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“A grande verdade é a verdade sobre as mentiras”

Julian Assange, criador e porta-voz do WikiLeaks, compartilha suas ideias e ideais para a plateia brasileira


1 de setembro de 2011 - 1h32

O criador e porta-voz do WikiLeaks, Julian Assange, falou cerca de 1:30 hora em teleconferência a uma plateia completamente entretida durante a abertura do Info@trends, nesta quinta-feira, 1º, em São Paulo (SP). O WikiLeaks é uma organização transnacional, sem fins lucrativos, sediado na Suécia, que publica documentos, informações confidenciais (hackeadas de governos e empresas) e fotos. Lançado em 2006, o WikiLeaks já divulgou mais de 2 milhões de documentos e se tornou fornecedor de informação bruta para veículos mundiais como os jornais The Guardian (Reino Unido), The New York Times (Estados Unidos) e revistas como a Der Spiegel (Alemanha). No Brasil, o WikiLeaks mantém parceria com a agência de jornalismo investigativo Pública, dirigida por Natália Viana e citada por Assange como a representante do WikiLeaks no País. A seguir, os principais pontos abordados por Assange durante sua apresentação no evento:

Prisão domiciliar

Julian Assange é mantido em prisão domiciliar em Diss, cidade a 146 km de Londres, e é constantemente monitorado – por meio de uma tornozeleira eletrônica, pela CIA, dos Estados Unidos, e pelo serviço secreto britânico. Isso não o impede de manter a comunicação com o mundo e com os seus seguidores – pelo menos 23 organizações semelhantes ao WikiLeaks foram criadas ao redor do globo inspiradas pelo projeto do sueco. “É triste não poder estar com vocês. Queria muito ir ao Brasil”, disse o ativista ao iniciar a transmissão da teleconferência para a plateia brasileira.

Assange fez questão de fazer uma correção: ao abrir o evento, o porta-voz da Info@trends fizera um ligeiro resumo sobre o criador do WikiLeaks, inclusive sobre a acusação pela qual o ativista é mantido em prisão domiciliar: “Não fui acusado de nada, nunca!”, afirmou Assange. “E essa contradição (de estar detido sem acusação) é uma das razões pela qual estamos (ele e as demais pessoas envolvidas com o WikiLeaks) nessa situação (sob pressão)”.

Estado de Direito

“O Estado de Direito tem fracassado no Ocidente e em todos os lugares. Há uma violação sistemática do Estado de Direito”, afirma Assange. Em 2008, o WikiLeaks começou a publicar uma série de documentos, inclusive sobre contas secretas (off-shore) mantidas nas Ilhas Cayman, no Banco Julius Baer que, segundo o ativista, é um banco especial usado para esconder ativos de pessoas e empresas com depósitos mínimos a partir de US$ 1 milhão. “O banco tentou acabar com o WikiLeaks e perdeu. O jornal The New York Times, a rede CBS e mais 23 empresas de mídia e universidades nos ajudaram”, conta o ativista. O Banco Julius Baer, diz Assange, está baseado em pequenas ilhas cujas legislações são incompatíveis com os princípios democráticos. “São contas off-shore, de dinheiro lavado”, diz.

Em Guantánamo (Cuba), o governo norte-americano mantém centenas de presos sem a menor observância do Estado de Direito – sem direito a processos judiciais, sem direito a visitas, sem direito à defesa. “É a forma usada pelos Estados Unidos para esconder as pessoas e afastá-las do Estado de Direito”, afirma Assange. Dessa forma, diz, o poder (governo, empresas e pessoas) esconde dinheiro numa ilha (Cayman) e pessoas em outra (Guantánamo).

“Muitas pessoas entram no governo para montar redes de informação e de vigilância fora do Estado de Direito. É o ‘Estado das Sombras’, sistema que coloca ativos, justiça, interesses e poder fora das vistas (das pessoas e da sociedade civil)”, diz Assange.

Mídia

No início deste ano, o WikiLeaks publicou milhares de telegramas. Entre o material publicado, havia uma série de telegramas da embaixada dos Estados Unidos na Bulgária sobre aquele país. A embaixada norte-americana de Sofia detalhava o quanto a corrupção estava entranhada no governo búlgaro. “Mas, de um telegrama de 1 mil palavras, a matéria do jornal The Guardian cortou 2/3 e retirou toda a informação sobre os corruptos da Bulgária. O Guardian cortou as informações para tentar controlar e esconder do povo búlgaro as informações do governo daquele país”.

O que aconteceu?, se pergunta Assange. Ele mesmo responde: “Os grupos de mídia do Ocidente, do The New York Times ao The Guardian editam e veiculam as informações que passamos que encobrem criminosos sem nos dar feedback”, afirma. “Por que isso acontece”, pergunta. “Quando falei com o editor do The Guardian, ele admitiu que o jornal não poderia dar os nomes de empresas e de pessoas (da Bulgária) que poderiam processar o jornal. Ou seja, as atividades das pessoas ricas e corruptas não são relatadas e detalhadas e das pessoas pobres e sem poder são”.

Assange diz que caso equivalente ocorreu com o jornal The New York Times: sobre a informação de um carregamento de componentes de mísseis da Coréia do Norte para o Irã, de um documento de 62 páginas, o jornal deu apenas dois parágrafos, relata. Outra informação, sobre a força tarefa 373 (forças especiais dos Estados Unidos), que detalha a morte de mais de 2 mil pessoas no Afeganistão, uma verdadeira lista de assassinatos, também foi derrubada pelo The New York Times. “Enquanto a revista (alemã) Der Spiegel transformou a informação em matéria de capa, no New York Times os editores derrubaram a reportagem”, diz Assange. “A visão dos marxistas das décadas de 60 e de 70 da América Latina, com descrições caricaturais (sobre a manipulação) do New York Times e da Secretaria de Estado dos Estados Unidos, portanto, estava correta”, avalia.

Corrupção e perda de moeda

Em 2007, Assange divulgou documentos sobre o Quênia (país no qual também viveu). Esses documentos comprovavam que Moi (Daniel Arap Moi, que governou o país por 18 anos) roubou US$ 3 bilhões do Tesouro queniano para investir em bancos suíços, de Londres e de Nova York, afirma o ativista. “Esse tipo de corrupção é pior do que a corrupção doméstica (quando o dinheiro passa de uma empresa para outra dentro do país) porque significa que as divisas saem de um país para outro. O dinheiro que é roubado de um país pobre é transferido para outro país rico e é uma perda de divisas para o país pobre (Quênia)”.

Assange diz que esse tipo de transação no Quênia aumentou ainda mais a pobreza do país porque a moeda queniana foi desvalorizada porque foi convertida em dólar norte-americano, francos suíços e libra esterlina. “Ingleses, suíços e americanos ficaram mais ricos”, afirma. O criador do WikiLeaks assegura que entre US$ 140 milhões e US$ 900 milhões são enviados dos países pobres para a Europa e Estados Unidos todo ano para bancos na Suíça, Londres e Nova York.

Preservação de fontes

Sobre as acusações de revelar nomes de fontes que dão acesso aos documentos confidenciais, Assange garante que jamais o WikiLeaks procedeu dessa forma. “Manter nossas fontes no anonimato é o nosso maior valor. Mas, as fontes são apenas metade da equação. Ao longo dos últimos anos, a oferta de informações e de fontes não tem sido um problema, e sim a forma como a informação é publicada. “Jamais revelamos o nome de uma fonte e não há informação oficial de que tenhamos feito isso”. Temos que dar os nomes de criminosos, de espiões, de acionistas e de políticos. Quem faz o que a quem”, diz.

No ano passado, divulgamos o nome de mais de 150 mil pessoas que foram mortas pela atividade dos Estados Unidos por meio da CIA, das forças especiais e do Exército americano. “Não existe acusação de qualquer fonte oficial de que tenhamos causado a morte de uma única pessoa em qualquer país”, afirma.

Crowdsourcing

Cerca de 134 mil despachos diplomáticos dos Estados Unidos foram divulgados via crowdsourcing e, para Assange, as pessoas já entenderam a importância do material obtido e compartilhado pelo WikiLeaks. “O WikiLeaks se tornou importante e atrai a comunidade digital. As pessoas tuitam e compartilham nossas informações. Dezenas de milhares de histórias são descobertas e compartilhadas.

O ativista diz que parte das informações é divulgada pela grande imprensa, mas uma grande parte é disseminada pelas redes sociais. E recorda um dos casos mais eloquentes do WikiLeaks: as fotos de um helicóptero Apache, dos Estados Unidos, que assassinaram dois jornalistas da Reuters. Isso foi divulgado em abril do ano passado e foi a partir daí que o WikiLeaks atingiu a dimensão global e importância mencionada por Assange.

Mais recentemente, a divulgação de informações do Oriente Médio pelo WikiLeaks deu origem, segundo Assange, à Primavera Árabe, que derrubou o governo egípcio e tunisiano e ainda continua a repercutir na Líbia e na Síria.

A verdade

O porta-voz do WikiLeaks recorre à Física Teórica (sob a qual é formado) para, por meio da epistemologia, definir o que é a verdade: “Como você sabe o que você sabe? Como garantir que você não está se enganando? Podemos jamais saber a verdade a não ser que consigamos derrubar as mentiras que estão por detrás da verdade. Você sabe que é mentira quando os lados A e B entram em contradição. A grande verdade é a verdade sobre as mentiras”, filosofa.

Futuro

A previsão de Assange para o futuro pode ser sombria ou não, conforme o ângulo. Um bom paralelo para isso são as recentes manifestações de Londres. O ativista critica a cobertura da BBC “que não ouvir um único manifestante” e diz que o governo do Reino Unido agiu exatamente como o Egito: tentou calar as redes sociais e até mesmo controlar o que era compartilhado pela internet.

O que pode acontecer, diz Assange, é que surjam formas de controle cada vez mais agressivas para tentar controlar as pessoas (nas redes sociais), com o Estado que monitora completamente os passos de cada pessoa.

Ou ainda o controle econômico, como o feito por empresas como Visa, Mastercard, Bank of America e PayPal que, a pedido de Washington (governo norte-americano), não aceitam receber doações para o WikiLeaks. “Você, que mora em São Paulo, não pode usar seu cartão Visa para contribuir com o WikiLeaks. Ou seja, Washington determina o que você pode fazer com o seu dinheiro”, diz o ativista.

A previsão não sombria para o futuro antevista por Assange é um sistema de direito que permita às pessoas se comunicarem com a garantia de privacidade, sem controle ou vigilância do Estado. “Todo avanço da civilização se baseia no desenvolvimento de nossos registros intelectuais que são, além de registrados, compartilhados. Se pudermos capturar isso e seguir em frente, teremos a civilização mais humana e civil que a Terra já viu”, afirma.

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