Engajamento é engodo
Mantenham distância dos “post-lovers”, esse povo que consegue se debruçar por horas em cima de um post, discuti-lo com paixão e contar os likes com orgulho
Mantenham distância dos “post-lovers”, esse povo que consegue se debruçar por horas em cima de um post, discuti-lo com paixão e contar os likes com orgulho
Estamos em 2019 e ainda tem anunciante que brilha os olhos quando vê relatório de social media falando de engajamento. São relatórios super trabalhados, mega detalhados, cheios de termos estilosos (lift, engagement, reactions etc.). Cerca de 17 pessoas do marketing do cliente se programam para uma reunião com o time da agência (e agora serão 28 pessoas na sala) só para ver slides passando com seus posts destacados, um a um, com “os que mais engajaram”, “os top 5”, “a saúde digital da marca”, etc.
É um festival de “volume de likes X alcance/tamanho da base de fãs”, “likes + comments/alcance” ou qualquer coisa que o valha, awareness e sucesso, “copo meio cheio X copo meio vazio”, learnings and next-steps… Ufa! Acabou. Foi incrível, o cliente adorou, tá feliz, sorriu, tá mega contente… Partiu almoço feliz num japa mara, super gostosinho, aqui perto?
Estamos em 2019 e eu lembro de presenciar essas aberrações já em 2011. Só que estamos para virar a década e ainda estamos no mesmo mood. Para muitas agências, isso é atender o cliente. E para muitos clientes, isso é ser atendido por uma agência.
Se você é um head de marketing ou um VP que precisa responder ao comercial sobre ROI, se preocupa com reconhecimento real de marca, intenção de compra, rentabilização do seu investimento em mídia, modelagem de atribuição, índice de adoção, pesquisa, etc. Precisa descer até seu time e ver o que as crianças estão aprontando. Isso acontece o tempo todo no mercado (agora mesmo tem pelo menos umas 14 reuniões tratando isso).
Imagine se o que chamam de engajamento fosse isso mesmo. Imagine a quantidade de marcas bombando e se destacando, liderando movimentos ou, como a bolha do nosso mercado gosta de falar, “se apropriando de um território”, pelo menos umas 50 marcas por mês. E é isso que você vê? Qual marca você vê sendo abraçada e de mãos dadas com um público engajado gritando seu nome, defendendo-a, repetindo sua mensagem de campanha (não vale falar das gigantes famosas, quero as pequenas e médias do dia a dia), ? Me dê pelo menos umas 20 marcas nessa condição.
Sem contar que o target, em geral, buscado pelas marcas é o famoso “ambos, AB, 18-34”. Esse universo é limitado dentro de cada praça. Então, se tem tanta marca estourando de sucesso e vivendo o auge do engajamento a cada campanha, significa também que tem muita gente engajadíssima com umas 10, 11, 15 marcas ao mesmo tempo, levando e espalhando sua mensagem pelo mundo, certo? Quem é tão desocupado assim? Por onde esse povo anda, que ninguém vê?
“Ah, Nino… Mas tem sim. Tem pessoas doidas por algumas marcas e tem algumas marcas que acabam conseguindo um índice legal de engajamento”. Sim, filho, mas isso é a bolha da bolha. Então, nesse caso, a minha premissa ainda vale – tem muita gente em agências e anunciantes se reunindo para se enganar em público todos os dias. Parem de perder tempo ! Saiam de reuniões cheias de pseudo-cientistas de mídia.
Mantenham distância dos “post-lovers”, dos “canvas-lovers”, esse povo que consegue se debruçar por horas em cima de um post e discuti-lo com paixão, contar os likes com orgulho, ler cada comentário com o entusiasmo de uma criança, fazendo você participar desse circo de vergonha-alheia.
Não confunda meras interações com engajamento. Se não é espontâneo, se não nasce da iniciativa de pessoas reais sem estímulo financeiro, não é engajamento. Se você precisou investir para conseguir cada like, cada comment e cada share, você só gastou para ter interações em posts.
Quer fazer um bom trabalho?
• Antes de começar sua campanha, contrate duas ou três boas ferramentas de listening/ rastreamento para acompanhar seu produto ou sua categoria no pré, durante e pós-campanha (ToraBit, SocialBakers, etc).
• Junte a isso um bom esforço de desk-research e conversas com o mercado (veículos) e trace um panorama de percepção da categoria.
• Em cima disso, encontre os perfis de pessoas que interagem com a categoria (os defensores, os detratores, os influenciadores). Estude-os, entenda-os, identifique-os em suas jornadas.
• Prepare sua base para receber todas as informações e dados possíveis (comportamento de navegação, perfis, leads, etc).
• Monte o plano de mídia em cima da necessidade de negócio do seu cliente. Acredite, até campanhas de posicionamento de marca (aquilo que chamam de branding) servem a objetivos de negócios, pois nada e nenhum investimento em propaganda deve ser feito a esmo ou por puro capricho. Se não é performance de conversão, é performance de audiência e lá na frente, num próximo momento, vai servir aos esforços de captação ou indução de compra/consumo.
• Valide premissas, métricas e entregáveis antes de qualquer coisa e siga todo o combinado à risca. Lá na frente você vai me agradecer por essa dica.
• Faça tudo pensando no resultado de negócio. Veja as métricas de mídia, de analytics, de social-media, de mapa astral, de tudo, mas foque no que interessa – no negócio da empresa. Onde e como cada coisa contribui num funil extenso de atribuição de valores que endereçam o negócio, que mexam no bolso do cliente.
• Se seu cliente te pedir algo diferente disso, é seu papel de agência, de especialista, explicar que ele está equivocado e lhe mostrar o melhor caminho.
Likes não pagam contas. Vendas sim.
*Crédito da foto no topo:Pete Linforth/Pixabay
Compartilhe
Veja também
Quando a publicidade vai parar de usar o regionalismo como cota?
Não é só colocar um chimarrão na mão e um chapéu de couro na cabeça para fazer regionalismo
Marketing de influência: estratégia nacional, conexão local
Tamanho do Brasil e diversidade de costumes, que poucos países têm, impõe às empresas com presença nacional o desafio constante de expandir seu alcance sem perder de vista a conexão com as comunidades