concorrentes não conseguirão dar uma resposta facilmente. A liberdade dada a Will Ferrell me parece que fez toda a diferença.
2- Humor inteligente
As pessoas gostam de humor inteligente. As empresas devem se permitir brincar e ironizar os seus próprios produtos. Não negligencie a capacidade das pessoas de entenderem as coisas. A mensagem final da Dodge é simples, algo assim: "Veja o meu produto, ele é muito bom, considere-o na próxima compra, vem conhecê-lo". Em troca do bom humor criativo oferecido pela companhia, as pessoas têm ido mais às concessionárias para conhecer o produto da Dodge e dar uma chance de serem convencidas de que a compra vale a pena. Os indicadores mostram aumento no número de pessoas visitando as concessionárias e comprando o produto.
3- Coragem e ousadia
Quando você não é o dono de uma grande verba de marketing e precisa se destacar dentro da selva da concorrência, considere a possibilidade de fazer algo completamente diferente do padrão de mercado. Não acredite que fazer "mais do mesmo" vai trazer resultados diferentes. Aceite fazer algo assustador e inusitado. Essa ousadia dará a chance de ser alavancado e ganhar relevância. Foi isso que aconteceu nas ações da Dodge e da Nissan, cujos competidores diretos têm muito mais verba de marketing e fazem campanhas de grande impacto.
Veja abaixo cinco filmes comerciais do Dodge Durango com Ron Burgundy, selecionados por mim, para que entenda o mecanismo da campanha e o espírito da mensagem… E aproveite para conhecer o melhor porta-luvas da galáxia !!!! 🙂 Mas se você quer mesmo se divertir vá ao canal da Dodge no YouTube. Eu me diverti muito e fiquei bem curioso para conhecer melhor o Dodge Durango.
Mauro Segura é líder de marketing e comunicação na IBM Brasil
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