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Artigo: Em defesa do ombudsman

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Artigo: Em defesa do ombudsman

Embora não tenha sido uma criação do Washington Post, foi lá que a função se celebrizou. Agora se encontra ameaçada. A direção do jornal considera a extinção do cargo.


26 de fevereiro de 2013 - 9h41

*Por Carlos Eduardo Lins da Silva

De todos os grandes jornais impressos que enfrentam dificuldades para sobreviver dignamente nos EUA, o que mais deixa tristes os admiradores do jornalismo americano que se notabilizou na segunda metade do século 20 por sua independência e coragem é o Washington Post.

Por vários motivos: sua cobertura do caso Watergate na década de 1970 virou uma espécie de ícone desse tipo de jornalismo (em parte em razão de alguns exageros idealistas, admita-se), os cortes na redação e de papel que o jornal vem fazendo já há pelo menos cinco anos desfiguraram completamente a edição, a queda de qualidade dos textos é gritante e alguns episódios de tentativa
de sair da crise foram verdadeiras aberrações.

Por exemplo, a jovem, impulsiva e desastrada publisher atual do Post, Katharine Weymouth, neta da lendária Katharine Graham, em 2009 achou que seria uma boa ideia para levantar dinheiro vender a empresários, políticos e lobistas por preços que variavam de US$ 25 a 250 mil assentos à sua mesa de jantar em casa para desfrutar da companhia e da conversa com ela própria e com seus principais repórteres e editores.

Pode ter sido apenas uma tentativa ingênua e irrefletida de reviver as famosas festas que sua avó dava para a elite de Washington (sem cobrar nada, evidentemente) e, ao mesmo tempo, juntar algumas centenas de milhares de dólares por semana sem muito esforço.

Pelo menos, Weymouth teve o bom senso de desistir da iniciativa e pedir desculpas aos leitores e ao mercado depois que o esquema foi revelado ao público e criticado pelo ombudsman do jornal.

Aliás, a instituição do ombudsman no Post foi uma das razões que motivaram a enorme admiração de que desfrutou na comunidade jornalística internacional por tanto tempo.

Embora não tenha sido uma criação do Post (o primeiro ombudsman de jornal começou a trabalhar em 1967 no Courier-Journal e no The Lousiville Times, editados por uma mesma empresa em Louisville, Kentucky), foi lá que a função se celebrizou.

O Post foi o primeiro jornal de repercussão nacional a ter ombudsman, em 1970. A posição ganhou especial destaque a partir do ano seguinte, 1971, quando Ben Bagdikian, jornalista e acadêmico, passou a ocupar o cargo.

Por sinal, Bagdikian sofreu enorme pressão do então editor-chefe do Post, o famoso Ben Bradlee, que chegou a tentar demiti-lo após uma coluna que o irritara particularmente, como conta Caio Túlio Costa em seu livro O relógio de Pascal, uma história dos primórdios do ombudsman no Brasil.

Mas Bagdikian sobreviveu a Bradlee e a função do ombudsman se mantém no Post há 43 anos. Mas agora se encontra ameaçada, conforme declarações de Fred Hiatt, o editor de Opinião do jornal, que contou ao jornal Político que a direção do Post está considerando a extinção do cargo.

Dezenas de funções de ombudsman têm sido encerradas nos EUA desde que a crise dos jornais começou. É um alvo fácil: em geral, o profissional que a ocupa ganha um bom salário, se ele cumpre bem sua missão, seus textos incomodam muita gente da redação e da direção das empresas, e ele goza, em quase todos os veículos que adotam a prática, de estabilidade pelo menos durante algum tempo.

Diversos ex-ocupantes do cargo de ombudsman no Post vieram a público para defendê-lo e criticar sua possível eliminação, inclusive Bagdikian, que aos 93 anos continua ativo, lúcido e corajoso.

Ele disse ao Media Matters, que faz ótimo trabalho de observação crítica da imprensa americana: “O ombudsman não é apenas uma função útil, mas eu até acho que mais pessoas leem a crítica da notícia do que a notícia criticada. Se você cometeu um erro, ou as pessoas acham que você cometeu um erro, e o jornal explica o que ocorreu aos leitores, isso aumenta a confiança do público no jornal e mostra que o jornal escuta e respeita seus leitores”.

Infelizmente para a imprensa brasileira, o ombudsman não é prática corrente por aqui. A Folha de S. Paulo foi o primeiro veículo a criar formalmente a função, em 1989, e segue sendo o único de expressão nacional a mantê-lo.

Isso fala muito (e muito mal) sobre a disposição do jornalismo brasileiro de se autorregular e de se abrir a críticas e ao debate. A crise aqui ainda não é tão grave como nos EUA, mas nada garante que não venha a ser em breve. Quanto mais os veículos estiverem empenhados de fato em dialogar com o público, melhores serão suas chances de sobrevivência. O ombudsman é um canal básico para o exercício desse diálogo.

* O artigo de Carlos Eduardo Lins da Silva, editor da revista Política Externa e diretor do Espaço Educacional Educare, foi publicado originalmente na página de Opinião da edição 1548, de Meio & Mensagem, de 25 de fevereiro.
 

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