Saída da Ford do Brasil: incertezas e impactos na marca
Companhia tem o desafio de aplacar incertezas dos consumidores e de criar nova proposta de valor, segundo especialistas em branding
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Bárbara Sacchitiello
13 de janeiro de 2021 - 6h00
“A Ford continua comprometida com os clientes no Brasil e na América do Sul com um modelo de negócio ágil e sustentável baseado em uma linha de veículos icônicos, conectividade e eletrificação”. Essa é a primeira resposta de uma série de questões que a Ford colocou em seu site oficial para tentar responder às dúvidas do público que foi surpreendido com o anúncio da saída das fábricas da montadora do País, feito nesta segunda-feira, 11.
A decisão da companhia teve como justificativa a ampliação da capacidade ociosa, que persistiu por conta da redução das vendas gerada pelo prolongamento do tempo de pandemia, o que teria causado perdas significativas à empresa. Com isso, os automóveis da Ford vendidos no Brasil virão sobretudo da Argentina e do Uruguai e alguns modelos fabricados no País, como EcoSport, Ka e T4, deixarão de ser produzidos. Importados dos vizinhos latino-americanos, serão vendidos no Brasil os modelos Ranger, Mustang, Edge e Territory, além dos lançamentos que a montadora promete para o ano, como Ford Transit, Mustang Mach 1 e Ranger Black.
Ford fecha suas três fábricas no Brasil
“Marcas sempre são resultados de associações que as pessoas fazem e, a medida em que acontece uma associação negativa — pois a saída da companhia do mercado, por uma série de fatores, acaba sendo algo negativo – essa marca enfraquece aos olhos do consumidor e gera uma série de incertezas”, analisa Galli. Segundo ele, as principais incertezas que rondam a marca em meio a uma movimentação como essa é a continuidade da relação dos seus consumidores com ela. “Quem tem automóvel, se questiona se contará com assistência técnica, se encontrará peças quando precisar. E, quem ainda cliente, mas está pensando em comprar um carro nesse momento, certamente vai olhar para aquela marca de outra maneira”, exemplifica.
Na opinião de Galli, para que a Ford consiga fazer essa saída do mercado nacional preservando os valores e a imagem que construiu perante o consumidor brasileiro, é fundamental a presença de dois elementos: transparência e uma estratégia de comunicação bem definida. “O primeiro ponto a ser trabalhado é a transparência. A marca tem que ser clara, objetiva e informar às pessoas aquilo que elas desejam saber, explicando como fará o abastecimento das peças, que tipo de assistência os clientes podem encontrar, etc”. Segundo o professor, o ideal é que essa comunicação com o público seja feita o mais breve possível, a fim de dissipar as incertezas e eventuais notícias falsas em torno da empresa que possam surgir nas redes sociais.
Distanciamento e reinvenção
Proprietária de modelos de grande sucesso entre o público e com mais de 100 anos de presença em território brasileiro, a marca Ford acabou consolidando uma imagem positiva e sólida no País, na visão de Carolina Barruffini, diretora de branding da CBA B+G, agência de design, branding e inovação pertencente ao Grupo WPP. A profissional pontua, no entanto, que o desempenho de mercado da Ford nos últimos anos já vinha fazendo com que a montadora perdesse um pouco de sua competitividade e, consequentemente, diminuísse sua lembrança de marca. Segundo dados da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea), a Ford ocupou a quinta posição entre as marcas de automóveis no Brasil em 2020, com um share de 7,14% do mercado.
Apesar das incertezas inevitáveis do movimento, Carolina pontua que a Ford poderia utilizar a saída do País como uma oportunidade de reinventar sua proposta de valor. “É a oportunidade de criar algo que vá ao encontro com uma necessidade latente dos consumidores: passar do foco em produzir carros para focar em criar soluções de mobilidade, desenvolvendo ferramentas, serviços, infraestrutura capazes de apoiar a solução de um dos grandes problemas atuais”, aponta. Ela ressalta que a Ford já vem fazendo isso nos Estados Unidos com a aquisição de empresas de tecnologia e conectividade e que poderia trazer essa expertise ao Brasil.
Na visão de Carolina, esse momento de saída do País demanda um investimento em comunicação mais assertivo e direcionado e a abordagem deve estar em construir relacionamentos sustentáveis a partir da visão de criar novas ofertas, serviços e soluções de mobilidade.
Identidade brasileira
Outro ponto que Genaro Galli, da ESPM, destaca em relação à marca Ford é o fato de seu tempo de permanência no Brasil ter lhe conferido um recall de empresa nacional, apesar de sua origem estadunidense. Preservar essa imagem perante o publico dependerá, em sua visão, essencialmente de como a empresa irá gerir, sobretudo, as redes de concessionárias, que acabam sendo o principal ponto de contato entre marca e consumidor. “É preciso ver se essa nova lógica de importação condiz com a preservação de uma rede tão grande de concessionárias. Esse processo, claro, gera desgaste e incerteza não somente ao público, mas também aos donos das lojas, que fazem parte da cadeia de stakeholders da marca. O impacto de um movimento assim acaba acontecendo em todos os pontos de contato da empresa”, diz.
Em seu site oficial, a Ford promete aos consumidores manter uma presença ativa no Brasil por meio de sua rede de concessionárias, oferecendo assistência técnica e peças de reposição para os veículos e garante que, neste momento, não há mudanças na rede de lojas. A empresa adianta, no entanto, que “ajustes futuros serão comunicados oportunidades aos consumidores, com total transparência”.
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