As pedras no caminho do Apple TV+
Ecossistema fechado, conteúdo 100% original e ausência de publicidade são, ao mesmo tempo, diferenciais e desafios da nova plataforma
Ecossistema fechado, conteúdo 100% original e ausência de publicidade são, ao mesmo tempo, diferenciais e desafios da nova plataforma
Thaís Monteiro
26 de março de 2019 - 15h09
Foi em novembro de 2017 que a Apple divulgou os primeiros detalhes de sua série original Top of the Morning, produzida e interpretada por Jennifer Aniston e Reese Witherspoon. Porém só nessa segunda-feira, 25, que a gigante da tecnologia anunciou a data de lançamento de sua plataforma de vídeo sob demanda, a Apple TV+ (no último trimestre deste ano).
Tim Cook, CEO da Apple, apresentou novo serviço dividindo o palco com profissionais e celebridades das produções originais da empresa (Crédito: Reprodução/Apple)
O primeiro diferencial seria seu catálogo, formado apenas por conteúdo original com nomes de grande peso na indústria do cinema e TV como Oprah, que está produzindo duas séries documentais; Steven Spielberg, produtor da antologia Amazing Stories; e Sara Bareilles e JJ Abrams, produtores da série Little Voice, todos presentes no evento de lançamento na sede da empresa, em Cupertino, Califórnia. Também estiveram atores e atrizes como Jason Momoa e Alfre Woodart de Seeing; Kumail Nanjiani de Little America; Jennifer Aniston, Reese Witherspoon e Steve Carell, de Top Of The Morning. Eles e outros profissionais compartilharam seus projetos com uma plateia não só formada por parceiros da Apple e jornalistas, mas também por agentes de Hollywood, produtores e artistas, como sinalizou o The Hollywood Reporter.
Além das atrações da plataforma e sua estreia simultânea em cem países, pouco mais foi informado. Ninguém falou sobre preços das assinaturas, por exemplo, embora tenha sido comunicado que o Apple TV+ não terá publicidade.Maurício Almeida, sócio-fundador da plataforma WatchTV, acredita ser difícil prever de que forma o player se encaixa no mercado. “Como tudo que vem da Apple deve ser respeitado e visto com muita atenção, o streaming deles não seria diferente, porém a exigência por inovação é grande em relação à empresa e, pelas poucas informações que temos, ainda não dá para ver nada relevante nessa área”, considera.
Para Igor Kupstas, diretor da O2 Play, é provável que o streaming fique disponível em todos os aparelhos da companhia e isso, por si só, atraia audiência automaticamente. Atualmente, a Apple tem 1,4 bilhões de usuários, considerando todos os seus aparelhos. Seu streaming de música adquiriu 50 milhões de assinantes em quatro anos. Mas o fato de a empresa ser muito fechada em seu próprio ecossistema é prejudicial, na opinião de Maurício. “Temos que entender como esse jogo ficará. Para o Apple TV+ se tornar um grande streaming, terá que se abrir para o mundo. Vai ter um aplicativo para o Apple TV+ no Android, por exemplo?”.
Cena da série Seeing, protagonizada por Jason Momoa, exibido em anúncio da empresa com cenas de parte das suas produções (Crédito: Divulgação/Apple)
Apesar de não apresentar um modelo comercial definido para além da assinatura, a maioria das plataformas streaming também não possui. O YouTube, pioneira no conceito de streaming, trabalha com propaganda há muitos anos, mas também lançou assinaturas num modelo premium em setembro que permite ao usuário assistir vídeos sem anúncios. Mais recentemente, o portal IMDb, da Amazon — assim como o Prime Video — comunicou a criação do Freedrive, um streaming sem assinatura, mas com anúncios. O IMDb também produzirá minisséries originais. Ainda não presente no Brasil, o Hulu, plataforma que tem a Disney como principal acionista, tem anúncios nos planos mais acessíveis.
Produtora executiva e dona do canal Imprensa Mahon, que fala sobre o mercado audiovisual no YouTube, Krishna Mahon coloca a Apple na mesma seara de Disney e Amazon, que possuem outras fontes de renda além da plataforma propriamente dita e seus assinantes. Tal posição a coloca em destaque pois tem recursos para bancar o início do novo negócio. “Em 2017 foi anunciado que a Apple investiria U$ 1 bilhão em produções originais, mas acredito que agora esse valor seja bem maior caso ela realmente lance sua plataforma em mais de cem países, sem licenciamentos, apenas com produções originais. É melhor mesmo a Apple rever esse orçamento, já que é difícil conseguir penetrar em mercados tão distintos sem investimento em produções locais”, avalia. Atualmente, players de VOD não entram na lei para cota de produção nacional. A Agência Nacional do Cinema (Ancine), que regula o setor, anunciou que irá discutir a pauta até ano que vem.
Concorrência e pirataria
Em 2017, a Apple contratou Zack Van Amburg (ex-Sony Pictures Television) e Jamie Erlicht (ex-Sony Pictures Television, Artists Television Group e Columbia TriStar Television), ambos veteranos da televisão, para firmar contratos com talentos da indústria. Foram eles os responsáveis pelas articulação com Oprah Winfrey, Spielberg, Aniston e Witherspooon além de um acordo com a produtora A24, responsável por filmes como Moonlight e Lady Bird, vencedor e indicado ao Oscar, respectivamente.
Apesar disso e dos grandes nomes da indústria, ofertar apenas produtos originais “pode não ser sustentável”, diz o executivo da O2 Filmes. Estudos mostram que, recentemente, a pirataria tem aumentado no consumo de filmes e séries audiovisuais e uma das hipóteses para esse aumento é a multiplicação de ofertas e conteúdos exclusivos: o usuário não consegue pagar todos os serviços e recorre a recursos ilegais. “Uma grande dúvida do mercado no mundo é quantos serviços de assinatura o consumidor vai se comprometer. Com Netflix, Amazon, Disney+ e outros bem posicionados, o desafio é se provar indispensável a cada mês”, coloca Igor.
Um dos diferenciais que a Apple pode usar a seu favor é a produção de conteúdo para todos os públicos, diz Krishna. A empresa proibiu conteúdos que tenham cenas de sexo, violência, drogas, políticas e outros assuntos considerados “mais pesados”, o que alterou produções como a série de suspense do diretor M. Night Shyamalan. Ele teve que tirar crucifixos de uma cena, e Amazing Stories, que deve perder seu apelo mais obscuro. Outra notícia que corre é a de que o showrunner de Top of the Morning deixou o projeto por não concordar com tais imposições.
“Qualquer produtor de conteúdo vai dizer que esse cerceamento criativo pode comprometer a qualidade dos produtos. Mas quem sabe não é uma boa jogada? A Apple poderia ocupar a lacuna deixada pela Disney, que após a aquisição do Universo Marvel não produz mais apenas conteúdos ‘censura livre’. Certamente a Apple dará uma grande tranquilidade aos pais, já que hoje é bem difícil controlar o que a criançada vê”, afirma Krishna.
**Crédito da imagem no topo: Reprodução/Pexels
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